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Ligação de governo com rede de fake news expõe avanço sobre liberdade de expressão na Bolívia

A notícia vem a público a pouco mais de um mês do primeiro turno das eleições presidenciais, em 18 de outubro, nas quais Añez também é candidata

Redação Jornal de Brasília

04/09/2020 16h09

Sylvia Colombo
Buenos Aires, Argentina

A revelação, nesta semana, de que o governo interino da Bolívia, comandado por Jeanine Añez, havia contratado uma empresa norte-americana acusada de difundir fake news mostra mais um avanço da gestão sobre a liberdade de expressão.

A notícia vem a público a pouco mais de um mês do primeiro turno das eleições presidenciais, em 18 de outubro, nas quais Añez também é candidata.

Depois de uma investigação do FBI, o Facebook decidiu eliminar uma lista de contas vinculadas à empresa norte-americana CLS Strategies, que atuariam na distribuição de fake news por encomenda do governo interino da Bolívia, do grupo opositor comandado por Juan Guaidó na Venezuela da oposição a Andrés Manuel López Obrador, no México.

A presidente interina da Bolívia, Jeanine Añez, discursa durante dia da independência boliviana, em La Paz Presidência da Bolívia – 6.ago.2020/AFP ** Segundo Nathaniel Gleicher, chefe de política de segurança do Facebook, foram eliminadas 55 contas falsas e 42 páginas dessa rede social, além de 36 contas do Instagram.

“A atividade da CLS Strategies continua sendo uma tendência que temos visto em empresas que prestam serviços de relações públicas em todo o mundo e que fazem negócios por meio da desinformação”, afirmou.

O governo interino boliviano admitiu ter contratado essa empresa, mas afirmou que era para realização de outro serviço, o de “relações públicas” e para “o respaldo à democracia e o apoio às novas eleições”, segundo informou Añez nesta quinta-feira (3).

“A notícia dessa contratação impactou muito a opinião pública aqui na Bolívia e está aumentando o grau de insultos e da violência verbal na campanha eleitoral”, conta à reportagem Raúl Peñaranda, jornalista e analista político boliviano.

A nova eleição boliviana está marcada para ocorrer praticamente um ano depois da data original, marcada por acusações de fraude e seguida pela renúncia do então presidente Evo Morales. Duas novas datas haviam sido anunciadas –em maio e em setembro–, mas foram adiadas devido à pandemia do coronavírus.

O Facebook informou ter eliminado as contas por terem violado sua política de não intervenção em países estrangeiros. Já a CLS Strategies negou a ação, afirmando que seu trabalho havia sido pago por clientes dentro dos países, e que nenhum pagamento havia sido feito diretamente por governos ou agrupações partidárias à CLS Strategies, que tem sede em Washington (EUA).

De Buenos Aires, onde está vivendo como refugiado político, Evo afirmou que se trata de mais um capítulo da “guerra suja” que Añez move contra seu grupo político. A maioria das postagens é crítica ao ex-presidente e acusa os partidários do MAS (Movimento ao Socialismo, partido de Evo) de incentivar atos “terroristas” na Bolívia.

Em 25 de março deste ano, a presidente interina já havia publicado um polêmico decreto que impunha até dez anos de prisão a quem publicasse informações sobre o coronavírus que seu governo não considerasse correto.

A legislação estabelecia que “pessoas que incitem o incumprimento do presente decreto supremo, desinformando ou gerando incerteza na população, serão sujeitas a uma denúncia penal por meio da comissão de delitos contra a saúde pública”.

Segundo o texto, a lei valia para jornais, emissoras de TV, sites da internet, rádio e manifestações artísticas “ou qualquer outro procedimento que divulgue informações que coloquem em risco a saúde pública, gerando incerteza na população”.

Associações de imprensa locais denunciaram que o decreto violava a liberdade de expressão, por colocar nas mãos de uma comissão criada pelo governo a decisão sobre o que era correto ou não sobre as políticas sanitárias de combate contra o coronavírus. Dois jornalistas foram presos com base nesse decreto.

A APLP, principal associação de jornalistas do país, divulgou, então, um comunicado pedindo a eliminação do artigo por “estabelecer uma severa restrição, inconstitucional, contra o direito humano e fundamental à liberdade de expressão”.

Logo veio também uma pressão externa, por meio da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), que afirmou que o artigo dava margem a “processar penalmente os que critiquem políticas públicas”.

Na ocasião, José Miguel Vivanco, diretor para as Américas do organismo, afirmou que o governo interino da Bolívia estava aproveitando a pandemia “para autoconferir-se o poder de sancionar penalmente aqueles que publiquem informação que as autoridades considerem incorreta, e isso viola o direito à liberdade de expressão”.

A Alta Comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, também pediu a eliminação da norma. Em maio, devido à pressão interna e externa, Añez revogou o decreto, e os jornalistas foram liberados.

Durante o governo de Evo Morales (2016-2019), houve muita pressão sobre os meios de comunicação, por meio de intimidação de anunciantes e de empresários -e a gestão interina de Añez tem sido criticada por fazer o mesmo.

“Eles são ainda mais diretos, temos relatos de colegas sendo ameaçados por telefone, além da retirada de pauta publicitária do governo a vários meios, o que os coloca em dificuldades de subsistência”, diz o analista político Fernando Molina.

Entre outras ações, o governo interino também cortou o sinal de transmissão da Telesur, que tem linha editorial de esquerda. As emissoras de TV, nos últimos meses, têm dado bastante destaque aos bloqueios de estradas e ações violentas de grupos que integram as atividades de protesto realizadas por partidários do MAS.

As informações são da FolhaPress

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