O principal programa no domingo dos habitantes e visitantes da pequena cidade de Villa Carlos Paz, na Argentina, foi visitar o parque local. Não para praticar esportes ou assistir a uma partida do clube de rúgbi, mas acompanhar pelas grades um dia na rotina dos participantes do Rali Dakar, que usaram as instalações como acampamento.
A ampla área é localizada às margens do lago San Roque, com espaços para a prática de diversos esportes. Neste domingo, no entanto, as quadras de basquete serviram para a montagem de barracas, os gramados foram tomados por caminhões, motos, carros e quadriciclos, e traves de campos de futebol viraram varal.
“Aqui ainda está maravilhoso, tem um gramado, o clima está sossegado. Daqui a pouco a gente começa a pegar regiões superquentes, em que voa areia no olho e todo o mundo precisa trabalhar de óculos. E toda peça que você desmonta precisa tomar cuidado redobrado para não entrar nada”, explica o brasileiro Guilherme Spinelli, piloto da categoria carros.
O que os moradores de Villa Carlos Paz tentavam acompanhar pelas grades do clube é uma pequena cidade itinerante. É no acampamento que pilotos e funcionários das equipes descansam e trabalham ao fim de cada dia de disputa do maior rali do mundo. E como em toda sociedade, há ricos e pobres.
Os times com maior investimento contam com grandes equipes de apoio, que viajam em caminhões e montam oficinas nos acampamentos. Nas de menor, o reparo dos veículos muitas vezes ocorre a poucos centímetros das barracas que horas mais tarde abrigarão pilotos e mecânicos.
O que une praticamente todos os participantes do rali é a área de higiene e alimentação, compartilhada pela maioria. Banheiro, apenas químico. Chuveiro, frio, em um galpão. Escapam de algumas dessas situações os pilotos que contam com motorhomes, onde geralmente há camas e banheiros particulares. As refeições ocorrem em outra área coberta, com cardápio do bufê fixado diariamente pela organização. Cada pessoa só entra na fila uma vez.
No meio de tudo isso, ainda há áreas montadas por patrocinadores, que levam convidados para conhecer a estrutura do rali disputado desde 2009 na América do Sul, agência de viagens para serem utilizadas pelos pilotos, telões com informações sobre as provas e fogueira com música ao vivo.
Moradores e visitantes de Villa Carlos Paz, que tem cerca de 60 mil habitantes, passaram todo o dia nas ruas que cercam a área, esperando os veículos chegarem ao primeiro ponto de descanso do Dakar 2016. Vez ou outra, conseguiram convencer os pilotos a frear por alguns segundos para tirar fotos com as máquinas desenhadas para cruzar mais de 9 mil quilômetros de dois países em duas semanas.
Uma rotina bem diferente da dos outros fins de semana de janeiro e fevereiro, temporada alta para a turística Villa Carlos Paz. A rápida passagem do Dakar pela cidade mexe tanto com o cotidiano que moradores se posicionaram nas estradas de entrada do município com placas informando que suas casa e apartamentos estavam à disposição para serem alugadas por pessoas envolvidas com o maior rali do mundo.
Neste domingo, as ações no acampamento foram mais tranquilas do que o normal porque a etapa, que seria a inaugural da edição de 2016 do Dakar, foi cancelada por causa de forte chuva na área em que ocorreria a especial, parte cronometrada da prova. Os pilotos seguiram em deslocamento no trecho de quase 600km entre Rosário e Villa Carlos Paz sob chuva.
Na chegada ao acampamento, tiveram que improvisar varais para secar as roupas e até o dinheiro que carregavam, além de tentar controlar a tensão por ainda não terem começado a disputa. Por sorte, tiveram tempo de sobra para descansar, em uma das principais estâncias turísticas da região de Córdoba.
“Acabamos chegando mais ou menos uma hora e meia antes do previsto, mas viemos aqui para correr, e não ficar passeando nas estradas. Porque aí o contexto seria outro”, diz Spinelli. “A especial cansa o físico. O deslocamento cansa a bunda porque ir sentado no banco da moto é duro”, brinca o brasileiro Jean Azevedo, piloto nacional mais experiente da disputa.
Com a etapa entre Rosario e Villa Carlos Paz cancelada, o Rali Dakar 2016 deve ter início efetivo apenas nesta segunda-feira, com o trecho entre Villa Carlos Paz e Termas do Rio Hondo. São quase 800km de deslocamento total antes que pilotos e equipes possam chegar ao próximo acampamento, rotina que será repetida até 16 de janeiro, quando se encerra a disputa do maior rali do mundo.