Eric Zambon
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O revezamento da tocha olímpica no DF teve o “jeitinho brasileiro”. Houve atrasos na programação, bagunça durante as solenidades e confusão entre policiais e manifestantes contra o impeachment da presidente Dilma Roussef. As personalidades escolhidas para carregar o símbolo dos Jogos representaram seu papel com sorrisos e acenos, mas houve quem lamentasse o esquecimento do verdadeiro espírito olímpico.
Nas mais de 12 horas de passagem da chama por Brasília, houve um misto de tudo o que se vive no país sede dos Jogos Olímpicos 2016. A alegria pôde ser vista a no rosto do público e a cada passo do condutor da tocha.
Fabiana Claudino, que abriu o revezamento, relatou no Twitter seu sentimento: “Sou negra, mulher, brasileira e atleta. É a emoção de representar o povo brasileiro na chegada da chama olímpica”.
Esse foi, basicamente, o sentimento de todos os atletas e não atletas que tiveram a oportunidade de erguer o objeto símbolo dos Jogos.
Mas nem só de contentes foi feito o desfile da chama. O viés comercial da Olimpíada incomodou até quem participou do revezament. O paramaratonista brasiliense Adauto Belli, de 45 anos, foi a 30ª pessoa a carregar a flama. Ele criticou as Olimpíadas e Paralimpíadas como eventos excludentes.
“São eventos de alta performance, não servem para integração. Só entra quem compete em certo nível”, aponta. “Em 2004, eu me lembro do Vanderlei (Cordeiro de Lima, maratonista que liderava a prova) e do irlandês que o atacou, mas nem lembro quem venceu”, cita, dizendo que ganhar medalhas não é importante.
A tensão política também esteve fortemente representada. Ainda no Palácio do Plantalto, sem citar diretamente o processo de impeachment, a presidente Dilma Rousseff aproveitou para fazer “uma defesa da democracia” e pedir “a união do País”. Ela reconheceu que o momento político “é verdadeiramente crítico”.
Tocha da alegria
A mensagem animada do piloto do avião que trouxe a chama olímpica da Suíça para o Brasil precedeu um dia alegre aos brasilienses de todos os cantos. No coração de Brasília, milhares foram à rua ver de perto o símbolo. Portando bandeirinhas e vestindo camisa com as cores do Brasil, eles saudaram os atletas e anônimos que tiveram a honra de carregar o objeto. Mas não foi apenas o Plano Piloto que pôde contemplar a tocha. Ela seguiu pelo SIA até chegar a Taguatinga. Lá, ela foi recebida por uma multidão. No Riacho Fundo I, a festa também foi grande, com centenas de pessoas de olho na chama. Um dos pontos mais altos ocorreu na Igrejinha, na Asa Sul. Antes de a tocha chegar ao local, por volta das 21h, a festa já era enorme e seguiu desta forma até o retorno à Esplanada dos Ministérios, onde Daniela Mercury encerrou com show.
Tocha dos excluídos
A contagem de medalhas nunca foi o mais importante dos Jogos Olímpicos. As histórias inusitadas e a experiência proporcionada pela união de atletas e público de todas as nações são os motes idealizados pelo Barão de Coubertin, que reinventou a competição em 1894. O piauiense Renato Campinho, de 44 anos, diz já ter percorrido todo o Brasil e vários lugares do mundo com sua bicicleta. “Fui a primeira pessoa a rodar esse Brasil correndo. Nunca me convidaram para carregar a tocha”, se ressente Campinho, que diz percorrer o mundo desde o início dos anos 1990. “As Olimpíadas começaram com algo de mais união. Virou muita política, dinheiro. Estão estragando o símbolo e a imagem do esporte”, esbraveja. Ele e outros personagens presentes no revezamento lamentaram o caráter de “exclusão” do evento.
Tocha das estrelas
A primeira pessoa a receber a tocha das mãos da presidenta Dilma foi a campeã olímpica em Pequim e Londres, Fabiana Claudino. Ao Ministério do Esporte, na segunda-feira, ela frisou a importância de ser uma mulher negra a receber o símbolo olímpico primeiro. “Mostra como temos evoluído em relação ao machismo e ao racismo que, infelizmente, são situações que ainda existem”, ressaltou. Ontem, reforçou. “Foi uma emoção muito grande.” Fabiana puxou a fila, mas não foi a única estrela do dia. Gabriel Medina, campeão mundial de surfe, Lúcio, campeão com a seleção de futebol, Vanderlei Cordeiro de Lima, medalha de bronze nos Jogos de Antenas-2004, Joaquim Cruz, campeão olímpico dos 800m em Los Angeles 1984, que chegou a chorar ao conduzir a tocha em sua cidade natal, Taguatinga, entre outros nomes históricos do País.
Tocha do protesto

Apesar da tentativa de não ser ligado a um viés político, o revezamento da tocha foi marcado, desde o início, por manifestações contra e pró-impeachment da presidente Dilma Roussef. Esse contexto fez com que milhares de pessoas comparecessem à Esplanada dos Ministérios e cercassem o cordão de isolamento da tocha. Para o casal Guilherme Campos, estudante de 26 anos, e Larissa Marques, também estudante, de 22 anos, a manifestação foi fora de hora. “Entendemos a tensão do momento, mas o pessoal tem que ser mais patriota”, defendeu Marques. Durante a volta à Esplanada, policiais militares tiveram de reagir a tentativas de invasão do espaço para a tocha – uma delas foi consumada – e houve bate-boca e agressão entre autoridades e manifestantes. Apesar disso, não houve ocorrências graves registradas.