GUILHERME LUIS E LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Foi um ano de força no audiovisual brasileiro. Se no cinema isso ficou óbvio com prêmios no Oscar, em Cannes e em Berlim, na televisão e no streaming esta conclusão chegou de forma mais subjetiva.
Crítica e público cobriram várias séries de elogios, com algumas delas alçando voos internacionais. Mais importante ainda, a pluralidade de gêneros e temas encorpou a crença de que as produções locais vivem uma boa fase.
O drama sensível de “Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente”, a ação aquática de “Pssica”, a comédia tenra de “Pablo e Luisão” e a vocação para blockbuster de “Os Donos do Jogo” não fizeram feio frente ao que também foi uma boa safra para os estrangeiros, num ano puxado por “Pluribus”, “O Estúdio” e “The Pitt”. As duas últimas saíram consagradas do Emmy, que preferiu laurear novidades em sua última edição.
Apesar dos ventos de renovação, paira incerteza nos ares brasileiros, porém. A regulamentação do streaming foi finalmente aprovada pela Câmara em 2025, mas existe desconfiança em relação ao efeito prático do projeto de lei, que agora vai ao Senado.
A obrigatoriedade de plataformas como a Netflix pagarem taxas e adotarem cotas para conteúdo nacional, para alguns, pode gerar uma pulverização de investimentos e uma queda na qualidade. Wagner Moura, de “O Agente Secreto”, entrou na discussão neste finzinho de 2025, ao dizer que a proposta é muito branda com as empresas estrangeiras e gerando uma gritaria cibernética.
Idealmente, a indústria espera que a regulamentação resulte numa melhoria nas condições de trabalho no setor e, consequentemente, em investimentos robustos em filmes e séries. Como aqueles que a Globo fez em “Vale Tudo”, grande aposta novelesca para o ano em que a emissora soprou as velinhas de seis décadas.
Mesmo bombardeada de críticas negativas, a novela das nove pautou as conversas ao longo dos meses em que ficou no ar na semana em que a vilã Odete Roitman morreu, bares e padarias do Rio de Janeiro sediaram debates sobre quem seria o responsável pelo assassinato.
Há muito não se falava tanto de uma vilã como esta, reencarnada por Debora Bloch, ou mesmo de uma mocinha, como a Raquel de Taís Araujo, ainda que com polêmica a atriz e os espectadores não aprovaram os rumos dados à personagem pela autora, Manuela Dias.
Outra antagonista brilhou este ano. No streaming, o primeiro folhetim da HBO Max, “Beleza Fatal”, presenteou o público com a Lola de Camila Pitanga, uma perua sem escrúpulos que virou ícone pop, emplacou memes e fez com que a plataforma corresse para aprovar uma segunda temporada, já em produção.
No Globoplay, “Guerreiros do Sol”, outra novela mais curta que as tradicionais, estreou com enorme valor de produção, com aspectos técnicos dignos do que chamam de “TV de prestígio”. Fotografia, direção de arte e figurinos, em especial, mostraram a capacidade do brasileiro de entregar bons conteúdos num formato serializado, folhetinesco ou num meio termo, como foi o caso.
Aliás, não faltaram melodramas em formatos diferenciados. A moda da vez são as micronovelas, ou novelas verticais, feitas para ver no celular, que tomaram redes sociais de vídeos curtos como o TikTok e o Kwai. São tramas simples, gravadas em poucos cenários e de baixo orçamento.
O sucesso chamou a atenção da Globo, que correu atrás do prejuízo para gravar “Tudo por uma Segunda Chance”, novelinha que dá uma segunda chance à influenciadora Jade Picon. Duas semanas depois, a emissora lançou outra produção do tipo, “Cinderela e o Segredo do Pobre Milionário”, com o cantor sertanejo Gustavo Mioto de protagonista.
