A “química” com Trump segue orientando a linha diplomática de Lula no trato com os EUA, contando com a cautela habitual da nossa diplomacia que deixa a lança do sul de lado. Até porque o tarifaço já caiu 10% e, nos bastidores, o governo brasileiro espera por um derretimento até o natal, com a incômoda inflação do hambúrguer e o cafezinho mais caro em Manhattan.
O cuidado com que a organização da COP 30 e o Itamaraty trataram a visita do democrata Gavin Newson, governador da Califórnia, ao evento indicam o tom dessa cautela. Todo cuidado foi pouco para evitar até mesmo um encontro casual entre o presidente brasileiro e o principal opositor de Trump hoje na política dos EUA.
A direita brasileira até esperava um escorregão nesse périplo californiano, mas deve continuar apostando na narrativa que investe no confronto entre Lula e Trump — principalmente no contexto das tensões militares nos mares do Caribe. Mesmo que, com isso, caia novamente na velha armadilha de se posicionar contra o princípio da soberania nacional.
Nessa equação a oposição acompanhou com lupa as declarações de Lula na reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Mas o presidente brasileiro respeitou as variáveis relevantes, sem deixar passar em branco a narrativa trumpista sobre o suposto combate ao narcotráfico venezuelano. Inclusive porque ele sabe que Trump quer resolver a ameaça inflacionária, mas precisa dar uma satisfação para sua bolha.
O mundo assiste hoje à maior presença militar americana no Caribe em 35 anos: o porta-aviões USS Gerald R. Ford, destróieres de escolta, submarinos nucleares, caças F-35 e drones em operação conjunta com a reativação da antiga base naval de Roosevelt Roads, em Porto Rico, desde setembro de 2025. Tudo isso para, segundo Trump, “interromper o tráfico de drogas venezuelano” na operação chamada “Lança do Sul”.
Gente que já trabalhou para a Interpol – e dedicou anos à qualificação policial no exterior – lembra que combate ao tráfico não é especialidade militar. É trabalho policial — que, inclusive, depende de apertar o cerco financeiro e cooperar com as polícias regionais. Mas, pelo visto, tanques e mísseis dão mais IBOPE do que os qualificadíssimos relatórios da DEA americana.
Não passa pela cabeça do presidente Lula defender embarcações que transportam entorpecentes pelo Caribe. Mas também está claro que ninguém pode esperar que o presidente brasileiro silencie no restabelecimento do discurso coercitivo da guerra fria, a partir da ameaça do intervencionismo militar dos Estados Unidos no continente.
Em outubro de 1962, a União Soviética instalou mísseis em Cuba, a poucas milhas da Flórida. Kennedy respondeu com um bloqueio naval — e o planeta, por 13 dias, ficou a um passo da aniquilação.
Se antes eram foguetes em Cuba, hoje são embarcações carregando cocaína sob bandeira venezuelana. O cenário muda; o método, não: exibir músculo, criar pânico e fabricar um “inimigo externo” conveniente — e de esquerda.
Nesse contexto, é inevitável lembrar a malfadada invasão da Baía dos Porcos, em abril de 1961. Na ocasião, os Estados Unidos treinaram e financiaram 1.200 exilados cubanos, armados pela CIA, para derrubar Fidel Castro. O desembarque em Playa Girón durou três dias — e terminou num desastre épico: 118 invasores mortos, 1.100 capturados e uma humilhação que consolidou Castro no poder.
Kennedy teve de negociar a libertação dos prisioneiros por US$ 53 milhões em alimentos e remédios. O fiasco empurrou Cuba para os braços da URSS e pavimentou o caminho para a Crise dos Mísseis de 1962.
No fim das contas, ninguém pode negar a curva ascendente de Trump no noticiário e nas redes sociais, desde o protagonismo na guerra da faixa de Gaza, da Rússia com a Ucrânia, na ausência à COP 30, em desobediência aos acordos climáticos, entre outros factóides como esta pressão militar no Caribe. Mas se o mercado mundial de commodities se acomodar, vai faltar “like” para a inflação nos EUA.