Na 207 Sul, fica uma banca de jornais e revistas que faz parte da história da comunidade. Pedro Rodrigues Correia de Sá, atual proprietário do local, sabe bem disso, já que o estabelecimento pertence à sua família. Hoje reformulada, a Chico Banca e Café uniu a tradição e a cultura a uma atualização sutil na fachada e em sua estrutura. O espaço, inspirado nos monumentos brasilienses, tem um cardápio charmoso de cafés e lanches, mas não abriu mão do acervo de revistas, jornais e livros, que ficam lá à disposição dos clientes.
Pedro contou que optou por continuar com o formato da banca de revista, agregando o café ao negócio. “Na verdade, não é nem o café, a gente melhorou o ambiente. A gente decidiu tornar a banca convidativa novamente.” Já faz dois anos que o espaço funciona com essa nova proposta. Pedro explicou que a banca tem o nome Chico, em homenagem ao avô, que foi o primeiro dono daquela estrutura, o primeiro permissionário. “Ele pegou a banca em 1979. Depois dele veio o Beto, que é meu tio, meu padrinho”, contou.

Depois que o tio veio a falecer, a esposa dele tentou tocar os negócios ao longo de 8 anos, mas não conseguiu dar sequência. “Foi bem na época que as revistas impressas começaram a perder muito a atração das pessoas.”
Foi então que a tia passou a banca para ele. Pedro é personal trainer e nutricionista, e inicialmente, tinha a ideia de transformar o espaço em algo parecido com seu outro negócio, seria um braço do seu estúdio. Mas depois de reavaliar a questão, pensou no espaço privilegiado da banca e mudou de ideia. “Primeiro que a legislação não permite esse tipo de atividade em bancas. E segundo que essa em especial tem uma posição em relação a quadra que eu nunca vi outra banca ter. Ela está de frente para a entrada da quadra”, descreveu. Além disso, ele notou que a quadra tem uma entrada e uma saída, com um balão que faz com que a movimentação dos carros seja diferente.

Com um jardim muito grande em volta da banca, Pedro não queria perder isso. “E eu e minha esposa sempre falamos que seria legal ter um café um dia.” Ele sentiu que aquele era o momento de realizar esse desejo. Depois de conversar com amigos do ramo de cafeterias, a ideia era ter café de qualidade e caprichar muito na revitalização do ambiente. “A gente gosta muito da pegada Brasília, a vibe dos pilotis e essa coisa da circulação livre.” Logo veio a ideia da decoração com azulejos, com a ajuda de uma amiga e a parceria da Quina. “Eles fizeram o nosso projeto, idealizaram exatamente da maneira que a gente pediu, com uma banca mais branquinha”, comentou.
A cultura da banca de jornal
Pedro tinha um objetivo muito forte de transformar a banca em um ponto turístico. Para ele, a ideia dos azulejos, do formato mais quadrado na cor branca, são coisas que remetem a alguns monumentos de Brasília. “A Catedral é branca, o Congresso é branco, os monumentos principais de Brasília em sua maioria são brancos.” Ele descreveu que a escolha dos ornamentos dos azulejos, foi trazer um pouco mais de praia.”A minha esposa é de Niterói (Rio de Janeiro). Então o formato do desenho remete um pouco à maré”, contou.
Nesses dois anos do espaço reformulado, para Pedro, dá para sentir a energia da banca. “A hereditariedade da banca permeia, tanto o meu avô, quanto o meu tio, eram pessoas muito queridas. Até hoje a gente recebe clientes que amavam meu tio e meu avô. Deu muito certo a ideia da banca.” Pedro observou um movimento diferente que a reformulação do espaço trouxe: “Eu cresci dentro de banca. Essa era da minha família, mas minha mãe já teve banca de jornal na Esplanada dos Ministérios, meus tios tinham outras bancas. E dava para ver que sempre foi um ambiente de certa forma machista, as mulheres liam muitas revistas, mas elas não ficavam na banca”. Mas na Chico Banca e Café, o maior público é feminino.
Pedro afirma que não foi intencional, essa mudança da presença nas bancas, mas foi interessante que isso aconteceu. “A gente trouxe as mulheres, então, a gente recebe amigas de todas as idades. Desde meninas de 15 anos que vêm com as amigas e ficam na banca a tarde inteira conversando e tomando um café e comendo croissant, as avós que vem com os netos”. Ele se orgulha de fazer parte da construção da comunidade da quadra novamente. “O ponto de encontro de todas as quadras era a banca de jornal, então os vizinhos se encontravam. Eram vendidos carros nas bancas de jornal”, ressaltou. Pedro acredita que conseguiu fazer isso de uma maneira reinventada para outro público. “Hoje o dia mais cheio é no sábado e no domingo de manhã. É legal ver que a gente mudou muita coisa, mas sempre mantendo as raízes, sem perder o que é a essência de ser uma banca de revista e jornal.”
Um café e uma revista para passar o tempo
O cardápio sugere que a pessoa espere o pedido, folheando alguma revista ou livro que estão disponíveis no lugar. “Têm muitas mulheres e homens que chegam na banca, pegam uma revista, que não tem embalagem, senta na mesa, pede um café até e folheia a revista, muitas vezes compra, às vezes não”, descreveu. Pedro vê o mercado de revista crescer novamente aos poucos, porque as pessoas estão procurando fugir das telas. “E por mais que as revistas estejam no meio digital, exatamente do jeito que temos elas impressas, mesmo assim, as pessoas preferem o impresso, para não ter que ficar com o celular na mão”, disse. Dessa forma, ele indicou que esse tipo de lazer está ressurgindo com mais força. “Não acho que a revista volte a ser o que era antes, quando minha família vendia muito”, frisou.


