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‘Fui tratada como uma criminosa’, diz brasileira barrada por polícia de fronteira na França

Funcionária pública tem uma união estável com um francês; ela é natural de Ouro Branco, em Minas Gerais, e conseguiu entra na França depois de uma decisão de uma juíza de instrução

Redação Jornal de Brasília

20/10/2020 10h59

A servidora pública Flaviana, de Ouro Branco (MG), organizou seus documentos durante meses para vir à França reencontrar o noivo e se casar. Os protocolos foram dificultados aos turistas devido à pandemia de coronavírus, mas, a exemplo de outros países europeus, o governo francês vem abrindo exceções para que casais com uniões estáveis não-formais possam se rever. Com todos os papéis em mão, a mineira não imaginava que, ao chegar no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, seria retida pela polícia de imigração e submetida à ameaças de deportação. As informações são da Rádio França Internacional (RFI).

Flaviana chegou a fazer o pedido do salvo-conduto (laissez-passer), documento que vem sendo emitido pelo Ministério da Europa e das Relações Exteriores da França para casais sem uniões formais. Mas vendo a data do casamento se aproximar e sem ter resposta por parte do Consulado-Geral da França no Brasil, a servidora pública se baseou nas informações que constam na página da Embaixada da França no Brasil, segundo as quais brasileiros em união estável não formalizada e sem autorização de residência na França podem entrar em território francês comprovando “convivência duradoura e pública, apresentando provas concretas dessa união”.

A brasileira apresentou provas de residência comum com o noivo, Gaetan, em Ouro Branco (MG). O emprego do francês exige a alternância de temporadas na França e no Brasil. O casal também contava com uma carta da prefeitura da cidade de Montbrison, no centro do país, comprovando a data do casamento que deveria acontecer no local.

No entanto, ao passar pela polícia de imigração no aeroporto Charles de Gaulle, no último 25 de setembro, os documentos de Flaviana não foram reconhecidos. A mineira teve sua bagagem vasculhada, todos os seus pertences recolhidos e ficou retida em uma sala durante várias horas.

Aeroporto Charles de Gaulle, na região de Paris, em imagem de arquivo — Foto: Veronique Paul/ Reuters

“Quando eu falei que estava vindo para me casar, foi pior. Eles pegaram todos os meus documentos e começaram a me questionar. Um dos agentes me disse que eu queria fazer um casamento branco [de fachada]. Eu respondi que meu noivo estava me esperando no aeroporto e que eles poderiam chamá-lo e conversar com ele, mas não quiseram”, relembra.

Depois de cinco horas isolada, uma tradutora exigida por Flaviana explicou que a jovem seria deportada para o Brasil. Desesperada, a mineira acionou no Facebook o coletivo francês Love is not tourism (Amor não é turismo), que vem tratando da questão do reencontro de casais com autoridades do Ministério da Europa e das Relações Exteriores. Um dos membros a informou que ela tinha o direito de pedir uma audiência com um juiz de instrução antes de ser enviada de volta ao Brasil. Após a requisição, a jovem foi levada para a Zapi (sigla para Zona de Espera para Pessoas em Instância).

No local, Flaviana foi informada que os motivos para ter sido barrada foi apresentar um risco de ordem pública ou de saúde à França, mesmo trazendo do Brasil o teste de PCR negativo à Covid-19, como exigem as autoridades francesas. Ela teve o celular apreendido, mas pôde efetuar um telefonema de dentro da Zapi e encontrar o noivo. Também soube que deveria esperar quatro dias para conversar com um juiz de instrução e que, durante a audiência, teria direito a um advogado e a um tradutor.

“A pior experiência da minha vida”

À RFI, Flaviana contou que lhe foi dada diversas vezes a opção de voltar para o Brasil, o que dispensou porque a data do voo de volta coincidia com a de sua audiência com o juiz de instrução. As recordações que guarda do local não são as melhores.

“O lugar é como se fosse uma prisão. Você não pode sair, as janelas são todas trancadas, tudo é protegido. Você só tem acesso aos dormitórios e ao refeitório. Mas eu podia encontrar meu noivo durante meia hora algumas vezes por dia, o que me ajudou muito”, conta.

No dia da audiência, o advogado que representou a mineira explicou à juiza de instrução que Flaviana tinha direito de vir à França e que todos os seus documentos estavam em ordem e de acordo com as exigências do Ministério francês das Relações Exteriores. O noivo, presente na audiência, também teve de responder a algumas perguntas.

“A juíza finalmente entendeu que eu não estava aqui a turismo, que eu tinha uma razão importante para vir, meu casamento. Ela me liberou e me entregou alguns papéis para eu encaminhar ao Consulado-Geral da França no Brasil, indicando que eu não tinha nenhum impedimento”, reitera.

Agora, na casa do noivo em Montbrison, Flaviana está focada nos preparativos do casamento, mas segue assustada com o tratamento que recebeu. “Percebi que as informações aqui não são claras. Tive a impressão que as autoridades não conhecem bem as regras, que eles não sabem direito o que devem fazer”, desabafa.

Segundo ela, dentro da própria Zapi os funcionários não compreendiam porque ela havia sido barrada. Flaviana também afirma que não teve o apoio de nenhuma autoridade brasileira. O noivo chegou a contatar o Consulado-Geral do Brasil na França, mas não obteve resposta.

“Nunca imaginei que pudesse passar por isso. Eu não estava mentindo, mas eles me trataram como se eu estivesse infringindo a lei, como uma criminosa”, resume.

Flaviana e Gaetan não têm planos de viver na França, por enquanto. Depois do casamento, o francês pretende pedir a sua empresa uma transferência para trabalhar permanentemente no Brasil. Já a mineira diz que só pretende voltar à França quando os documentos de união formal estiverem prontos.

“Não quero passar duas vezes por isso. Foi a pior experiência da minha vida”, conclui.

Desencontro de informações

O caso de Flaviana não foi o único. No mesmo dia em que a mineira foi retida, a primeira brasileira a receber o salvo-conduto para vir à França reencontrar o namorado foi barrada no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. Segundo informações compartilhadas por membros do coletivo Love is not tourism na França, o documento não foi imediatamente reconhecido pelas autoridades. A brasileira pôde entrar na França após cinco horas de interrogatório e verificações em uma sala da polícia de fronteiras. Contatada pela RFI, a jovem preferiu não fazer comentários.

O Consulado-Geral da França no Brasil disse à RFI que o assunto compete ao Ministério das Relações Exteriores da França. A equipe do secretário francês de Estado Jean-Baptiste Lemoyne, responsável pelo dossiê Love is not tourism, declarou não estar a par de nenhum dos casos e respondeu que todas as pessoas em possessão de salvo-conduto têm direito de entrada na França. Sem esclarecer os incidentes, uma responsável do gabinete declarou que “certamente, pode ter ocorrido um desencontro de informações” na polícia de fronteiras.

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