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Arte é caminho para cuidado de saúde mental de crianças

A arteterapeuta Juliana Carvalho salienta que a saúde mental começa na infância, dentro do ambiente familiar

Redação Jornal de Brasília

15/06/2021 16h41

Foto: Divulgação / Juliana Carvalho

Ana Luiza Duarte, Mayariane Castro e Rayssa Loreen
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

Um boneco cria formas. Em outro papel, os rostos mudam da tensão à alegria. Várias andorinhas. Um campo de futebol. Recortes de nuvens… Não há limites para a arte e a imaginação de crianças estimuladas para a arteterapia. Profissionais que trabalham com esse público nesse momento de pandemia garantem que os menores precisam ser acompanhados e ouvidos, já que é necessário avaliar o impacto que esses dias de crise tem para quem está começando a vida.

A arteterapeuta Juliana Carvalho salienta que a saúde mental começa na infância, dentro do ambiente familiar. Ela explica, também, que as crianças são reflexos dos pais, pois são as pessoas que ela observa e adquire os mesmos comportamentos. Sendo assim, a especialista afirma que é fundamental que este espaço seja saudável. “A criança não processa o que acontece, ela só repete. E ela carrega essa repetição para o resto da vida dela”, explica.

A especialista Juliana Carvalho entende que é necessário garantir a liberdade de expressão e que crianças e adolescentes devem ser estimulados a se manifestar. Belo será também pela arte.

Fotos de Divulgação / Juliana Carvalho

Os sorrisos voltaram

Mãe de uma menina de quatro anos de idade, Elisângela dos Santos, de 44, ficou muito tensa quando a filha passou a demonstrar sinais típicos da ansiedade, como isolamento, choro, ganho de peso e agressividade.  A situação mudou bastante desde que a garota passou a fazer arteterapia.

“Percebi a cura emocional e a diferença foi notável. O sorriso voltou. Ela está mais segura e confiante. O nosso relacionamento de mãe e filha está mais compreensivo e carinhoso”, testemunha a mãe, que trabalho como motorista particular. A indicação para esse tipo de tratamento veio da escola desde que as aulas viraram on-line e a interação diminuiu.

O tratamento com arteterapia é uma opção de ajuda para crianças e adolescentes, pessoas que, muitas vezes, têm seu sofrimento silenciado e conseguem falar através da arte. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o índice mundial de crianças, na faixa etária de seis a 12 anos, diagnosticadas com depressão passou de 4,5% para 8% na última década. Isso indica um crescimento de 43,7% na taxa.

Imagem: Juliana Carvalho / Divulgação

Outro dado importante, também indicado pela OMS, é de que o suicídio é uma das maiores causas de morte entre jovens e adolescentes de 15 a 29 anos. Além disso, a depressão infantil é um diagnóstico complexo de ser realizado. De acordo com especialistas, a infância é o momento em que acontece o desenvolvimento de personalidade e de caráter dessas crianças, além de ser a etapa de vivenciar situações novas. 

“Descredibilizam o que a criança sente, é sempre uma fantasia, uma bobagem, é uma fase, então é trazer a criança para falar pra ela entender o que está sentindo. Existem várias formas de falar, inclusive no silêncio”. – Sara Figueiredo, psicóloga 

Saúde mental de crianças e adolescentes

Diferente do que muitos acreditam, crianças e adolescentes podem, sim, enfrentar problemas relacionados à saúde mental. São vários os motivos que causam o agravamento da sanidade desses indivíduos. Contudo, a saúde mental começa desde os primeiros momentos da vida e está amplamente influenciada pelo ambiente familiar, como comentam a psicóloga Ciomara Schneider e a psicopedagoga Eliane Castro.

“A saúde mental da criança é ela estar em equilíbrio, estar em um convívio familiar que seja minimamente equilibrado, sem conflitos e desavenças porque isso tira a tranquilidade, segurança e autoconfiança da criança, então ela passa a sofrer”, completa Ciomara, que é professora de psicologia do CEUB.

Ainda segundo a psicopedagoga Eliane Castro, os primeiros anos de vida são cruciais e funcionam como uma base para o que o cérebro poderá fazer  nos próximos anos. Além disso, ela explica que muitos transtornos são detectados apenas quando as crianças passam a frequentar a escola. “Observações são feitas, bem como alguns encaminhamentos médicos. Mas, em determinados momentos, um pouco tarde”, diz.

Além disso, a psicóloga especialista em saúde mental infanto-juvenil, Sara Figueiredo,  esclarece que a saúde mental é um conceito amplo e cheio de interferências. De acordo com ela, tudo é saúde, o que inclui as condições de vida de cada sujeito. “Muitos associam saúde à saúde orgânica, do corpo, às doenças. Só que tudo é saúde. Se eu tenho casa pra morar, comida para comer, isso é saúde”, completa.

“A arte ultrapassa e emancipa os sujeitos. Ela é infinita. Não existe um fim para diversas interpretações”, diz psicóloga.

Especialistas também afirmam que os danos podem ser reduzidos, caso a procura por ajuda e tratamento seja realizada o mais cedo possível. A psicóloga Sara Figueiredo explica que é necessário ouvir e notar os sinais que possam indicar um pedido de ajuda. 

“Escutar é o que menos estamos fazendo, tanto com as crianças e adolescentes, como nas nossas relações”, afirma Sara Figueiredo

Local de trabalho da psicóloga Ciomara Schneider

Válvula de escape

A arteterapia é um método de tratamento usado por psicólogos, terapeutas e psiquiatras. Esse recurso consiste no uso das variadas artes que ajudam no âmbito da saúde mental dos pacientes. Juliana Carvalho indica a arte como uma ‘válvula de  escape’ para os estresses diários: “Você entra naquele mundo prazerosamente, você está ali mas você está focado na sua pintura, está focado na sua música, está focado na sua representação, então você trabalha outras coisas do seu corpo que te tiram um pouco daquela realidade que tem te frustrado”.

