Após publicação de reportagem do Jornal de Brasília, a Justiça Federal da Subseção Judiciária de Eunápolis, município da Bahia, determinou na última semana a suspensão das atividades empresariais do Arraial d’Ajuda Eco Parque caso o empreendimento não cumpra, até 9 de abril, as determinações de readequação ambiental exigidas de recuo de uma muralha que se estende ao longo da praia de Arraial d’Ajuda, distrito de Porto Seguro há quase 30 anos.
A muralha em questão está localizada entre duas das principais praias de Arraial d’Ajuda: do Mucugê e dos Pescadores. Uma parte da estrutura tem mais de dois metros e a outra se divide em duas alturas: a primeira com pouco mais de um metro e a segunda com cerca de dois metros. A parte mais alta de toda a muralha fica próxima à movimentada praia do Mucugê e a mais baixa próxima à praia dos Pescadores.
A construção, que invade a delimitação de Terreno de Marinha – área de propriedade da União –, obstrui a passagem de pedestres pela praia durante a maré alta. A água do mar cobre a travessia pela areia e bate na muralha.
De acordo com a decisão, proferida em maio do ano passado pelo Ministério Público Federal (MPF), as empresas Arraial d’Ajuda Eco Parque Ltda. e Cirne Empreendimentos e Participações Ltda. devem recuar os muros de arrimo da praia em dois metros e diminuir a altura para 0,5 metro, além de construir rampas de acesso conforme exigências do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que gerencia a parte histórica da cidade.
Oito meses depois, mesmo após decisão da Justiça, a reportagem do JBr foi ao local e constatou que tudo permanecia da mesma forma. No dia 6 de fevereiro, um dia após a publicação da matéria, uma inspeção judicial comandada pelo MPF foi realizada e teve as mesmas conclusões. A ação intimou a participação dos órgãos Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Iphan e Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

A Justiça argumenta que, apesar de algumas medidas terem sido parcialmente cumpridas, como o depósito do valor referente à obrigação de pagar e a readequação do muro de arrimo, a ausência de um projeto paisagístico aprovado pelo Iphan e a obstrução da passagem de pedestres pela praia durante a maré alta foram fatores determinantes para a decisão judicial.
Após o fim do prazo estabelecido pela Justiça para o cumprimento das determinações, o juiz federal Pablo Baldivieso, da Vara Única da Subseção Judiciária de Eunápolis, se adianta em caso de recursos e alegações de caráter econômico ao argumentar que a suspensão será mantida independentemente de prejuízos ao empreendimento, uma vez que a problemática se estende há quase 20 anos e pouco foi feito para a solução da questão.
“Com efeito, antes que se afirme que a suspensão das atividades da empresa causa prejuízo econômico e pode vir a gerar danos aos empregados e ao turismo local, é necessário informar que o processo tramita há quase vinte anos, sendo que até a presente data não foi solucionado o problema. Assim, pode a atividade econômica ser mais importante que o meio ambiente sustentável? Ou melhor, pode o direito fundamental das pessoas de acesso à praia ceder ao Poder econômico? Ou, ainda, qual estímulo os grandes empreendimentos terão em cumprir as normas ambientais no Brasil, caso o argumento econômico seja aceito?”, afirma na decisão.
A Polícia Federal, o Município de Porto Seguro e a Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (CIPPA) serão responsáveis por garantir o cumprimento da ordem judicial. De acordo com o Tribunal Regional Federal 1, de Eunápolis, a decisão reforça a necessidade de cumprimento rigoroso das normas ambientais e a responsabilidade dos grandes empreendimentos em respeitar o meio ambiente e o patrimônio público.
Desde a publicação da primeira reportagem, não responderam aos questionamentos da reportagem os advogados das partes do processo em questão, tanto do Arraial d’Ajuda Eco Parque quanto do condomínio Águas d’Ajuda. O espaço permanece aberto a pronunciamentos.
Entenda o caso
A região histórica de Arraial d’Ajuda, distrito de Porto Seguro, está sendo agredida e a preservação do local está ameaçada há quase 30 anos. A grande muralha em questão, de extensão próxima a um quilômetro, começou a ser construída em 1996 fora dos padrões exigidos pelas normas brasileiras e sem autorização formal. O resultado da inércia de ações fiscalizatórias para inibir o empreendimento e a degradação do meio ambiente gerou o imbróglio judicial que se arrasta por décadas.
O local faz parte da chamada Costa do Descobrimento, orla por onde chegaram os portugueses ao Brasil.
A razão para a morosidade nas mudanças reside na responsabilização de quem deve fazer as alterações necessárias. Atualmente existe uma disputa judicial entre as empresas que iniciaram a construção da grande muralha, o Arraial d’Ajuda Eco Parque – então chamado Paradise Water Park LTDA, em 1996, – em parceria com a construtora Cirne Empreendimentos e Participações LTDA, pertencente ao grupo Patrimonial Vera Cruz, e o condomínio Águas d’Ajuda, que teria sido vendido pela última empresa.
Durante a maré cheia, os banhistas e comerciantes são obrigados a utilizar o caminho elevado entre as duas alturas das pedras, que anteriormente também tinha dois metros. Uma redução da estrutura foi feita após uma grande queda do muro, derrubado pela força do mar, em 2018. O Oceano Atlântico continua castigando o muro. Exigindo por mais espaço, a água constantemente cava buracos na estrutura, que são remendados à exaustão pelo Eco Parque.