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Menos afetada pelo coronavírus, África não canta vitória

Continente registra pouco mais de 70.000 casos, 1,6% do total mundial, enquanto representa 17% da população do planeta

Redação Jornal de Brasília

14/05/2020 9h55

Em 14 de fevereiro, o primeiro caso de coronavírus da África foi registrado no Egito. Longe das projeções alarmistas, três meses depois, o continente não viveu o cataclismo anunciado, embora continue a haver cautela quanto à evolução de uma pandemia que pode avançar lentamente e por um longo tempo.

O continente registra pouco mais de 70.000 casos, 1,6% do total mundial, enquanto representa 17% da população do planeta. O vírus matou cerca de 2.500 pessoas, conforme os dados oficiais disponíveis até o momento.

Outro motivo de satisfação é que a letalidade do vírus na África Subsaariana é muito menor do que na Europa, segundo estimativas.

Por que a epidemia não disparou na África?

A comunidade científica considera várias hipóteses, mas prevalecem duas explicações principais: a precocidade das medidas de distanciamento social e a juventude da população.

“As medidas de confinamento foram adotadas cedo, abrandando a curva. A maioria dos países adotou essas medidas, assim que o primeiro caso foi detectado”, ressalta Michel Yao, da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Brazzaville, questionado pela AFP.

“Na França, demoraram 52 dias para a adoção de medidas. Já havia 4.500 casos. Na Costa do Marfim, cinco dias após o primeiro caso, escolas e fronteiras foram fechadas. Uma semana depois, um toque de recolher foi decretado”, diz o dr. Jean-Marie Milleliri, virologista e especialista em saúde pública tropical em Abidjan.

Outra explicação é a juventude da população africana: cerca de 60% tem menos de 25 anos.

“A idade média é de 19 anos. Também há uma expectativa de vida menor e menos pessoas idosas. Portanto, menos casos e um vírus menos ativo”, acrescentou o especialista.

“No Ocidente, os mais afetados são os idosos”, lembra o professor Omar Sarr, professor-pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade Cheij Anta Diop, em Dacar (UCAD).

Os idosos costumam ser “portadores de comorbidades”, agravando os fatores de risco da COVID-19, observa ele.

“Além disso, a densidade populacional é menor na África, limitando a disseminação do vírus, e há menos mobilidade das populações africanas em comparação às ocidentais”, explica Yap Boum II, virologista da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Camarões.

“A maioria dos casos está concentrada nas capitais e grandes cidades, menos nas áreas rurais”, diz Michel Yao.

Imunidade africana?

Neste ponto, os cientistas também não têm certezas.

“Existe uma imunidade cruzada, devido à longa exposição a vários microrganismos e boa cobertura de vacinas, em especial a BCG, a vacina contra a tuberculose”, diz o professor Omar Sarr.

“Há um possível efeito de imunidade adquirida, devido à pressão infecciosa global. Existem muitos doentes na África, portanto, as populações são mais imunizadas do que as populações europeias para patologias como o coronavírus”, estima o dr. Milleliri.

Ele também fala de uma “competição” entre infecções. “Quando vários vírus patogênicos competem, alguns podem bloquear o desenvolvimento de outros”, explica.

Quais são os cenários para o futuro?

“A partir de agora, teremos que aprender a conviver com o vírus, adaptando nossos comportamentos individuais e coletivos”, declarou recentemente o presidente do Senegal, Macky Sall.

Muitos países africanos estão se preparando para uma pandemia duradoura. Segundo a OMS, a baixa taxa de transmissão sugere uma “epidemia mais longa, de vários anos”.

Então, o balanço poderá ser grave.

De acordo com um estudo publicado no início de maio, de “83.000 a 190.000 pessoas na África podem morrer de COVID-19, e entre 29 milhões a 44 milhões de pessoas podem ser infectadas no primeiro ano”.

Atualmente, há uma progressão preocupante de casos na África do Sul (o país mais afetado na África Subsaariana), na África Oriental e em alguns países do oeste do continente.

“Infelizmente, vimos dobrar os casos em nossa região em duas semanas. Em alguns países, o número de casos multiplicou por cinco, ou seis”, diz o dr. Boureima Hama Sambo, representante da OMS na Etiópia.

“Seremos prudentes. Esperamos que o pior tenha passado, mas ainda não estamos nesse nível”, completou.

Quais os riscos de flexibilizar o confinamento?

“Não é o coronavírus que vai nos matar, mas a fome e a miséria”, lamentou recentemente Soumaila Tiendrebeogo, comerciante de Ouagadougou, sobre as medidas draconianas que paralisaram a economia.

Diante do dramático custo econômico e social, muitos países retiraram, ou diminuíram, as restrições mais drásticas. Muito rápido?

“O desconfinamento deve ser feito de maneira prudente”, alerta Michel Yao. “Você precisa ter capacidade de testes. Precisa ter algum controle antes de iniciar o processo”, afirma.

Embora as campanhas de diagnóstico estejam aumentando, elas geralmente são modestas diante das imensas necessidades.

O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, que começou a flexibilizar gradualmente o rigoroso confinamento que impôs ao país, adotou um tom quase churchilliano na segunda-feira: “Devemos esperar um aumento de casos com o retorno ao trabalho. Devemos aceitar a realidade, nos preparar e nos adaptar”.

© Agence France-Presse

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