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Polícia investiga maus tratos a crianças em escola de educação infantil em SP

A direção da escola Casa da Vovó, que tem 40 anos, nega qualquer agressão.

Redação Jornal de Brasília

09/03/2020 18h03

Foto: Banco de imagens

A Polícia Civil investiga uma escola de educação infantil em Pinheiros, bairro da Zona Oeste de São Paulo, acusada de maus tratos de crianças entre zero e 5 anos. Ex-professores e pais de alunos dizem que a dona da escola e uma coordenadora pedagógica puniam crianças com puxões de cabelo, de orelha e nos braços quando não se comportavam. Muitas também seriam deixadas sozinhas em uma sala, por mais de uma hora, chorando, quando tinham dificuldade para dormir. A direção da escola Casa da Vovó, que tem 40 anos, nega qualquer agressão. Os pais se dividem entre os que denunciam ­o estabelecimento e os que o defendem veementemente.

Na semana passada, a fachada da escola, que fica a menos de um quarteirão da Rua Gabriel Monteiro da Silva, foi pichada com inscrições como “berçário da tortura”. A primeira denúncia surgiu no início do mês passado depois que os professores Carlos Henrique da Costa de Araújo e Heloisa Zonta Dias, que são casados, foram demitidos. Ao deixar a escola, eles aguardaram os pais na rua e passaram a relatar casos de crianças agredidas.

A reportagem conversou com dez pais ou mães cujos filhos estudaram ou ainda estudam na Casa da Vovó. Eles se dividem entre os que acreditam e os que duvidam dos maus tratos, acusando os dois professores de retaliação porque foram demitidos. A reportagem também ouviu outros quatro professores ou estagiários – além do casal – que passaram por lá entre 2018 e 2020. Todos eles contam histórias parecidas de agressão.

A escola fica na Rua Joaquim Antunes e já chegou a ter cerca de cem alunos. Hoje são 50 crianças e bebês, muitos deixaram o estabelecimento nos últimos dias, após as denúncias. Entre os alunos, há filhos de empresários, jornalistas e advogados. A estrutura é simples para uma escola em um bairro nobre, com mesas de plástico e brinquedos velhos. O parquinho está interditado por falta de condições de uso. A mensalidade é de R$ 2.900 para o período integral.

Um relatório da vigilância sanitária municipal enviado ao jornal O Estado de S.Paulo, indica que a escola tem “condições insatisfatórias de higiene e organização”. A visita do órgão foi feita mês passado, após denúncias dos pais que também foram avisados pelos professores sobre a situação física da escola. Eles mostraram fotos de travesseirinhos mofados e baratas perto de crianças.

A regra da Casa da Vovó determina que os pais deixem e busquem as crianças no portão, com pouco contato com o espaço ou com professores. Pais que defendem a escola pedem perícia nas imagens, que acreditam terem sido montadas.

Os seis ex-funcionários citaram à reportagem nomes das crianças e situações específicas em que elas teriam sida agredidas fisicamente ou psicologicamente pela coordenadora Ana Regina Thomaz ou pela dona da escola e diretora, Nereide Tolentino. A maioria deles pediu anonimato por temer represálias.

Os dois professores demitidos enviaram vídeos gravados por eles dentro da escola para os pais. Em um texto, listaram nome por nome dos alunos e qual agressão teriam sofrido na escola. Em um dos vídeos, a coordenadora Ana Regina dá frutas para uma criança de 1 ano. O menino rejeita, se afasta quase deitando na cadeira, mas a funcionária coloca o alimento na boca dele mesmo assim, ele se engasga e chora muito. Em outro, a mesma funcionária aperta o rosto de um menino e dá uma bronca com dedo em riste. Depois das denúncias, a escola informou que a coordenadora Ana Regina, que estava há 32 anos na Casa da Vovó, foi afastada.

Os pais da criança de 2 anos, que aparece no vídeo engasgando, estão processando a escola. Uma representação criminal, com tipificação de crime de tortura, foi feita semana passada contra a escola e o inquérito foi aberto na 14ª Delegacia de Polícia. Nesta segunda-feira, 9, as testemunhas começaram a ser ouvidas.

