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Mundo

A onda que deu a Biden a Geórgia e o Capitólio

Estrategistas locais e organizadores comunitários são, na visão de analistas, os responsáveis pelo comparecimento recorde para votação e pela vitória dos democratas

Redação Jornal de Brasília

11/01/2021 13h07

Biden

Um carro de som com um DJ tocando sucessos de hip hop e reggaeton (ritmo latino). Um quiosque oferecendo ponche (bebida quente à base de frutas e canela) e tamales mexicanos (espécie de pamonha) grátis aos eleitores nos locais de votação na terça-feira, na Geórgia. As iniciativas do grupo Perreo 404, uma organização jovem latina, foram algumas das centenas que ajudaram a impulsionar o histórico resultado do Partido Democrata no Estado – em que Donald Trump já havia sido derrotado na eleição presidencial -, ao garantir a tomada de dois assentos no Senado dos EUA que pertenciam aos republicanos. Paradoxalmente, o resultado dessa vitória no reduto republicano foi conhecida na quarta-feira, justamente enquanto uma horda insuflada por Trump invadia o Parlamento.

Várias táticas foram usadas para motivar o eleitorado latino e negro a comparecer às urnas no segundo turno das eleições do Estado, que acabaram garantindo a vitória dos dois representantes democratas: o reverendo Raphael Warnock, primeiro negro da Geórgia no Senado, e Jon Ossoff, que derrotaram os republicanos Kelly Loeffler e David Perdue. Com eles, os democratas passam a ter 50 cadeiras (contando 2 independentes) e os republicanos controlarão também 50 assentos. O voto decisivo em caso de empate cabe à vice, Kamala Harris.

O resultado foi histórico, por ter firmado a liderança do Partido Democrata em um dos Estados mais conservadores do país, com histórico alinhamento aos republicanos. Desde 1992 os democratas não ganhavam a eleição presidencial ali. Foi a primeira vez que dois candidatos democratas ao Senado ganharam no Estado no segundo turno.

Estrategistas locais e organizadores comunitários são, na visão de analistas, os responsáveis pelo comparecimento recorde para votação e pela vitória dos democratas.

“A estratégia da gente é falar direto com os jovens latinos e gerar essa vontade de votar”, comenta Juan Perez, um dos líderes do grupo Perreo 404, uma organização formada por jovens de origem latina que mantêm o anonimato e atua há três anos realizando eventos, festas e encontros com música, arte e política.

Aos 31 anos, Juan é cidadão dos EUA, de origem mexicana. Ele diz que não se interessava por política há alguns anos. “A vitória de Trump me impactou muito, porque tudo o que ele dizia, feria diretamente a minha comunidade”, explica. Foi quando ele começou a prestar atenção na política e no Partido Democrata.

“Acabei vendo que existiam iniciativas das bases do partido voltadas aos latinos, mas as iniciativas não eram feitas por gente latina.” Com amigos jovens, eles criaram o Perreo 404, conseguiram uma sede para a organização e apostaram em eventos e arte. Segundo Juan, trabalharam bastante nas eleições de 2018. “Íamos às festas e clubes noturnos e abordávamos o público incentivando e orientando as pessoas a irem votar.”

Na mesma linha, está Jorge Bello, de 35 anos, do Latinx Caucus-Dem Party, grupo mantido em parte com verbas do Partido Democrata. A primeira vez que ele votou foi em 2016. “Eu nunca quis votar, até ver o discurso de Bernie Sanders”, diz, ao explicar como o senador democrata de Vermont influenciou sua virada de pensamento. “A partir daí e também com a chegada de Trump ao poder, entendi que era preciso se tornar um ator de mobilização”, conta. “Em vez de ficar dizendo que política não interessa, descobri que votar é a maneira de se fazer ouvir”.

O Perreo 404 e o Latinx são dois exemplos de pequenas comunidades que usaram as mídias sociais, o trabalho local e o ativismo político para falar diretamente ao público jovem. A vitória democrata nas eleições do segundo turno para o Senado, na Geórgia, foi resultado de um amplo trabalho que uniu as comunidades latina, negra e uma parcela de imigrantes asiáticos na região.

