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Coluna Informação #061 – E se Deus não quiser?

Na noite de quarta-feira (20), o presidente Jair Bolsonaro disse uma frase a seus apoiadores no Palácio da Alvorada que muito trai os seus atuais sentimentos

Rudolfo Lago

22/01/2021 5h00

Atualizada 21/01/2021 22h42

Na noite de quarta-feira (20), o presidente Jair Bolsonaro disse uma frase a seus apoiadores no Palácio da Alvorada que muito trai os seus atuais sentimentos: “Se Deus quiser, vou continuar o meu mandato”. A verdade é que nos corredores da Esplanada dos Ministérios, especialmente depois de Bolsonaro ter claramente perdido para o governador de São Paulo, João Doria, a guerra das vacinas, o que hoje se pergunta é: “E se Deus não quiser?”

Bolsonaro está preocupado. Fez apostas políticas que se mostraram completamente erradas, e que agora cobram seu preço. Não passava pela cabeça dele que a pandemia da covid-19 fosse se estender por tanto tempo. Achava que a essa altura a doença já teria arrefecido e que estaria à frente de um trabalho de reconstrução da economia, que lhe permitiria reforçar o discurso de que o exagero pregado no isolamento dificultava agora essa recondução.

Estava cimentado aí o caminho para justificar o fato de não ter conseguido aprovar as reformas estruturantes. De não ter conseguido fazer a revolução liberal prometida pelo seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Teria sido colhido pela covid-19 e pelas decisões de governadores e prefeitos, que seguiram o que preconizou o Supremo Tribunal Federal (STF), que não deixou que ele atuasse.

Ocorre que nada disso aconteceu. A pandemia não acabou. Está longe de se acabar. Recrudesceu na virada de 2020 para 2021. Acabar com ela depende da vacinação das pessoas, e não do uso inócuo de cloroquina ou ivermectina. E o governo, na aposta errada que fez, não se preparou minimamente para obter agora as vacinas e imunizar a população.

Bolsonaro está totalmente dependente no momento da vacina que desdenhou: a Coronavac, a “vachina”, a “vacina chinesa”, a “vacina do Doria”. E mesmo o imunizante no qual ele apostou, o produzido pela Universidade de Oxford, pelo laboratório AstraZeneca, no Brasil com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também depende de um fator imunizante fabricado na mesma China. Depende da importação de doses da Índia, que o governo brasileiro também desdenhou.

Bolsonaro ignorou que assim é o planeta hoje. No mundo da alta ciência, da alta tecnologia, tudo é desenvolvido ao mesmo tempo em diversos países, que colabaram entre si. O mundo é globalizado, é multilateral, e isso não é uma opção ideológica, é uma constatação. Não há espaço mais para acordos bilaterais, que o governo prefere, se o desenvolvimento das coisas no mundo não é mais bilateral.

É impossível hoje não avaliar que os seguidos problemas que fazem com que o Brasil hoje não tenha garantida de quando terá à disposição novas doses de vacina decorrem desses profundos erros de avaliação. E que as consequências desses erros não são, portanto, responsabilidade do governo federal e de seu principal representante, o presidente da República.

O governo pode cometer diversos erros de avaliação, mas sabe que a cobrança pela sociedade desses seguidos erros decorre do humor político. Até aqui, Bolsonaro contava com a sua popularidade, que até o final do ano parecia estar intacta. Aparentemente, ela não está mais. Pesquisa da XP Investimentos feita esta semana mostra uma queda de seis pontos percentuais na avaliação positiva do governo e aumento de cinco pontos na avaliação negativa. O percentual de quem acha o governo ruim ou péssimo é hoje maior do que aquela que o acha bom ou ótimo (40% contra 35%). E 52% acham ruim ou péssima a condução do combate à covid-19. O governo espera outras pesquisas que confirmem essa mudança de humor.

O temor agora é se essa alteração de humor possa vir também a alterar as condições políticas. Os mais de 60 pedidos de impeachment do presidente dormem até agora na gaveta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pelo entendimento que não prosperariam no atual ambiente político. Mas o poder no Congresso está prestes a mudar de mãos. Bolsonaro aposta todas as fichas da sua sobrevivência na eleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara. Teme por seu destino caso o vencedor seja Baleia Rossi (MDB-SP).

Mas deveria também dedicar atenção a virar o jogo da guerra das vacinas, que hoje perde fragorosamente. Um Brasil ansioso por ser imunizado e frustrado por não conseguir pode jogar essa conta no colo do presidente.

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