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‘Quiseram fazer meu mapa astral na entrevista’: quando o signo vira critério para conseguir emprego

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), afirma ser proibida discriminação pro “sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros”.

Redação Jornal de Brasília

04/03/2020 17h24

Pedro Henrique tem 23 anos e teve uma grande surpresa quando, em uma entrevista de emprego, foi perguntado sobre seu signo, há três anos. O designer conta que foi entrevistado pelo proprietário “Fui entrevistado pelo próprio dono. Ele me fez muitas perguntas profissionais, sobre minha experiência na área e sobre a minha universidade. Mas depois ele começou a fazer perguntas mais pessoais e quis saber qual era o meu signo”, diz o jovem, que é de leão.

Pedro contou à BBC News Brasil que a inesperada pergunta descobriu ser comum no estabelecimento do dono. “Um amigo me contou que uma conhecida dele fez estágio nessa loja e disse que o dono perguntava sobre os signos das pessoas porque ele não contratava ninguém de touro”, disse.

Em redes sociais e blogs, existem diversos relatos de pessoas que foram questionadas sobre a questão em entrevistas de emprego. Contudo, elas não sabem se os entrevistadores dão uma grande importância a informação para escolher um candidato para a vaga. Mesmo assim, acreditam que a resposta pode ter sido levada em consideração. 

Especialistas da área de Recursos Humanos (RH), explicam que o signo não pode ser considerado em uma seleção de candidato para vaga de emprego. 

Meritocracia x Determinismo astrológico

De acordo com o professor da Fundação Getúlio vargas (FGV) e pesquisador em Comportamento Organizacional, Marco Tulio Zanini, é um ato incorreto. “Seja um profissional de recursos humanos ou o proprietário de um estabelecimento, considerar um signo ao avaliar um trabalhador é absolutamente errado. É completamente inadequado. Isso fere a meritocracia. Entra em uma espécie de determinismo astrológico”.

Não só o professor, mas também profissionais da astrologia criticam a atitude. “A avaliação de uma pessoa para uma vaga de emprego deve ser baseada em entrevistas e provas. Devem ser levados em consideração, principalmente, experiência profissional e testes psicológicos que venham a avaliar a habilidade emocional e psíquica do indivíduo”, explicou Paula Belluomini, astróloga e diretora da Sociedade Internacional para Pesquisa Astrológica

Mas existe também astrólogos que defendem o uso do signo em processos seletivos. E que há situações em que o signo – aliado a outros fatores relacionados ao desempenho profissional do candidato – pode ter alguma relevância na decisão final.

A história da conta de que a astrologia nasceu h cerca de quatro mil anos, durante a Babilônia. A partir da análise dos ciclos dos astros e das fases da lua, divida em 12 unidades, ela surgiu. Hoje são os chamados signos do zodíaco. Diferente de hoje em dia, na época era usada para auxiliar a política e a agricultura. 

Com status de ministério, que tinha na época, caso um astrólogo errasse uma análise, poderia até ser degolado. Não sem razão, astrologia e política caminharam juntas por muito tempo. 

Segundo Bárbara Abamo “A astrologia se baseia no que os gregos chamavam de ‘katarché’, ou seja, o que estava no início, nos primórdios. A ideia é que a configuração dos astros num momento de nascimento de algo ou alguém guarda as informações sobre seu desenvolvimento ulterior no tempo. Por isso, a nossa obsessão com horários e minutos em que algo começa, seja lá o que for”, explica a astróloga, que tem signos como objeto de estudo desde os anos 1970. 

A astrologia leva em conta, ao menos, 10 diferentes astros. A partir deles, que incluem Sol, Lua, Mercúrio< Vênus e Marte, e tendo como foco o dia e horário de nascimento de alguém, são feitas análises como a do ascendente –  que aponta o signo que estava ascendendo a leste na hora e local do nascimento – e a Lua – em que signo a lua estava quando a pessoa nasceu. Com essas informações é possível fazer o mapa astral de alguém.

‘Amor, arte e astrologia’

Para o grande público os signos são usados para atribuir características e traçar a personalidade das pessoas. Profissionais da área, contudo, defendem que, a partir de um estudo individualizado, baseado em um mapa astrológico, é possível fazer um retrato sobre alguém. “Tomar somente os signos como resposta é tomar a parte pelo todo”, exemplifica Abramo.

A astrologia não é considerada uma ciência, pois não se pode reproduzir experimento controlado em laboratório. No entanto, há pessoas que consideram a astrologia uma “pseudociência”. De acordo com Abramo, isso não reduz o tema já que é um conhecimento que necessita do saber acumulado. “O amor ou a arte, por exemplo, também não são ciências”, justifica.

Na história recente da humanidade, astrólogos afirmam que a astrologia passou a ser muito abordada e estudada. Houve, de fato, um incremento significativo no interesse pelo tema em paralelo ao desenvolvimento da geração dos millenials (que nasceram entre 1980 e 1990). 

