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Música

Vozes urbanas: a cultura das batalhas de rap no Distrito Federal e Entorno

Cenários distintos, mas unidos pela arte. A rima e a resistência nos versos expressam a identidade e os anseios dos jovens no Centro-Oeste

Afonso Ventania

10/01/2025 5h00

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Rafael Vogel (esq) e Mika se enfrentam na batalha do rap em Valparaíso (GO). Crédito: Afonso Ventania

Uma expressão cultural pulsa com energia e criatividade no Distrito Federal e seu Entorno. Em meio ao concreto e ao ritmo frenético, as batalhas de rap (ou de rimas) têm ocupado as praças e outros espaços públicos da capital do país e das principais cidades goianas circunvizinhas. Muito mais que uma competição de rimas, esses eventos representam um dos pilares da cultura hip-hop e se tornaram arenas de resistência, identidade e transformação social para jovens da região.

As batalhas de rap, caracterizadas pelo confronto verbal improvisado entre MCs (Mestres de Cerimônia), têm suas raízes nos guetos e periferias, mas, no DF e no Entorno, conquistam a cada dia mais relevância. Espaços como a Batalha do Museu, na região central de Brasília, e a Batalha da Escada, na Universidade de Brasília (UnB), são apenas alguns dos cenários onde essa cultura se manifesta com força no Plano Piloto. Na região central de Valparaíso, a Batalha Taça de Sangue e a Batalha dos Amigos (acompanhada pela reportagem) são algumas que se destacam. As rimas, no entanto, reverberam em todas as regiões administrativas do DF e nas cidades goianas limítrofes.

Mais que um encontro de talentos, as batalhas de rap funcionam como plataformas de inclusão social e empoderamento. Jovens de todos os gêneros, idades e de diferentes comunidades encontram nesses espaços uma forma de canalizar suas emoções e transformar suas realidades. Seja na rua ou na universidade, para a nova geração, a rima é resistência. Nas cidades mais periféricas, o tom das palavras é mais social. Eles se reúnem para ouvir rimas que falam sobre temas da “quebrada”, tais como: desigualdade, violência, sonhos, amor e superação. Buscam expressar suas vivências, lutas e anseios. “A batalha aqui não é só rima, é vida. A gente fala do que a gente vive, do que a gente sente”, declara o adolescente Rafael Vogel, morador do Valparaíso.

Demonstrando um amplo domínio da língua portuguesa e grande capacidade de rimar, ele explica como se prepara para os embates. “Uso uma rede social para treinar como usar as palavras e rimá-las em determinado tempo. Também uso os conhecimentos do livro A Arte da Guerra para entender o meu adversário. Procuro me manter bem informado sobre o que está acontecendo no Brasil e no mundo e assisto a memes na Internet sobre as notícias atuais”, conta.

Na UnB, um ambiente mais diverso, os temas abordados nas rimas costumam refletir questões ligadas às políticas públicas, raciais, feminismo, economia, história do Brasil, geopolítica e outros que inflamam o debate. “É um lugar de troca e de aprendizado”, destaca um dos jovens que assistia à Batalha da Escada durante a reportagem.

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Jovens na batalha da Escada (UnB). Crédito: Afonso Ventania

Frequentador assíduo da Batalha da Escada, o adolescente, conhecido como Tito, sequer terminou o Ensino Médio e já se acostumou a derrotar os universitários e até adultos com suas rimas bem elaboradas. Articulado, ele explica a ciência por trás do sucesso: “o cenário das batalhas é diverso e eu reservo, pelo menos, de 30 minutos a uma hora diariamente para me preparar. É preciso muito treino e dedicação. Na parte técnica, exercito acústica, ritmo, palavras aleatórias e tempo de reação. E, na parte subjetiva, estudo a cultura do hip-hop, os revolucionários (históricos), o movimento negro no mundo e outros temas para não chegar aqui com argumentos rasos”, ensina.

A recém-formada em Letras na UnB, Débora Alvim, de 25 anos, conheceu a rima há três anos com o intuito de superar a timidez e aprender a se expressar de maneira mais clara e natural. “A batalha de rima fortaleceu minha confiança no meu lugar de fala. Como mulher oriunda da periferia, sou a primeira filha e neta da família a me graduar e a rima me deu a voz para representar e contar a história de onde venho”.

“Aqui também é o lugar onde eu consigo conscientizar mulheres e dar voz àquelas que não têm coragem ou espaço para dizer muitas coisas que eu consigo expressar nas batalhas. Eu construo as minhas rimas também baseadas nas minhas leituras sobre identidade de gênero e em todos os processos que a mulher sofre em razão do machismo”, acrescenta.

A poesia das ruas

No DF e Entorno, as batalhas de rap não são apenas sobre competir: são uma celebração da poesia urbana. Entre uma rima e outra, os MCs pintam retratos das suas vivências e do cotidiano das cidades e periferias, ressignificando espaços que muitas vezes são marginalizados.

A Batalha dos Amigos, no Valparaíso (GO), ocorre quinzenalmente, sempre às quintas-feiras, e são organizadas de forma colaborativa, sem apoio formal, mas com um forte senso de comunidade. A plateia é ativa, formando círculos ao redor dos MCs e participando das disputas, seja com aplausos ou com o tradicional “barulho” feito para demonstrar aprovação. A cena é vibrante, e os versos frequentemente abordam temas como racismo, desemprego e a luta pela dignidade e por direitos sociais.

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Jovens no Valparaíso (GO). Crédito: Afonso Ventania

A Batalha da Escada acontece no Teatro de Arena da UnB, sempre às quartas-feiras, a partir das 18h, e atrai não apenas estudantes, mas também o público de fora da universidade. A diversidade de temas e de participantes torna o evento um reflexo da própria UnB: um espaço plural, onde vozes distintas podem se expressar e encontrar um ponto de diálogo por meio da arte.

Apesar das diferenças de contexto, as batalhas no Entorno e na UnB compartilham a essência do movimento hip-hop: a expressão da realidade e o empoderamento da juventude. Para muitos jovens, esses eventos são uma oportunidade para serem ouvidos e transformarem suas vivências em arte.

O impacto social e cultural

A cultura hip-hop no Centro-Oeste mostra que as batalhas de rap podem ser uma ferramenta poderosa de mudança social. As rimas improvisadas carregam em si um senso de urgência e verdade que poucos estilos musicais conseguem capturar. Trata-se de um movimento cultural que cresce e se fortalece em diferentes cenários, provando que o debate e as palavras podem ser vetores da transformação social.

“O microfone é uma arma poderosa, mas não para machucar e sim para construir”, diz uma aluna do curso de Engenharia da UnB e admiradora da cena das batalhas de rap. Segundo ela, as batalhas têm promovido debates importantes sobre questões de gênero, racismo, sustentabilidade, transtornos de personalidade, depressão, inclusão e de outros assuntos pertinentes à sociedade moderna.

Em um país marcado por desigualdade e pela polarização política, esses espaços dão voz a quem muitas vezes é silenciado, sobretudo aos jovens. Enquanto houver rima, haverá discussão, e enquanto houver discussão, haverá esperança.

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