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(in) Formação

Vazios da polarização

Rudolfo Lago

09/01/2020 1h00

Uma tentação à qual eu sempre resisti como jornalista e analista político foi de fazer previsões. Jornalista não é pitonisa. Não lê búzios nem bola de cristal. Jornalista não tem dom premonitório. Alguns têm imensa vaidade e presunção. O que os faz cair na tentação de arriscar a clarividência.

Dois anos antes da eleição de 2018, mais ou menos no mesmo período em que agora estamos da eleição de 2022, em um debate com jornalistas em uma universidade de Brasília, comentava, sem arriscar previsões de futuro, que parecia se acirrar cada vez mais o embate esquerda X direita com estridência de guerra de torcidas, de Fla X Flu. E que isso talvez pudesse fazer crescer a candidatura de Jair Bolsonaro contra o PT de Lula nas eleições presidenciais seguintes.

Alguns jornalistas presentes minimizaram essa possibilidade, dizendo que o Brasil sempre tendia para o centro, e que Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB, iria crescer e engolir tais pretensões. Se nenhum dos leitores aqui desembarcou agora de Marte, não é preciso lembrar o que de fato se deu dois anos depois.

Da mesma forma sem nenhuma pretensão de fazer previsões, é preciso dizer que o cenário atual, a dois anos das próximas eleições presidenciais, segue apontando para uma forte polarização entre Jair Bolsonaro e o PT de Lula. Novamente com a mesma limitação que em 2018 impediu Lula de ser candidato: ele é inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa, que ele mesmo sancionou como presidente, por estar condenado em segunda instância tanto no caso do tríplex do Guarujá como no caso do Sítio de Atibaia.

De forma ainda mais intensa que dois anos antes da eleição de 2018, Bolsonaro agora parece imprimir a estratégia de radicalizar na polarização ideológica, tendo Lula e o PT como seus antagonistas. A coisa ganha agora mais intensidade porque Bolsonaro é o presidente. Ou seja, tornou-se o grande protagonista do xadrez político e imprime o tom e as regras do jogo.

Por outro lado, se a intenção é radicalizar ao máximo, Lula e o PT parecem morder a isca. Ou considerar que essa polarização de alguma forma também os beneficia no jogo.

Bolsonaro parece politicamente meio embananado com a história da criação do Aliança pelo Brasil e com a briga com o PSL. Ficou sem partido. Ficou sem base formal no Congresso. Talvez sem condições de oficializar o Aliança para as eleições municipais deste ano, pode se ver obrigado a construir alianças insólitas com diferentes partidos, formando um pavimento incerto para 2022.

Mas a opção de Lula e do PT de radicalizar o antagonismo também limita suas possibilidades de aliança. Neste momento, ou se está de cabeça no projeto Lula/PT para 2022 ou se é também considerado adversário. Ou seja: na aposta de confrontação radical, tanto Bolsonaro quanto Lula se escolhem como adversários e limitam o embate ao máximo entre os dois.

As pesquisas mostram a ambos com faixas em torno de 30% de simpatia do eleitorado. Fica, então, um vazio de 60% a ser conquistado por outras candidaturas. É a movimentação em torno desse vazio que precisa ser observada.

Chama a atenção em recente pesquisa divulgada pelo Datafolha que Lula e o apresentador de TV Luciano Huck parecem correr na mesma raia de preferência do eleitorado. No país que se move menos por questões ideológicas do que gostaria a guerra das redes sociais, ambos têm seus cacifes principais nos eleitores do Nordeste e de baixa escolaridade.

Por outro lado, a mesma pesquisa mostra que o ministro da Justiça, Sergio Moro, pode ser a pedra no sapato de Bolsonaro, crescendo beneficiário das brigas desnecessárias e do desgaste que o presidente promove entre seus aliados.

O quadro após a eleição municipal no segundo semestre vai clarear o cenário. Qual será o saldo de Bolsonaro, se entrar na disputa sem partido? Até que ponto seus eventuais aliados poderão já a partir daí migrar para a construção de uma opção Moro? Lula consolida sua base no Nordeste ou a perde para alguém como Huck? São as perspectivas em torno do vazio consequente da polarização que darão os contornos do futuro.

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