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Entenda como o brexit vai afetar os negócios

Boris disse aos parlamentares que seu governo havia realizado “algo que o povo britânico sempre soube que poderia ser feito, mas que continuamente nos diziam que era impossível; ter nosso bolo e comê-lo”

Redação Jornal de Brasília

01/01/2021 10h21

Brexit, deal or no deal concept. United Kingdom and European Union flags on dice, black background. 3d illustration

O divórcio entre Reino Unido e União Europeia, consumado nesta sexta (1º), mostra que na prática não é possível cumprir a promessa de “ficar com o bolo e comê-lo” feita pelo premiê do Reino Unido, Boris Johnson, em seu discurso nesta quarta (30).

Boris disse aos parlamentares que seu governo havia realizado “algo que o povo britânico sempre soube que poderia ser feito, mas que continuamente nos diziam que era impossível; ter nosso bolo e comê-lo”. Mas, se de fato o Reino Unido evitou a catástrofe econômica de um brexit sem acordo, ficou longe de manter o bolo intacto.

“Futuros historiadores perguntarão por que o governo britânico deu tão pouca atenção à economia durante a negociação”, escreveu Charles Grant, diretor do Centro para Reforma da Europa, em artigo com dez reflexões sobre o divórcio.

A resposta curta, diz ele, é que o governo de Boris priorizou a soberania e para isso esticou a corda do brexit muito além do que havia feito a ex-primeira-ministra Theresa May –que tentava preservar alguns benefícios da união aduaneira e do mercado único.

O próprio Boris reforça essa visão. “O que queríamos não era uma ruptura, mas uma da velha, cansada e incômoda questão das relações políticas com a Europa”, disse ele aos representantes.

Nesse espírito, questões sobre a pesca, que representa só 0,04% para o PIB do Reino Unido, foram mais relevantes que as da importante indústria automobilística e as do predominante setor de serviços, responsável por 80% da economia e 40% das exportações britânicas.

Nas finanças, área em que os britânicos têm grandes vantagens competitivas, as duas partes ainda tentarão chegar a um acordo nos próximos meses, numa negociação que envolve bem mais que migalhas.

A separação definitiva entre Reino Unido e União Europeia, iniciada às 20h (horário do Brasil) desta quinta (31), afeta viagens, trabalho, estudo, investimentos, comércio e muito mais. Veja abaixo alguns dos impactos nos negócios (e, aqui, os efeitos sobre cidadãos).
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Brasileiros serão afetados?

Serão se tiverem negócios que exigem a circulação de bens, serviços ou funcionários entre o Reino Unido e a União Europeia.

O brexit também altera regras para profissionais brasileiros com dupla cidadania no Reino Unido ou na UE.

Exportadores brasileiros podem ter alguma vantagem se os custos aduaneiros ou outras dificuldades no comércio entre os ex-parceiros tornarem seus produtos mais vantajosos (por exemplo, se trazer frango da Polônia ficasse mais caro que recebê-lo do Brasil). Mas o acordo de livre comércio, ao eliminar tarifas e cotas entre Reino Unido e União Europeia, deve reduzir bastante esses casos.

Como o divórcio afeta empresas?

A partir de 1º de janeiro de 2021, o Reino Unido deixou o mercado único e a união aduaneira da UE. Por isso, todas as importações entre os ex-parceiros estarão sujeitas a verificações e controles regulamentares de segurança, saúde e outros fins de política pública dos dois lados.

Haverá algumas restrições específicas (por exemplo, salsichas e hambúrgueres crus não podem entrar na UE a menos que sejam congeladas a -18ºC).
Esss barreiras de regulamentação e aduana elevam custo e o tempo de transporte e vão exigir que as empresas ajustem suas cadeias de abastecimento integradas.

As empresas britânicas também deixam de participar de acordos internacionais da UE (incluindo os seus acordos de comércio livre com países ou blocos terceiros, como com o Mercosul).

Há regras especiais para o comércio de mercadorias entre a UE e a Irlanda do Norte.

Os exportadores terão que pagar tarifas?

Não. O acordo de livre comércio assinado entre as duas partes eliminou impostos sobre mercadorias (tarifas) e limites sobre a quantidade que pode ser negociada (cotas).

Por que o acordo de livre comércio é importante?

Sem este acordo, produtos como carne, leite, frango, cereais e açúcar, além de outros alimentos processados, poderiam ter enfrentado tarifas de cerca de 50% ou mais, sob as regras da Organização Mundial do Comércio. Carros seriam atingidos por tarifas de 10%, e têxteis e calçados estariam sujeitos a picos tarifários de 12% e 17%, respectivamente.