Para ele, é fundamental que se abra as portas para outros tipos de comércio nas bancas, porque não dá para viver só da venda de revistas mais. “Eu não conheço donos de banca que conseguem sustentar uma família vendendo só revista”, completou. Pedro considera essa forma híbrida de negócios uma saída, “Hoje têm bancas que vendem muito jornal e revista, mas que também vendem ovo, cerveja, queijo, castanha, e essas coisas que são o motor do dinheiro que entra.” Sem modéstia, Pedro acredita que a banca administrada por ele é um case de sucesso a ser estudado para que as bancas possam replicar como acharem mais adequado.
Pedro pontuou que as bancas poderiam ter uma função cultural obrigatória. “Seria muito legal ver um futuro onde Brasília fosse conhecido pelas bancas”, salientou.
Com o público da quadra e de moradores de outras regiões, Pedro apontou que boa parte dos clientes vêm de fora do Brasil e ficam encantados com a banca dele. “São pessoas do Japão, da Alemanha, da Austrália, dos Estados Unidos, Canadá, que quando eles vêm na nossa banca, falam: Cara, isso daqui é muito Brasília. Sendo que é uma coisa nova que a gente construiu.” Por isso que para Pedro, o Chico Banca e Café conseguiu encontrar o meio termo entre respeitar a tradicionalidade de uma banca e a função cultural, para conseguir tocar os negócios.
Sua visão para o futuro das bancas é romântica. Ele quer que as pessoas se perguntem qual é a característica principal de Brasília e se lembrem imediatamente das banquinhas. Cada uma com um foco diversificado. “As bancas poderiam ser um ponto de referência do turismo da capital. Esse é o nosso objetivo e a gente está conseguindo”, concluiu. Ele acrescentou que depois que abriram, surgiu também a Casa de Chá na Praça dos Três Poderes, que não é banca, mas tem o mesmo ideal de ser um ambiente acolhedor.
“Por exemplo, depois do que fizemos na nossa banca, a da 408 Sul agora serve almoço aos finais de semana. Eu super gosto de ir lá quando eu estou voltando para casa aos finais de semana, eu fico lá, converso 10 minutos com o Bira, que é o dono da banca e o filho dele, o Leonardo. E é um negócio de família”, contou. Ele também citou a Copacabanca da 208 Sul, do Seu Carlos, que todo sábado tem um choro. “É referência em Brasília, choro da melhor qualidade, talvez seja um centro cultural tão importante quanto o Clube do Choro”, salientou. O que ele mais quer é que as pessoas voltem a consumir mais em bancas.
Pedro não esperava se apaixonar tanto por esse segmento. Ele gosta da troca diária que tem com as pessoas que conhece através da banca. “Nesses dois anos eu me apaixonei mais por Brasília, me apaixonei mais pela minha família e valorizei mais o que minha família fez até agora.” O empresário, por fim, afirmou que também adquiriu muito mais senso de comunidade nesses últimos anos.