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(in) Formação

O que prateia a bala

A rigor, porém, a verdade é que no mundo da política balas de prata não são coisas assim tão objetivas quanto aquelas que irremediavelmente matam lobisomens

Rudolfo Lago

15/05/2020 5h30

Desde que surgiram informações a respeito do que foi dito na já famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, as eternas e cada mais enfadonhas torcidas brasileiras dividem-se quanto ao conteúdo do que foi dito. Um lado da torcida aponta para a imensa gravidade das falas em que o presidente fala que não pode deixar “f…” a sua família. A torcida que se posta do outro lado do campo diz que as falas não provam nada e que não haveria uma “bala de prata” ainda contra Bolsonaro.

Há, no meio de tudo, coisas que beiram ao absolutamente ridículo. Inclusive um bolsonarista que postou nas redes sociais não duvidar que o comediante Marcelo Adnet tenha sido contratado por aqueles que querem prejudicar o “mito” para dublar a sua voz numa versão forjada da reunião. E que teria sido essa versão forjada da reunião, com a voz de Adnet imitando Bolsonaro, a que foi mostrada na Polícia Federal para os procuradores e demais investigadores responsáveis pelo inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Bem, o autor da postagem é um idiota, sem dúvida. Mas pelo menos é um idiota que concorda com a gravidade do que foi dito na reunião…

A rigor, porém, a verdade é que no mundo da política balas de prata não são coisas assim tão objetivas quanto aquelas que irremediavelmente matam lobisomens, conforme as histórias de terror. No folclore, é batata: atirou com bala de prata, o monstro morre. No mundo da política, porém, dependendo de como for, a bala de prata já sai da espingarda virando chumbinho…

Nos dois casos de impeachment que tivemos, as vítimas e seus apoiadores sempre desdenharam das balas de prata que embasaram os processos. O hoje senador Fernando Collor até hoje repete que não havia provas do crime de responsabilidade imputado a ele. Tanto que, ele insiste, acabou em seguida absolvido pelo STF. No caso de Collor, a bala de prata teria sido o Fiat Elba comprado com dinheiro de um dos fantasmas de PC Farias. Ou seja: um sujeito que tinha automóveis importados caiu por causa de um automóvel popular. Era a sua versão do imposto de renda de Al Capone…

No caso de Dilma Rousseff, o discurso de que o que aconteceu foi um golpe parlamentar é repetido incessantemente. Tanto que, agora, fez com que o PT demorasse bem mais que os demais partidos de oposição a aderir ao movimento em torno de um pedido de impeachment de Bolsonaro. Dilma caiu por conta da criatividade contábil de sua equipe, forjando números nas tais pedaladas fiscais. Durante o tempo todo do processo, discutiu-se se o metal da bala era ou não prata.

Longe aqui de se querer rediscutir os processos de impeachment anteriores. O que se discute aqui é que a discussão sobre crime de responsabilidade num processo de impeachment é muito mais política do que técnica. Para que o processo tenha sucesso, é preciso que ele reúna alguns elementos. A não ser que algum dia tenhamos um presidente pego em flagrante com um revólver na mão assassinando uma pessoa ou assaltando um banco, serão esses demais elementos que pratearão ou não a bala.

O primeiro elemento está relacionado à base de apoio ou não na sociedade. Quando Collor chamou as pessoas para irem às ruas de verde e amarelo e, na verdade, o que se convocou foi uma multidão de preto, ficou claro que o início de um processo de impeachment não teria maior reação. Não por acaso, o então presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, ao receber o pedido disse: “O que o povo quer, essa Casa acaba querendo”. Por enquanto, as pesquisas mostram que Bolsonaro tem o apoio de cerca de 30% da população. E ele tem feito questão de manter essa militância nas ruas, em coisas como esse acampamento dos 300. Em tempos de isolamento, ele não isola os seus e eles fazem barulho. E é difícil contabilizar se hoje o que há é mais barulho ou apoio.

O segundo elemento é o ambiente político. Se, por um lado, Bolsonaro faz questão de tumultuar diariamente esse processo comprando briga com um monte de gente, por outro ele faz esses acenos para um Centrão que começa a roda em Bandeira 2. A turma cobra caro e sai lucrando para evitar que o processo ganhe ares no Congresso. O risco é a turma da sociedade que apoia acabar decepcionada. Bolsonaro conta com o radicalismo de estúpidos como o cara que acha que Adnet o dublou no vídeo da reunião. Considerar que essa massa toda tenha tal grau de idiotia pode ser subestimá-la.

O terceiro elemento é o ambiente jurídico. E é aqui que Bolsonaro hoje talvez esteja mais fragilizado. Antes dele, o Supremo Tribunal Federal estava próximo de se tornar um ringue de UFC. Os ministros quase saíam aos tapas. Agora, parecem unidos quase em uníssono na impressão de que o presidente tumultua e não tem respeito pela equipotência dos poderes. É por isso que há quem discuta mesmo a possibilidade de algum caminho não pelo crime de responsabilidade, mas pelo crime comum. É bom ficar atento a essa hipótese.

Enfim, é pelo desenvolvimento do processo político que a bala vira de prata ou chumbinho. Qualquer batom na cueca pode ser explicado. Depende mais da vontade de se querer ou não acreditar na explicação…

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