Nas eleições majoritárias de novembro, mais de 1 milhão de afro-americanos votaram na Geórgia. E desde o resultado das eleições presidenciais, as bases democratas trabalharam para levar novamente estes eleitores às urnas. Historicamente, o comparecimento nas eleições de segundo turno é baixo, sobretudo entre as comunidades negras. A estratégia para mudar o cenário foi o trabalho de formiguinha. As campanhas democratas, a base estadual do partido e um número incontável de pequenos grupos como o Perreo 404 e o Latinx bateram em milhares de portas e fizeram milhões de telefonemas antes da eleição presidencial. Depois, voltaram a fazer isso no segundo turno da campanha ao Senado.

Funcionou

O comparecimento foi histórico. Mais de 4,4 milhões de pessoas votaram na eleição de terça-feira – mais do que o dobro do número de eleitores que votaram no segundo turno do Senado da Geórgia em 2008, que era até então o de maior taxa de comparecimento na história do Estado. A participação eleitoral em centros urbanos, que tendem a votar em democratas, aumentou 6%. E a participação entre os eleitores negros também aumentou: foi de 32% do eleitorado do segundo turno na Geórgia, ante 29% em novembro. Houve participação eleitoral mais intensa em condados onde uma parcela maior da população é negra.

Além disso, dados indicam que a participação eleitoral republicana em condados rurais, que costumam votar no partido, caiu cerca de 5% em relação à eleição de novembro. Analistas afirmam que as acusações de fraude eleitoral promovidas por Trump podem ter impedido um comparecimento maior de republicanos

Origem

A grande impulsionadora do projeto que levou à revolução eleitoral na Geórgia foi a democrata Stacey Abrams. Ex-líder da minoria da Câmara do Estado, ela passou uma década construindo uma infraestrutura política para semear o voto democrata. “Stacey Abrams foi a pioneira na construção de uma mobilização social na Geórgia, e trabalhou com vários grupos para valorizar a importância das pessoas comuns e a aproximação com o eleitor, fugindo da ideia de liderança partidária”, diz o sociólogo e historiador americano Geoffrey Kabaservice. “Ela construiu um arco-íris de apoiadores para fazer uma coalizão que revolucionou o Estado, trabalhando diretamente com os eleitores.”

Seu primeiro projeto foi em 2011, com o New Georgia Project (Novo Projeto Geórgia) e depois com a Fair Fight (Luta Justa), a organização de direitos de voto que ela fundou após perder a campanha para governador em 2018. Ao fundar o grupo, Abrams disse: “Não vou dizer que a Geórgia agora é azul, mas é mais azul do que Iowa ou Ohio, Estados onde os democratas investem muito dinheiro apenas para vê-los ficar mais vermelhos a cada ano. A Geórgia ficará ainda mais azul.”

Um dos grupos que seguiram essa lógica foi o Black Voters Matter A cofundadora da organização, LaTosha Brown, considera que o ano difícil, marcado mortes violentas pela polícia, a pandemia do coronavírus e o comportamento do presidente Donald Trump em relação aos negros, acabou por aumentar na comunidade o desejo de mudança. “Os eleitores negros saíram em número recorde apesar de tudo isso, uma manifestação de vanguarda da democracia, abrindo uma nova paisagem política não só para Geórgia, mas para o país todo”, afirmou.

Iniciativas como a de Abrams trabalham juntamente com líderes locais em diferentes regiões de Atlanta, sobretudo entre eleitores negros, latinos e asiáticos, e também entre mulheres destes grupos. Além de eventos, foram criados aplicativos para smartphones para manter mobilizados os eleitores, sobretudo aqueles entre 18 e 35 anos.

Aliada às iniciativas com imigrantes, também houve uma ação direcionada ao eleitorado negro do Estado, tradicionalmente com alta taxa de abstenção em eleições anteriores. Neste ponto, igrejas, associações de bairro, ONGs direcionadas para mulheres, tiveram uma ação importante.

O consultor de Software Jourdan Hamilton, de35 anos, considera que o resultado na Geórgia foi importante não só pela virada democrata, mas também pela própria eleição do reverendo Warnock. “Se você olhar, vai ver que o Warnock é o primeiro senador negro eleito em um Estado do Sul, desde a reconstrução após a Guerra Civil do país”, diz.

Nascido nos EUA, Jourdan faz parte da primeira geração da família de origem jamaicana, nascida no país. Ele comemora o resultado das eleições. “Eu acredito que nossa comunidade negra está altamente motivada, e orgulhosa deste momento”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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