A psicoterapeuta Deborah Jean Worthington, presidente da Central Nacional de Astrologia (CNA) clarifica que a democratização da informação colaborou para o avanço do tema. “A facilidade de obter informações via internet democratizou o acesso ao tema. Essa geração fala mais de um idioma e, por isso, escolas de astrologia e associações internacionais flertam com o público brasileiro”.

‘Mapa astral na entrevista de emprego’

O interesse pelo tema aumentou de tal forma que invadiu inclusive as entrevistas de emprego. 

Juliana, por exemplo, passou por uma situação em que o entrevistador fez o mapa astral dela durante a conversa. “Fui a uma entrevista com meu currículo impresso em mãos. Quando fui chamada para conversar com o dono da empresa, ele viu a minha data de nascimento e começou a fazer ali mesmo o meu mapa astral. Ele perguntou meu signo, ascendente e lua. Achei uma atitude nada razoável”, disse a designer de 34 anos. 

“Foi algo excêntrico. Eu adoro signos e astrologia, mas de uma forma divertida. Nunca deixaria de trabalhar ou me relacionar com alguém por conta disso. Inclusive, o meu namorado é de capricórnio, que tem uma péssima fama de coração gelado. E ele é um amor”, afirma a designer.

Mesmo sendo de libra, Juliana não foi chamada para a vaga que disputou. Entretanto, ela não acredita que a decisão tenha sido tomada levando em conta a astrologia.  “Penso que não fui contratada porque quando falamos sobre valores, entendi que ele não tinha muito orçamento para aquilo que eu tinha proposto. Não acho que o signo influenciou porque um amigo que trabalhava na empresa me disse que o dono dela gosta de librianos.”

Pedro Henrique, no entanto, foi aprovado, ficou uma semana na empresa e saiu. “A empresa não era exatamente o que eu queria”.

Relatos da internet dão conta de diversos outros casos. “Fiz uma entrevista e perguntaram meu signo e a hora em que nasci para fazer meu mapa astral. Como sou de gêmeos, com ascendente em aquário, não fui contratada”, escreveu uma jovem.

“Participei de uma entrevista de emprego para um serviço de saúde, coisa séria, e o entrevistador perguntou meu signo”, relatou uma jovem nas redes sociais. “Fiz uma entrevista em uma corretora, preenchi uma ficha e uma das perguntas era sobre o signo. A entrevistadora me disse que não contratam escorpianos”, disse uma outra mulher.

Mas profissionais da área de contratação preocupam-se com essa prática. 

De acordo com o professor da FGV, Zanini acredita que os critérios de avaliação precisam ser claros “Um candidato precisa saber os critérios para a seleção de uma vaga e isso não pode envolver informações consideradas místicas”, declara. E segue “As informações astrológicas dependem da fé de quem as estuda e levá-las em consideração abre espaço para uma subjetividade absurda. Um mapa astral não consegue prever comportamentos e atitudes de alguém no ambiente de trabalho”, afirma.

Os profissionais da área de astrologia criticam, no entanto, o fato de que as abordagens sobre signo são feitas por pessoas consideradas leigas. “Uma pergunta aleatória como ‘qual o seu signo?’, quanto mais feita por alguém que não é astrólogo, está sujeita a ser interpretada de forma tendenciosa, pois tenta constatar informação relevante sobre um indivíduo somente baseada em seu signo solar e dá margem a discriminação sem embasamento ou análise adequada”, explica Paula Belluomini.

“Entrevistadores curiosos e amadores, ignorantes da arte astrológica, fazendo isso deve ser crime, ou puramente uma quase oficialização de discriminação contra pessoas. Eu entraria com um mandado judicial exigindo explicações”, esbraveja Abramo.

Segundo o advogado Pedro Chicarino, especialista em Direito do Trabalho, abordar determinadas questões pessoais durante processo seletivos caracteriza uma conduta discriminatória. “Muitos entrevistadores se aprofundam em assuntos pessoais, não relacionados à vaga. Mas questões relativas a estado civil, doenças, gravidez, remédio que consome, posicionamento político, signo, entre outras, podem caracterizar discriminação”, afirma Chicarino.

De acordo com Chicarino, para que uma conduta seja discriminatória, é necessário analisar o contexto em que a pessoa foi tratada com diferença. “Não havendo justificativa para embasar a diferenciação, seja em razão da necessidade do negócio ou da exigência profissional genuína, a conduta pode ser caracterizada como discriminatória”, diz.

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), afirma ser proibida discriminação pro “sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros”.

Sem ser especificados na CLT, os signos podem se enquadrar na regra já que se trata de uma questão pessoal, sem relação com a vaga disputada. Chicarino ressalta que caso entenda que perdeu uma vaga por causa do seu signo um candidato pode fazer uma denúncia ao Ministério do Trabalho. Esse tipo de conduta precisa ser denunciada e coibida”. 

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