“É preciso ouvir as crianças”

Para a psicopedagoga Tatielle Almeida, é preciso que, desde o nascimento, os pais estejam atentos os sinais de alerta que as crianças começam a demonstrar. “Alguns diagnóstico só podem ser prescritos aos 5 anos, mas os cuidados com a saúde mental é desde o nascimento mesmo”.

Ela explica que o tratamento com artererapia pode começar desde os 7 meses de vida e pode iniciar quando houver interesse dos pais ou um encaminhamento médico.

“Promove o autoconhecimento, ajuda na comunicação pela arte, explora a imaginação, aumenta a autoestima e autonomia, contribui para concentração, memória, atenção e vários outros benefícios”, garante a especialista.

Ela reforça que esse tipo de tratamento auxilia no incentivo à criatividade e concentração das crianças, já que proporciona uma forma lúdica de ensinar. “Ajuda a expressar os sentimentos e emoções. Engaja toda a família e proporciona um ambiente de acolhimento à criança”.

Ars vem do latim ars, que significa literalmente “técnica”, “habilidade natural ou adquirida” ou “capacidade de fazer alguma coisa”. É isso que a arte na educação representa. — Eliane Castro, psicopedagoga

Eliane Castro ressalta que a falta da arte na rotina da criança possui impactos no seu desempenho escolar. “A arte vai despertar a capacidade de criação, poder expor suas ideias e sentimentos interagindo com os demais, isso faz com que ele consiga fazer parte de um grupo, sem se preocupar em ser julgado.

A arte tem o dom de utilizar diversas formas de linguagem, escrita ou não, ela desenvolve de forma natural a parte cognitiva. Essa qualidade está sendo diminuída a partir do momento em que você censura a criança, na adolescência a mente está trabalhando num ritmo extremamente acelerado, muitas ideias estão prontas para serem executadas, mas falta espaço”.

Com a arteterapia, é possível ajudar a criança em áreas escolares que ela estiver com dificuldade, segundo Juliana Carvalho. Ela exemplifica que se pode trabalhar geografia com o uso da argila para produzir um mapa múndi. A terapeuta acrescenta que não é preciso focar nas dificuldades da criança, mas sim contornar aquilo de modo que o problema que a criança não está entendendo fique mais lógico para ela.  Além disso, a especialista diz que a arte, quando na forma de tratamento, também pode proporcionar ao paciente uma redução de ansiedade. 

Para Sara Figueiredo, a arte está o tempo todo no tratamento com crianças e adolescentes. De acordo com ela, é uma forma que os pacientes encontram para criar histórias, sendo a representação do mundo real de cada um.  “O próprio brincar é uma arte. A brincadeira é como se fosse um poeta inventando”, comenta.  

Arte como manifesto

Sara diz, também, que a arte é uma sustentação e possibilidade de dizer a verdade, o sofrimento e a história de cada um, e isso aparece desde o primeiro momento em que as pessoas ao redor escutam as formas de manifestação das crianças e adolescentes Além disso, as expressões artísticas podem ressignificar todas as questões de sofrimento, já que os pacientes conseguem reinventar um mundo e transformar a histórias.

“A arte é um grande potencial de liberdade, tanto de sujeitos silenciados e que ela dá voz a esses sujeitos e abarca a existência singular de cada um. Uma forma muito potente que experiência vários mundos”

Confira trecho da entrevista com a especialista Sara Figueiredo:

Psicodrama

De acordo com Juliana Carvalho, outras áreas artísticas, como o teatro, também podem ajudar na melhora da saúde mental. Segundo afirma a terapeuta, a arte pode trazer respostas para muitas situações. “É um momento que você está consigo e é um momento que você está concentrado naquilo”, acrescenta. 

Arteterapia pode reduzir depressão, diz Juliana Carvalho. Foto: Divulgação

Além da diminuição da ansiedade, a terapia em forma de teatro proporciona vários benefícios, como o aumento da autoestima e a melhora da coordenação motora e da memória. 

O método do psicodrama foi desenvolvido no século 20, pelo psiquiatra Jacob Levy Moreno. O médico trabalhava com um grupo teatral de improvisação ao perceber que as pessoas podem refletir sobre si mesmos ao interpretarem seus problemas pessoais no palco.

Resultados em sala

Para Marisa Becil Ferreira, psicoterapeuta e psicodramatista de crianças, adolescentes e adultos, o psicodrama ainda consegue ser útil no aumento da performance escolar. “O psicodrama ajuda a criança a dar respostas novas e positivas diante de situações problemáticas”, esclarece. Ainda segundo Marisa, o método entende que a pessoa é saudável quando ela é criativa e espontânea.

Inspiração de Nise da Silveira

No lugar de vassouras e esfregões, a médica Nise da Silveira oferecia pincéis e telas em branco para que os pacientes do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Rio de Janeiro, pudessem se expressar através da arte. A partir disso, Nise tornou-se a pioneira na arteterapia, método usado até os dias de hoje.

Ela foi contratada para trabalhar no hospital em 1944, porém a médica discordava dos métodos de tratamentos usados na época, como tratamento de choque e lobotomia. Assim, Nise da Silveira foi transferida de função, passando a atuar na ala de terapia ocupacional, e optou por criar ateliês de pintura e modelagem ao invés das atividades de limpeza que eram feitas pelos pacientes. Sete décadas depois, a arte está consolidada como forma de trazer dignidade para pacientes crianças e adolescentes.

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