Apesar da repercussão dessas tramas mais inocentes, o público ainda tem sede dos dramas do passado. “Vale Tudo”, por exemplo, alimentou fantasias e conspirações acerca do assassinato de Odete Roitman que no fim nem aconteceu, enquanto a trama de “Beleza Fatal” foi motivada pela morte de uma modelo numa cirurgia. “Guerreiros do Sol”, em seus eletrizantes minutos iniciais, arquitetou uma intrincada cena de bangue-bangue à brasileira, no sertão nordestino.
Essa particularidade talvez seja reflexo de um apetite ainda não saciado por histórias de crimes. Séries do streaming, como “Tremembé” e “Ângela Diniz: Assassinada e Condenada”, fizeram sucesso enquadrando assassinos, às vezes recebendo críticas por uma suposta romantização. Entre os documentários, “Bateau Mouche: O Naufrágio da Justiça” reforça a tendência.
Não menos sanguinolentas foram algumas das produções internacionais mais populares do ano. “Round 6” chegou ao fim depois de provar a força do audiovisual sul-coreano em meio a gincanas homicidas, enquanto “Adolescência”, na Netflix, monopolizou rodas de conversa ao pôr a juventude de hoje sob uma lupa. Na história, um garoto de 13 anos é preso por matar uma colega.
Já “Stranger Things”, se despede depois de uma década, na virada do ano, como responsável por lançar as bases de como se produz e como se consome uma série de streaming, há quase dez anos. A nova temporada estreou após uma espera de três anos, com a desculpa de que leva tempo para afinar os efeitos especiais carregados da trama.
Tecnologia também foi assunto no mercado nacional. A inteligência artificial chegou com força e tomou as salas de edição das grandes emissoras a Globo, por exemplo, aderiu a ferramentas do tipo para pôr caretas no burro Policarpo, da novela das seis “Êta Mundo Melhor!”.
Na concorrência, o SBT usa IA para recriar o rosto e a voz do seu fundador, Silvio Santos, morto em agosto do ano passado.
A emissora vem patinando para encontrar seu rumo sem a direção do apresentador. Agora nas mãos da terceira filha de Silvio, Daniela Abravanel Beyruti, o canal balança entre passado, com o discurso de que deve voltar às raízes, e futuro, buscando influenciadores digitais que possam virar suas novas estrelas.
Outra novidade no SBT é a criação do canal de TV a cabo SBT News, só de notícias, voltado para as classes A e B. O evento de lançamento, há duas semanas, causou polêmica com o cantor Zezé Di Camargo, que reclamou da presença de líderes da esquerda como o presidente Lula, e disse que as herdeiras de Silvio Santos estavam “se prostituindo”.
O jornalismo da Globo também viveu mudanças. Caiu como bomba entre o público o anúncio da saída de William Bonner da bancada do Jornal Nacional após 29 anos. Isso gerou dança das cadeiras nos telejornais da emissora, com César Tralli promovido ao lugar de Bonner, e Roberto Kovalick assumindo o Jornal Hoje.
Lá fora, os talk shows sofreram uma baixa expressiva. Historicamente crítico ao presidente americano, Donald Trump, o comediante Stephen Colbert, que comanda o Late Show há 15 anos, descobriu que o programa vai acabar em maio do ano que vem. O Jimmy Kimmel Live!, por sua vez, foi suspenso depois de seu apresentador fazer uma piada com a morte do influenciador e apoiador de Trump Charlie Kirk.
Também foi um ano de perdas de personagens simbólicos da televisão nacional. Um dos maiores galãs da dramaturgia brasileira, Francisco Cuoco morreu aos 91 anos, dois meses depois de dizer à Folha, em entrevista, que estava orgulhoso da trajetória e pronto para “tocar o barco”.
A TV brasileira se despediu este ano também de Berta Loran, comediante veterana que atuava desde os anos 1950 e que fez “A Escolinha do Professor Raimundo”, e da atriz Lúcia Alves, de “Irmãos Coragem” e “O Cravo e a Rosa”.