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Mundo

Chovem helicópteros sobre Santiago

Santiago e algumas cidades da região metropolitana ficaram entregues aos “lúpens” como se referem aqui aos vândalos

Redação Jornal de Brasília

21/10/2019 17h52

Isabela Vargas

Me pediram um relato sobre a situação atual em Santiago do Chile, então, aqui vai. Meu marido veio trazer pão dormido hoje de manhã que ele conseguiu comprar perto do local de trabalho dele, localizado na área nobre da cidade. Ele é fotógrafo do El Mercurio, o principal jornal do Chile. Eu sou jornalista e trabalho numa agência de marketing digital em Santiago.

Hoje me liberaram para trabalhar em casa, de forma remota, porque era o primeiro dia útil depois do Estado de Emergência declarado pelo governo na última sexta-feira, 18 de outubro. Moro em Santiago Centro, desde 2012, e o principal problema que tenho vivenciado nesses dias é o desabastecimento provocado pelo fechamento do comércio em geral (supermercados, farmácias, etc).

Somente os pequenos estabelecimentos, como armazéns, abrem as portas e para comprar é preciso paciência por causa das filas. As grandes redes fecharam as portas depois que o governo colocou o exército nas ruas e decretou toque de recolher à noite. Santiago e algumas cidades da região metropolitana ficaram entregues aos “lúpens” como se referem aqui aos vândalos.

Há diversos vídeos e fotos circulando em redes sociais mostrando que os próprios carabineros – usando uma antiga prática da ditadura chilena – estão provocando muitos desses ataques. Além disso, assim que o governo colocou o exército nas ruas, nem sequer cogitou a possibilidade de proteger o metrô. Resultado: várias linhas foram depredadas em resposta à repressão.

Por isso, hoje, das seis linhas do metrô de Santiago, apenas a linha 1 funcionou com várias estações fechadas. O transporte de ônibus foi retomado, mas sempre com o risco de que possa ser interrompido a qualquer momento frente aos distúrbios, já que vários ônibus foram queimados nesses dias.

A cada instante, helicópteros sobrevoam o Centro. À noite, além deles, escuto gritos e panelaços. As escolas não estão funcionando e, apesar de algumas empresas tentarem respaldar a normalidade que o governo tanto quer retomar, a situação está longe de estabilizar-se. Nos postos de gasolina e caixas eletrônicos, formam-se filas e filas.

Durante a noite, o Centro é tomado por incêndios e barricadas, além dos saques. Ontem, o governo divulgou o primeiro balanço oficial onde foram contabilizadas onze pessoas mortas.

Tenho muito medo, principalmente, pela minha filha. Meu marido está trabalhando desde sexta-feira sem parar na cobertura dos acontecimentos e eu fico sozinha com ela. Como não tenho família aqui, temos que fazer tudo juntas e é sempre uma preocupação.

A pior coisa que o presidente Sebastián Piñera poderia ter feito era colocar o exército nas ruas. Essa medida certamente teve como objetivo amedrontar as pessoas que viveram a ditadura militar do Pinochet aqui. Acontece que os jovens não passaram por isso e eles continuam nas ruas. Nesse momento, há uma manifestação espontânea em Plaza Italia, local de grande concentração no centro de Santiago.

Não vejo televisão para não ficar ainda mais nervosa. Me informo pelas redes sociais e pelo jornal que traz as notícias do dia seguinte com análises. O mais difícil tem sido a angústia da incerteza sobre o nosso futuro. Mais do que não saber se teremos ou não itens básicos para comprar amanhã ou depois, como o pão dormido, é a incerteza de não saber se teremos nossas vidas de volta em algum momento o que nos consome.

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