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Por trás de um admirado pai, se escondia um membro do esquadrão da morte nazista

Foi depois da morte de seu admirado pai, em 1980, que seu passado veio à tona

Redação Jornal de Brasília

13/11/2020 7h14

Barbara Brix admirava o pai, um médico que lhe transmitiu o gosto pela história e pela literatura. Até que ela descobriu depois de sua morte que ele pertencia aos Einsatzgruppen, os algozes do “Holocausto por balas”.

“Conheci meu pai com seis anos de idade, quando ele voltou da guerra. Ele havia perdido as duas pernas”, conta a gentil aposentada alemã de 79 anos à AFP.

“Ele me transmitiu seu amor pela história, pela literatura; ele lia Tolstoi, Dickens para mim… Era meio que meu mentor espiritual”, relembra esta professora de História aposentada em seu pequeno apartamento em um bairro alternativo de Hamburgo.

A guerra, porém, era em sua casa um assunto tabu, do qual quase não se falava.

“Meu pai não falava sobre isso e eu nunca perguntei a ele, nem mesmo uma pergunta simples como ‘pai, onde você perdeu as pernas?'”, lamenta Brix. “O silêncio vinha de ambos os lados, dos pais, mas também de nós”, os filhos.

Durante anos, Brix acreditou que seu pai trabalhava apenas como médico, longe da Wehrmacht, o exército alemão. Foi depois da morte de seu admirado pai, em 1980, que seu passado veio à tona.

“Foi antes de eu me aposentar, em 2006”, lembra Barbara Brix, com um nó na garganta. “Um amigo historiador, que estava pesquisando sobre o nazismo nos países bálticos, me disse ‘Bárbara, você sabia que seu pai era membro dos Einsatzgruppen’?”.

“Não, eu não sabia e foi, é claro, um choque”, diz ela.

Brix conhece apenas fragmentos da trajetória de seu pai. Peter Kröger, originário da minoria alemã na Letônia, ingressou em 1933, aos 21 anos, no partido nacional-socialista, fundado pelo tio de Brix, um nazista convicto.

Depois de completar seus estudos médicos, ele entrou na Waffen-SS e em junho de 1941, quando Adolf Hitler lançou a invasão da União Soviética, deixou sua esposa grávida sozinha para se unir à “frente russa”.

Ao retornar da guerra, inválido após um grave ferimento sofrido na Normandia (França), o pai se reencontrou com sua família no oeste da Alemanha.

– “Desnazificação” –

Os Julgamentos de Nuremberg, realizados exatamente 75 anos atrás, foram a manifestação mais emblemática da ‘desnazificação’. Milhares de criminosos de guerra sentaram no banco dos réus, mas muitos outros foram deixados em paz em uma Alemanha onde a ameaça soviética de alguma forma ofuscou os crimes nazistas.

Kröger foi interrogado várias vezes na década de 1960 como testemunha, mas nunca foi acusado de nada, de acordo com Brix, que após descobrir o passado de seu pai não parou de se aprofundar em sua história.

Em pastas coloridas, organizou os documentos recolhidos ao longo dos anos sobre o Dr. Kröger: um certificado de membro da SS com o selo da águia e da suástica e um certificado de ‘desnazificação’ que lhe permitiu continuar a exercer uma atividade profissional. Em uma foto, seu pai posa vestindo um uniforme preto da SS.

Os “esquadrões da morte” nazistas, dos quais ele fazia parte, foram mobilizados na esteira das tropas alemãs que participaram da invasão do imenso território soviético.

Os quatro Einsatzgruppen ou “grupos de intervenção” eliminaram mais de 1,5 milhão de judeus, antes mesmo da construção dos campos de extermínio na Polônia.

Após os primeiros massacres realizados pelos aliados bálticos ou ucranianos sob apoio da SS, vieram as execuções a balas de homens, mulheres e crianças, enterrados em gigantescas valas. Em seguida, caminhões de gás seriam usados.

– Primeira prova –

A antiga professora de história tenta reconstituir a jornada genocida da Einsatzgruppe C e descobrir se seu próprio pai participou das atrocidades. “Ele tinha que estar ciente das perseguições, mas não podia imaginar que meu pai, um médico, pudesse ter assistido a uma execução”.

No entanto, um jornalista holandês, que investigava Reinhard Heydrich, um dos arquitetos da eliminação dos judeus na Europa, revelou um novo aspecto do passado de seu pai.

“Ele tirou um documento em inglês de sua pasta. Aí vejo o nome completo do meu pai”, conta. “Ele foi a testemunha do comandante da unidade 5 do Einsatzgruppe C, que relata a primeira grande execução em Kiev”.

“O comandante garante que tentou recusar, o que não foi possível. Pelo que ele disse, convocou o médico, meu pai, para se certificar de que tudo seria feito de forma higiênica e regular”, acrescenta.

A mulher, assustada, obteve assim as provas que confirmavam que seu pai havia assistido a pelo menos uma execução.

Hoje, Brix também sabe que seu pai estava em Kiev durante o massacre da ravina Babi Yar, onde mais de 33 mil judeus foram executados em 29 e 30 de setembro de 1941. Mas ela não conseguiu confirmar se ele esteve fisicamente presente no local do extermínio.

Uma coincidência, que faz com que este episódio sangrento se cruze com sua própria vida, é que depois do que aconteceu em Babi Yar, Peter Kröger obteve uma licença de alguns dias para ir à Alemanha encontrar sua filha, Bárbara.

Ao contrário de sua irmã e seu irmão, a ex-professora pesquisa cada vez mais sobre a Segunda Guerra Mundial e se envolve em trabalhos de recuperação da memória na Alemanha.

É uma das figuras mais reconhecidas da associação franco-alemã Memória de Quatro Vozes, que reúne descendentes de nazistas e resistentes que participam de atividades em escolas nos dois países.

© Agence France-Presse

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