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6 dicas de Celina Torrealba de como achar uma boa história para um documentário

Jornal de Brasília

12/03/2024 0h01

“É preciso muita curiosidade durante a pré-produção, adaptabilidade na produção e criatividade durante a pós-produção para fazer um documentário com uma história rica e coesa”, explica a documentarista Celina Torrealba. “Cinema é emocionar o público,” defende Torrealba, cujo processo de criação é permeado de emoção e afeto. Documentários contam uma história, ou seja, têm um desdobramento, conflito e narrativa que lhes permitem cumprir o seu papel de emocionar, expressar e relatar. Neste artigo, conheça mais sobre a cineasta Celina Torrealba e veja algumas dicas da produtora, que você pode usar para encontrar uma história para seu próprio documentário.

Quem é Celina Torrealba

Celina Borges Torrealba Carpi é uma cineasta e produtora brasileira dedicada a tratar de temas relacionados à ancestralidade e formação de identidades. Com um reconhecimento crescente no cenário cinematográfico nacional e internacional, Torrealba acredita que documentários são uma espécie única de cinema, que permite a pessoas comuns compartilharem as suas histórias e perspectivas sobre temas importantes que movem a sociedade. “O que me faz amar o cinema documentário está na minha história de vida,” conta Torrealba.

Com isso, a documentarista traz à luz inúmeras histórias de sujeitos, muitas vezes marginalizados. “Interessei-me pelo documentário como uma poderosa ferramenta de expressão para questões de mudança social,” explica. Através das suas obras, Celina Torrealba enriquece o cinema brasileiro, contribuindo para um diálogo global sobre identidade, memória e pertencimento, temas que atravessam suas produções de maneira recorrente.

6 dicas de Celina Torrealba para encontrar uma história para seu documentário

O documentário é um formato singular de criação cinematográfica, que combina muitas artes. O aspecto artístico desse gênero reside na manipulação da temática para a concepção de uma história única sobre fatos, pessoas ou lugares. Cada filme parte de um ponto de vista sobre determinado sujeito, independentemente de ele ser desconhecido para o público — como a biografia de um ativista da periferia de uma grande cidade —, ou conhecido universalmente — como uma guerra mundial. Para concretizar a sua visão em um documentário, é preciso que você tenha uma história a ser contada e use os recursos à mão durante os processos de produção. A seguir, confira as 6 dicas de Celina Borges Torrealba Carpi para você achar uma história para contar em seu filme.

1. Encontre o seu tema

Tanto a temática quanto a história de um documentário são elementos fundamentais para o seu desenvolvimento, já que conectam o espectador a algo além de si, trazendo um apelo emocional e intelectual para a obra. Contudo, a temática e a história de um documentário não devem ser confundidas.

O tema de um documentário é um dos elementos mais importantes para a sua história, já que ele é o ponto de partida para as perspectivas que serão traçadas pela narrativa. Estamos rodeados por temas e sujeitos, e para encontrar o seu, Torrealba sugere que o documentarista observe o mundo ao seu redor. Também é possível buscar inspiração em outros documentários, obras de arte, notícias e eventos. Assim, a história poderá ser descoberta a partir de uma das inúmeras perspectivas sobre o sujeito escolhido.

Em “Cheiro de Vida”, por exemplo, Torrealba resgatou a biografia do seu avô chileno, Ernesto Torrealba; o sujeito da obra. O foco do documentário poderia ser a carreira de Ernesto como diplomata, os poemas que escreveu ou sua vida cotidiana em Paris nos anos 1920. Contudo, em “Cheiro de Vida”, Celina Torrealba decidiu enfatizar sua narrativa na história de Ernesto como pai, explorando a ancestralidade e como as memórias e genealogias conseguem moldar uma identidade em transformação.

2. Aceite que não é possível prever os resultados

É relativamente comum ouvir cineastas confessando que a história de determinado documentário só se revelou completamente durante o processo de produção ou até mesmo no decorrer da edição. Isso se dá pelo fato de que o cinema documental é mais flexível e imprevisível do que o cinema tradicional, e segue um processo evolucionário distinto.

Vale destacar que isso não quer dizer que você deve abandonar o roteiro ou começar as gravações sem nenhuma ideia sobre a história que quer contar, mas sim que é preciso aceitar a possibilidade de imprevisibilidade dessa narrativa. “A mudança de planos pode até mesmo ser benéfica para o documentário, já que dá lugar para que a história se desdobre de maneiras inesperadas e, muitas vezes, únicas,” explica a documentarista Celina Torrealba. Contudo, a produtora ressalta que essa mudança de planos pode significar que o seu documentário precisará de um maior prazo e orçamento.