O acordo também tenta reduzir custos burocráticos ao estabelecer padrões de produtos domésticos e regulamentos técnicos baseados nas mesmas referências internacionais e, portanto, compatíveis, principalmente em itens como carros, remédios, químicos, vinhos, objetos culturais e produtos orgânicos.

Como o brexit afeta empresas prestadoras de serviço?

Fornecedores de serviços perderão o direito automático de oferecê-los nos antigos parceiros e podem ser obrigados a se estabelecer na UE ou no Reino Unido para continuar a operar.

Os britânicos também deixam de se beneficiar da regra europeia pela qual autorizações emitidas por um Estado-membro permite o acesso em todo o mercado único da UE.

O nível real de acesso ao mercado dependerá da forma como o serviço é prestado: 1) pela internet, a partir do país de origem, 2) a um turista que viaja a seu país; 3) por uma empresa local de proprietário estrangeiro ou 4) pela presença temporária de um prestador estrangeiro.

Como ficam os serviços financeiros?

Para analistas, haverá grande segmentação e complexidade. Empresas com sede no Reino Unido que queiram atender clientes na UE deverão abrir escritório no país europeu em questão, com acesso a mercado e regulamentação que variam de país para país.

O acordo obriga ambas as partes a manter os seus mercados abertos aos operadores da outra parte que pretendam se estabelecer para fornecer serviços, desde que sigam os padrões internacionais.

As partes ainda tentam chegar a um acordo, até março de 2021, sobre uma estrutura para cooperação regulatória em serviços financeiros.

Clientes de bancos serão afetados?

Bancos do Reino Unido não terão mais permissão para fornecer serviços a clientes na UE sem licenças bancárias específicas. Alguns deles decidiram deixar de operar nos países europeus.

Viagens profissionais ficarão mais difíceis?

Nacionais do Reino Unido que queiram ficar mais de 90 dias num membro da UE para qualquer finalidade (estudo, pesquisa, trabalho) devem seguir as regras da UE para nacionais de países terceiros, e vice-versa.

O acordo facilita a transferência temporária de funcionários por um período máximo de três anos. Também facilita a movimentação de “profissionais independentes” para fornecer serviços, e visitantes de negócios que não prestam serviços também terão permissão para ingressar por um período curto.

Quem se formou no Reino Unido poderá atuar na UE e vice-versa?

O reconhecimento simplificado (ou automático) de qualificação deixa de existir. Médicos, enfermeiras, dentistas, farmacêuticos, veterinários, advogados, arquitetos e engenheiros, que antes podiam atuar em todo o bloco, precisarão ter suas qualificações reconhecidas pelas regras de cada Estado-membro.

Como ficam os direitos trabalhistas?

As duas partes se comprometeram a manter o chamado patamar mínimo de regulação (“level playing field”), que inclui manter os atuais padrões trabalhistas e sociais, além de regras ambientais e de segurança alimentar e de desenvolvimento sustentável em geral.

O Reino Unido ainda estará sujeito às metas e políticas climáticas da UE?
Não, mas no acordo ambas as partes concordam que violações ao Acordo de Paris de 2015 dão o direito de rescindir ou suspender a totalidade ou partes do contrato. UE e Reino Unido também reafirmam a meta de zerar as emissões líquidas de gás carbônico de sua economia até 2050.

O que foi acertado em relação aos subsídios?

Nenhuma das partes pode usar subsídios que distorçam o comércio e desviem investimentos. Subsídios são permitidos em alguns casos: 1) objetivo bem definido de interesse público (por exemplo, a transição verde), 2) combate a uma falha de mercado (por exemplo, garantindo serviços de ônibus escolar para vilas remotas), 3) ausência de outra ferramenta que leve ao mesmo efeito, 4) equilíbrio em relação aos efeitos negativos no comércio entre a UE e o Reino Unido.

Também há casos específicos que envolvem setores-chave (por exemplo, transporte aéreo, energia, serviços financeiros) ou tipos de auxílio, como resgate e reestruturação de empresas em dificuldades, subsídios à exportação, serviços de interesse econômico público e projetos fronteiriços.

Como ficou a questão da pesca?

Embora represente uma parcela pequena da economia dos ex-parceiros, esse foi um dos temas de negociação mais difícil, e um compromisso só foi obtido nos dias finais. Foi acordada uma transição até junho de 2026 para adotar novas cotas de pesca, período no qual a UE manterá acesso às águas do Reino Unido. Os europeus concordaram em reduzir em 25% parcela de peixes capturados por seus navios em território britânico (o Reino Unido queria corte de 60%).

Após o período de transição, haverá negociações anuais sobre o acesso e limite de pesca de cada parte nas águas uma da outra.

Folha Press

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