Mais de uma fonte petista garante que a resistência de “companheiros” contra à criação do Ministério da Segurança Pública não nasce de dados, estatísticas ou da realidade concreta das ruas. Nasce de um trauma mal elaborado. Para uma parte do partido, segurança pública virou artigo de museu mal-assombrado da direita que, no caso de uma Pasta específica e dedicada, teria de mofar no armário com etiqueta escrita “legado de Michel Temer”. Não importa se o crime organizado virou holding multinacional, com braço financeiro, logística e marketing. O problema é simbólico. É estético. É quase psicanalítica.
Lula percebeu cedo que tentar convencer essa turma seria perda de tempo e de saliva. Então resolveu fazer o que sabe desde os anos 80, conduzindo a assembleia à sensação de que pensou na tese da ideia vitoriosa.
No fim das contas, pelo discurso oficial, o Ministério não será criado porque o governo acha necessário. Será criado “porque o Congresso aprovou a PEC”. Apoiado em prestidigitação, Lula lava as mãos, veste a toga da institucionalidade e deixa os puristas reclamando sozinhos no X.
O plano já tem a digital do marqueteiro Sidônio Palmeira, que enxerga o óbvio ululante: a segurança pública será um dos eixos centrais da eleição de 2026. Fingir que não é tema popular é estratégia que só funciona em assembleia que não lê pesquisa, com ar-condicionado e café frio.
Os neopetistas ainda não entenderam: quando José Dirceu começa a defender uma ideia abertamente, em entrevistas e redes sociais, não é sinal de debate. É um aviso. Choque de realidade. Dirceu não fala para convencer; fala para alertar, socorrendo o delírio dos embevecidos com o poder.
O álibi da vez atende pelo nome de PEC da Segurança Pública. Em 11 de dezembro de 2025, Lula foi cristalino, com a sutileza de um trator: “Se a PEC for aprovada, vamos criar o Ministério da Segurança Pública.” Mesmo sem destaque na imprensa no dia seguinte, o guizo estava no gato. Para todos os efeitos, não é escolha política, é consequência técnica.
O detalhe inconveniente é que a PEC foi adiada para 2026 pelo presidente da Câmara, Hugo Motta, sob o pretexto clássico da “falta de consenso”. A mesma Câmara que, semanas antes, descobriu subitamente uma vocação para urgências quando se tratava do PL da Dosimetria.
Aí não houve debate, calma nem reflexão institucional. Houve toque de caixa, atropelo de comissões e votação direta no plenário. Tudo para atender à pressão da direita bolsonarista e de setores do centro ansiosos por aliviar penas dos condenados do 8 de janeiro – inclusive do ex-presidente Jair Bolsonaro, preso desde novembro.
O discurso era o de sempre: “penas exageradas”, “justiça desequilibrada”, “humanização das sentenças”. O texto, como de costume, vinha recheado de jabutis capazes de beneficiar criminosos bem mais organizados do que os patriotas de selfie em frente ao quartel. Mas como o recesso se aproximava, era preciso correr antes que alguém resolvesse ler.
Esse contraste é didático. Quando interessa politicamente, o Congresso corre. Quando envolve estruturar o Estado para enfrentar o crime organizado, pede tempo, calma e diálogo – e empurra com a barriga. Sobretudo quando todo mundo percebeu que Lula monopolizou a pauta do combate ao crime, desde a operação carbono oculto da PF.
Não haverá consenso. Nunca houve. Haverá fato consumado.
E Lula, mais uma vez, provará que não governa para agradar a militância, mas para sobreviver eleitoralmente numa dinâmica em que não nega os fatos. Os que confundem política pública com trauma histórico continuarão presos em 2016. Lula, como sempre, já está em 2026. E com chance real de ganhar a eleição, falando grosso contra o crime.