3. Ultrapasse suas limitações e preconceitos

A história que você contará pode estar sendo obscurecida por suas limitações e preconceitos. Desse modo, mantenha a mente aberta enquanto estiver pesquisando sobre o tema escolhido, e prepare-se para abraçar uma perspectiva desconhecida, caso ela surja. A história completa muitas vezes não está clara até que você avalie diferentes pontos de vista, mesmo aqueles com que pode estar questionando no início devido a preconceitos.

Se o seu documentário for sobre um evento histórico, por exemplo, você pode delimitar o início e o fim da história que quer contar durante uma pesquisa aprofundada sobre o evento. No decorrer desse processo de determinar quais partes serão exploradas, novas informações poderão surgir — e, caso seja da sua vontade, elas poderão alterar a sua perspectiva e, consequentemente, a história.

4. Observe o que ocorre ao seu redor

Uma das maneiras mais tradicionais de encontrar uma história é abrindo os olhos para os acontecimentos atuais no mundo, em seu país, estado, cidade ou bairro. Além de ajudar a achar o sujeito do documentário, os eventos globais e locais também podem facilitar o processo de desenvolvimento de um ponto de vista sobre esse sujeito. Por exemplo, com as crescentes evidências arqueológicas de grandes populações e civilizações na Amazônia, o documentário brasileiro “Território”, vencedor do Emmy, percebeu um tema impactante e um ponto de vista único. O filme promove uma reflexão condizente com as preocupações atuais sobre cultura e apropriação, tratando de como o passado pode esclarecer o futuro e desafiar a visão tradicional da história.

Revisitar a sua própria biografia ou cobrir um evento importante são outras maneiras de encontrar a sua história. Torrealba está trabalhando em um documentário sobre a porta- bandeira da escola de samba Portela, Squel Jorgea, e vem usando o fenômeno do Carnaval como inspiração e recurso para contar essa história. A narrativa, em si, explora a ancestralidade africana no Brasil através da temática do desfile da Portela no Carnaval do Rio de Janeiro de 2024 que foi baseado no livro “Um Defeito de Cor” de Ana Maria Gonçalves.

5. Questione os fatos

Para se destacar como documentarista, é essencial não apenas descobrir uma história cativante, mas também mergulhar profundamente na investigação dos fatos que a cercam. O processo criativo inevitavelmente dá vida à sua narrativa, que pode evoluir e se distanciar do seu ponto de partida. Enquanto nos anos 70, o documentário tendia a apresentar a realidade de maneira assertiva, fornecendo respostas claras, o cenário atual é bem diferente. Hoje em dia, o gênero se abre para uma diversidade de perspectivas e questionamentos, enriquecendo as narrativas com uma abordagem mais inquisitiva e exploratória.

Celina Torrealba recentemente co-produziu o documentário “Arte da Diplomacia”, dirigido por
Zeca Brito. Na obra, foi contado como, durante a Segunda Guerra Mundial, mais de 160 pinturas foram doadas por 70 artistas modernistas brasileiros para serem exibidas e leiloadas no Reino Unido. “Arte da Diplomacia” traz uma perspectiva sobre esse fato, considerado um gesto de diplomacia cultural, destacando como ele determinou o papel do Brasil no combate ao nazifascismo.

6. Colecione recursos e fontes

Para documentar histórias, pessoas, fatos e eventos, é importante coletar recursos e entrevistar indivíduos relevantes para a sua narrativa. Assim, se você já tem uma temática em mente, uma dica de Torrealba é reservar um tempo significativo para pesquisar e colecionar fontes que tragam perspectivas a serem exploradas. Fazer buscas amplas e sem muitas restrições no início pode garantir achados interessantes, que, por sua vez, lhe ajudarão a encontrar uma história inovadora tanto na forma como no conteúdo.

Em “Cheiro de Vida”, por exemplo, Celina Borges Torrealba Carpi mergulhou nos arquivos da própria família, como cartas, fotografias, documentos e objetos, e usou jornais e registros da década de 1920 e o diário do próprio Ernesto Torrealba, pessoa de que trata o documentário. Assim, a cineasta traz uma narrativa envolvente e emocionante sobre a experiência da paternidade para o poeta e diplomata chileno.

Vale destacar que, se você decidir começar a produção do seu documentário sem um roteiro, é importante se abrir para a direção dos recursos — ou seja, se permitir ser dirigido pelo que você irá ler, ouvir e ver, e identificar uma história em meio a esse aparente caos. A produção sem roteirização pode ser a melhor alternativa para quem ainda não decidiu a história que irá contar. Contudo, saiba que, além de uma produção mais prolongada, há muitas chances de que a pós-produção também seja uma etapa desafiadora no processo de criação do seu filme.

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