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Entrevista exclusiva:“quem não ouvir saúde, pagará preço alto”

Ao JBr, Dennis Carroll, o homem que previu a possibilidade de uma pandemia, alerta para riscos graves de ignorar a doença e considerá-la “mera gripezinha”

Vanessa Lippelt

01/04/2020 5h50

“Qualquer país que não ouvir logo sua liderança em saúde pública pagará um preço muito alto, tanto em termos de impacto na vida humana, mas também num desastroso impacto econômico”, crava Dennis Carroll, cientista que em 2009 criou na Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) o programa Predict, cujo objetivo era o de investigar vírus que existem em animais e que um dia poderão ser transmitidos ao homem, sobre a pandemia do novo coronavírus.

Em entrevista exclusiva ao Jornal de Brasília, diretamente de Washington, o pesquisador que previu a pandemia que assola o planeta, e que pode ser visto no documentário Pandemia, exibido pelo serviço de streaming Netflix, fala sobre o impacto do aumento da população, e da sua ocupação em áreas de vida selvagem, no surgimento de novos vírus e novas epidemias e como governos têm errado na condução de políticas de contenção da transmissão do coronavírus.

O senhor previu em dezembro uma nova pandemia a caminho. Há sinais desses surgimentos? A ciência poderia ter previsto?

Bem, anteriormente eu diria que essa pandemia já era previsível. Não especificamente este coronavírus individual. Mas nós, nos últimos 20 anos, conseguimos entender melhor quais são os condutores, os fatores subjacentes que fazem o vírus circular na natureza e fazem com que eles se espalhem, passando das populações de animais selvagens para a população humana.

O que vimos no último meio século foi um aumento constante na frequência de doenças anteriormente limitadas aos vírus da vida selvagem transbordando para as pessoas. Não é de surpreender, porque a maior força subjacente que está por aí, conduzindo o vírus até as pessoas, é o aumento da população. À medida que nossa população aumenta, aumenta a nossa ocupação neste planeta e isso significa que estamos construindo mais e mais assentamentos que estão invadindo as áreas de vida selvagem. Há cem anos, no auge da pandemia de 1918-1919, havia seis bilhões de pessoas a menos no mundo e como espécie homo sapiens levamos 300 mil anos para atingir a marca de 1 bilhão. Mas no espaço de um século adicionamos 6 bilhões de pessoas a este planeta e, antes que esse século acabe, vamos adicionar outros 4 bilhões.

Então era uma questão de quando (surgiria uma nova pandemia)?

É uma questão do quando se tornar mais frequente. Portanto, não é apenas quando, mas com que frequência vamos ver esses eventos e, deixe-me acrescentar, não se trata apenas de vírus pandêmicos. Também são vírus de epidemia, vírus que não têm a capacidade de se espalhar internacionalmente, mas que são muito transmissíveis. Como o Ebola, que não viajam tão bem, são muito localizados. Somos uma população global agora, e o fato de eu estar sentado aqui conversando com você no Brasil ressalta o quão pequeno o mundo se tornou.

Como você teve a impressão de que um novo vírus viria da China, como você disse ao seu amigo Peter no documentário?

É quando você olha para os fatores subjacentes e se pergunta onde esses condutores estão mais dinâmicos. A China é um dos pontos quentes do planeta, onde a população cresceu extraordinariamente no último século . Mas nós também temos visto há pelo menos 30 anos um dramático aumento da riqueza econômica em nível doméstico na China, e um tremendo aumento de consumo de proteína animal, que levou a um crescimento descontrolado e uma não controlada produção de gado e consumo de animais silvestres. Uma das consequências desse aumento não regulado foi o surgimento de onde animais domésticos, como galinhas e porcos, são misturados com animais de vida selvagem, como gatos de civet. Isso torna muito previsível que um dos principais focos para a disseminação de vida selvagem seja a China.

Devido à sua alegada baixa letalidade, você acredita que o novo coronavírus foi subestimado inicialmente?

Sabíamos no início de janeiro que o novo coronavírus estava se transmitindo de humano para humano. Em dezembro, quando os relatórios iniciais identificaram apenas casos associados ao mercado animal, suspeitava-se de um surto. Mas, no começo de janeiro estávamos vendo uma transmissão eficiente de humano para humano e, no final de janeiro, a OMS declarou emergência em saúde pública. Claramente, nas primeiras semanas de 2020 tínhamos todas as razões para acreditar que o que estávamos vendo era o começo de um evento global que requeria ação global.  Eu não penso pela perspectiva da saúde pública que houve uma subestimação, mas acho que a capacidade de traduzir os insights e entendimentos falharam. Nós vimos fora da China muito pouca consideração com esse vírus em particular. É seguro dizer que existem líderes políticos aqui na América do Norte, e também alguns da América do Sul, que continuam a desprezar o coronavírus.

O Brasil tem 209 milhões de habitantes. Hoje, temos 5517 casos de covid-19 — e 201 mortes. E um presidente que minimiza o problema.

Bem, acho que tudo que você precisa fazer é olhar para os Estados Unidos como um exemplo de resposta tardia. E por não agir como base nessas informações estamos vendo as consequências hoje, um vírus que está amplamente sem controle. E isso não está só custando vidas, nós vemos as implicações econômicas. Empresas fechando pelos Estados Unidos, nesse momento. O governo emitindo recursos de trilhões de dólares. Se tivéssemos gastado centenas de milhões ou mesmo alguns bilhões de dólares para colocar em prática o preparo deste país para a ação, o custo projetado hoje não seria uma realidade. Não investimos e como resultado agora estamos gastando muito dinheiro. Portanto, qualquer país que não ouve logo sua liderança em saúde pública pagará um preço muito alto, tanto em termos de impacto na vida humana, mas também um impacto desastroso na economia. Os Estados Unidos da América é o garoto-propaganda do fracasso nesse aspecto.

Mesmo sabendo dos riscos de novos vírus, qual a razão para governos não manterem uma política de prevenção e pesquisa permanente?

Essa é realmente uma excelente pergunta. É impressionante quando você pensa sobre essa série de eventos que ocorreram desde 2002, como a Sars, a gripe aviária H5N1, de 2005/2006, a pandemia de gripe em 2009, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio ou Mers, em 2012, o Ebola em 2014, a Zyka em 2015/2016. Observamos um padrão de doenças emergentes e, no meio do surto, vemos uma enxurrada de atividades com enormes recursos que são liberadas para responder a esse problema. Mas assim que o problema desaparece, todo mundo se vira, se afasta e esquece tudo o que aconteceu. É importante lembrar que no meio de todas as ações reativas que estão ocorrendo, há sempre a promessa do que podemos aprender com essa experiência e nunca mais cometer os erros do passado.

O primeiro princípio da comunidade internacional deve ser tomar medidas para passar de uma abordagem reativa para doenças virais emergentes para uma proativa. Todo futuro viral é emergente.

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