Alberto Bramer Worcman diz que o filho mudou depois que passou a frequentar a Casa da Vovó. “Ele ficou arredio, grudou na mãe, se encolhia só de ver o uniforme da escola.” A família decidiu tirá-lo de lá no ano passado e só agora soube da possibilidade de agressões. Outra mãe, que pediu para não ter seu nome publicado, disse que a filha está sendo acompanhada por psicólogo desde que saiu, há cinco meses, da Casa da Vovó. “Ela chorava até vomitar de nervoso na porta da escola, não queria entrar. Depois aparecia com muitas marcas e ninguém me dava explicação alguma do que tinha acontecido.”

“Certa vez, uma aluna minha não queria dormir, a Ana Regina esfregou a chupeta na boca da criança com muita força, ela ficou até sem ar, depois a levou para uma salinha e a deixou lá chorando sozinha por muito tempo”, conta Natalia Laurentino Martins, de 32 anos, estudante de Pedagogia que fez estágio na Casa da Vovó. “Depois que vi isso não conseguia mais trabalhar, eu pensava: é um bebê, com 1 aninho, a coisa mais linda do mundo ” Natalia diz que reclamou da agressão para colegas e, em seguida, foi dispensada, após menos de dois meses na escola.

Outras professoras contaram diversas histórias parecidas. E também que constantemente essa profissional e a dona da escola puxavam cabelos de crianças, torciam a orelha para obrigá-las a comer, mesmo chorando muito. Segundo elas, havia ainda o hábito de jogar água fria na cara dos alunos para que parassem de chorar. “Eram cenas de horror, faço terapia, tenho vergonha de falar que trabalhava em um lugar assim”, diz uma ex-professora que pediu para seu nome não ser divulgado. “Os piores momentos eram o da comida e do soninho da tarde. Quem não comia ou demorava a dormir, era agredido, com comida enfiada pela goela ou pisões nas mãos”, diz Araujo. “A dona da escola tem uma visão autoritária, isso não é educação.”

Nereide Tolentino, de 78 anos, fundou a escola há décadas e é adorada por algumas mães. Na semana passada, depois das denúncias, o jornal O Estado de S.Paulo presenciou uma delas, ao buscar o filho na escola, abraçar a diretora e desejar força. Ela explica que sua “metodologia diferenciada” é baseada em neurociência, com muita música e que “todas as crianças comem de tudo e dormem bem ao passar pela Casa da Vovó”. “A criança chega aqui e já falo: larga mão da criança, ela é capaz de ir sozinha. A cultura no Brasil é o oposto, de muito colo, muito carrinho para bebês.”

Questionada sobre as agressões, negou tanto as atribuídas a ela quanto às a Ana Regina, que ela diz considerar seu “braço direito”. As denúncias são, para ela, uma perseguição de professores que querem ter alguma vantagem financeira com isso. “Aos 78 anos ser acusada de tortura é muito difícil.”

Segundo Nereide, a maioria dos alunos permaneceu na escola mesmo após as denúncias. As mães que conversaram com a reportagem disseram que a escola se destaca por exigir disciplina, mas sempre com afeto, e que as denúncias são incoerentes e exageradas.

Uma mãe, que pediu para não ter o seu nome divulgado, diz que o filho de 5 anos, que está desde bebê na escola, aprendeu a comer comidas saudáveis e sempre pede para ficar até mais tempo na instituição. “Se houvesse algo, refletiria na atitude dos nossos filhos, o meu é curioso, dócil, amoroso, não consigo perceber nele nenhum sinal de falta de respeito. Uma vez quisemos trocar de escola e ele ficou muito nervoso.”

A advogada Florence Haret Drago, de 39 anos, tem dois filhos na Casa da Vovó e faz parte de uma comissão de apoio à escola montada depois das denúncias. O grupo pede melhorias em questões de estrutura física, limpeza e no armazenamento de alimentos. “Tem pontos que a gente critica na escola, claro, mas falar em maus tratos é muito incongruente. Fiz de tudo para que minha filha falasse alguma coisa errada de lá e nada. Até hoje ela vai feliz e volta feliz da escola.”

 

Estadão Conteúdo 

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