Os vinhos brasileiros estão vivendo um momento de efervescência. Não apenas em taças e garrafas, mas também em laboratórios, vinhedos e nas escolhas conscientes de uma nova geração de consumidores. Esse novo cenário é impulsionado por uma série de transformações no comportamento do mercado, avanços técnicos e um compromisso crescente com a sustentabilidade.
Isabella Bonato, engenheira agrônoma e sócia da Vinícola Brasília, é uma das vozes que melhor traduz esse momento. Em entrevista exclusiva, ela oferece um panorama aprofundado da vitivinicultura nacional e dos desafios e oportunidades que se desenham no horizonte.
A nova geração do vinho
Segundo dados da Consevitis, 79% dos jovens entre 18 e 24 anos compraram vinho nos últimos três meses. Um dado ainda mais revelador: entre os jovens que consomem álcool, 38% já colocam o vinho como sua bebida preferida — um número que se aproxima da liderança histórica da cerveja, com 40%.
Para Isabella Bonato, esse movimento é sintomático de um consumidor mais engajado e exigente:
“O jovem está cada vez mais consciente e seletivo no que consome. Mais do que apenas comprar um produto, ele busca um conceito, um propósito, algo com o qual possa se identificar. Esse comportamento tem impulsionado a valorização dos vinhos nacionais, que carregam histórias, territórios e identidades únicas.”
Um Brasil de muitos vinhos
O mapa do vinho brasileiro está em expansão. O antigo paradigma de que só era possível fazer bons vinhos entre os paralelos 30º e 50º está ficando para trás. A diversidade climática e geográfica do país permitiu o surgimento de três sistemas distintos de viticultura:
- A convencional, predominante no Sul;
- A tropical, no Vale do São Francisco;
- E a viticultura de inverno, técnica recente que permite colher no período seco e tem interiorizado a produção.
“O Brasil vive hoje uma verdadeira expansão da sua fronteira vitivinícola. Regiões antes consideradas improváveis têm se destacado pela qualidade e personalidade dos seus vinhos”, afirma Bonato.
Vinhos brancos em ascensão
A tendência de crescimento no consumo de vinhos brancos é outra mudança significativa. Com o clima quente predominando na maior parte do país, o frescor e a leveza dos brancos conquistam novos públicos e se adaptam melhor ao cotidiano tropical.
Desafios estruturais
Apesar do crescimento da demanda, o vinho brasileiro ainda enfrenta grandes obstáculos para conquistar seu próprio mercado.
“O volume de vinho importado que chega ao Brasil ainda é muito alto, o que mostra que existe demanda, mas também evidencia um desafio: precisamos conquistar o nosso próprio mercado interno para aproveitar essa tendência de crescimento”, avalia Bonato.
“Se conseguirmos transformar essa demanda crescente em preferência pelos rótulos brasileiros, teremos a oportunidade de fortalecer não apenas a nossa indústria, mas também a identidade do vinho feito no Brasil.”
Mas isso requer superar entraves como a carga tributária elevada, o contrabando e o descaminho. “Esses fatores ainda encarecem o vinho legalizado e dificultam a competitividade do produto nacional”, lamenta.
O papel da sustentabilidade
A produção sustentável já não é apenas um diferencial, mas uma exigência para o futuro. E, nesse ponto, algumas vinícolas brasileiras têm se destacado.
“Vemos uma mobilização clara no setor para tornar a produção mais sustentável. Aqui mesmo na nossa região, temos exemplos de uso crescente de produtos biológicos para controle de pragas e doenças, altos investimentos em energia renovável, reuso de água, práticas de cobertura do solo e manejo que visa maior equilíbrio do ecossistema”, explica a engenheira.
Para ela, é imperativo que a agricultura caminhe de mãos dadas com a sustentabilidade:
“Isso já é uma realidade concreta para muitas vinícolas brasileiras.”
Ciência, inovação e identidade
A revolução tecnológica no campo e na adega está colocando o vinho brasileiro em um novo patamar de qualidade. A poda invertida — que permite colher uvas no inverno — é um dos destaques.
“Essa técnica garante maior sanidade e concentração de compostos fenólicos”, detalha Isabella.
Além disso, a adoção da viticultura de precisão, o monitoramento em tempo real e o manejo específico de microterroirs têm refinado a produção e revelado a complexidade do terroir brasileiro.
Estudos com variedades híbridas mais resistentes e pesquisas sobre resveratrol e antocianinas estão ampliando o entendimento sobre a riqueza dos nossos tintos. E a ciência também combate a fraude, com uso de marcadores moleculares para assegurar a autenticidade dos rótulos.
“Todo esse movimento técnico e científico, somado ao investimento em tecnologia de vinificação, tem resultado em vinhos cada vez mais expressivos, equilibrados e com identidade, colocando o Brasil em um novo patamar qualitativo no cenário mundial.”
Os desafios do clima e das doenças
A viticultura mundial enfrenta um inimigo comum: o clima instável. E o Brasil não está imune.
“Oscilações bruscas de temperatura, ondas de calor, chuvas fora de época e eventos extremos impactam diretamente o ciclo das videiras, exigindo ainda mais adaptações e dinamismo por parte do viticultor”, alerta Isabella.
Outro desafio recorrente é o controle de doenças fúngicas. Nesse campo, as variedades PIWI — híbridas e resistentes — surgem como uma solução promissora, reduzindo a dependência de defensivos químicos.
“Esses desafios mostram, cada vez mais, a necessidade de pesquisa, ciência e inovação dentro do nosso setor.”