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Música

Mulher do fim do mundo: A trajetória de Elza Soares

Intitulada como ‘A melhor cantora do milênio’, pela rádio BBC de Londres em 2000, Elza Soares abriu portas para toda uma geração de mulheres

Redação Jornal de Brasília

20/01/2022 18h39

Foto|Reprodução

Por Evellyn Luchetta e Tamires Rodrigues
[email protected]

“A mulher do fim do mundo é uma que não tem medo de enfrentar a vida”. Era essa mensagem e força que Elza Soares expressava através de sua arte. A artista, com infinitas facetas e considerada como ‘A melhor cantora do milênio’, pela rádio BBC de Londres em 2000, faleceu nesta quinta-feira, 20, aos 91 anos, de causas naturais.

Nascida na zona oeste do Rio de Janeiro, na favela de Moça Bonita, conhecida atualmente como Vila Vintém, a artista carrega consigo uma história marcante e com muitos desafios.

Ainda muito nova, Elza foi obrigada a se casar, com exatos 12 anos. Seu marido, Alaúrde Soares, era dez anos mais velho. A união foi arranjada pelo seu pai, ela se tornou mãe um ano depois.

Cinco filhos nasceram deste casamento. Infelizmente, ela e o marido levavam uma vida difícil e financeiramente escassa, duas das crianças morreram de fome, ainda recém-nascidas, sequer chegaram a receber nomes. Elza ainda se tornou viúva aos 21 anos de idade. 

Alaúrde morreu de tuberculose e deixou na mulher marcas de violência doméstica e sexual.

Logo depois, na copa de 62, ela conheceu e se casou com o jogador Garrincha, com quem teve mais dois filhos. Casado na época, ele logo se separou para viver ao seu lado.

“Fui convidada para assistir um treino, lá nos conhecemos. Em seguida fui escolhida para ser madrinha da Copa de 62 e viajei com a seleção para o Chile. Lá consolidamos nosso romance”, relembrou a cantora em entrevista ao Terra, sobre seu romance com o jogador.

Essa união também trouxe para a cantora muita dor e violência. O atleta batia em Elza e tinha sérios problemas com alcoolismo. Elza o definia como ‘o médico e o monstro’, ao citar suas alterações devido ao consumo excessivo de álcool. Garrincha morreu de cirrose, em 83.

Depois de diversas tentativas de fazer com que o marido largasse a bebida, o casamento dos dois chegou ao fim. Com ele, Elza também perdeu um filho, o ‘garrinchinha’, em um acidente de carro.

Apesar dos percalços, a cantora preferia lembrar da relação que manteve com Garrincha com carinho. “Eu sonho muito com o Mané, o amor da minha vida foi ele”, declarou Elza, em entrevista ao programa Conversa com Bial. Além da ternura com que falava da relação, ela fazia questão de se manter independente e destacar sua força.

“Eu nunca gostei de ser mulher de fulano. Eu sou eu. Não era preciso ser mulher do Garrincha para ser a Elza Soares”, disse, na mesma ocasião.

Anos depois, Elza perdeu mais um filho, aos 59 anos, Gilson faleceu de complicações advindas de uma infecção urinária. Ao todo, a artista se despediu de quatro filhos. A dor e o sofrimento que acumulou durante a vida inspiraram diversas canções ao longo de sua carreira.

“Cadê meu celular? Eu vou ligar pro 180, vou entregar teu nome e explicar meu endereço. Aqui você não entra mais, eu digo que não te conheço e jogo água fervendo se você se aventurar”, canta Elza em ‘Maria da Vila Matilde’, canção de seu álbum ‘A Mulher do Fim do Mundo’, lançado em 2016.

Já durante a ditadura militar, Elza foi perseguida pois, na época, ajudou na eleição que levou João Goulart à vice-presidência. Em 1970 teve sua casa metralhada pelo golpe e foi obrigada a se exilar na Itália com Garrincha. Em entrevistas à canais de comunicação, ela dizia que esse foi o pior momento que viveu ao lado do ex-marido.

Sua caminhada, muito distante do glamour e com muitas pedras no caminho não era para ela, no entanto, um fardo a ser carregado. “Eu acredito em Deus, nos meus guias de luz. A resposta para a vida está aqui entre nós. Nunca me revoltei por tudo que me aconteceu. É claro que dói demais, mas todos temos uma missão”, revelou a cantora, em entrevista ao Extra.

Me deixem cantar até o fim

Sua carreira musical teve início em 1953, aos 23 anos, enquanto trabalhava em uma fábrica de sabão. Começou em um programa da rádio Tupi chamado ‘Calouros em Desfile’. Sete anos depois, em 1959 gravou o seu primeiro sucesso ‘Se acaso você chegasse’.

Com uma estrada extensa e prestigiada, a cantora acumula 34 discos lançados. O último, ‘Planeta Fome’, saiu em 2019. Em ‘A Mulher do Fim do Mundo’, Elza clamou para que a deixassem cantar até o fim.

Por esse trabalho, ela recebeu um Grammy Latino e o álbum foi listado entre os dez melhores de 2016 pelo The New York Times.

Apesar de consolidada como uma das maiores cantoras conhecidas, a carreira de Elza passou por problemas na década de 80. Mesmo com esses percalços, conseguiu se reerguer e alavancar novamente sua imagem com novas músicas elogiadas pelos críticos. 

Durante um show em 1999, a artista levou um tombo e precisou passar por algumas cirurgias para correção. Depois disso, começou a se apresentar sempre sentada.

Em suas redes sociais, a equipe da cantora lamentou sua partida. “Elza teve uma vida apoteótica, intensa, que emocionou o mundo com sua voz, sua força e sua determinação. A amada e eterna Elza descansou, mas estará para sempre presente na história da música e em nossos corações”, afirma um trecho da nota.

Nos comentários, fãs e admiradores celebraram sua vida. “Deus voltou ao lar. Deus é mulher. Elza é Deus cantando até o fim!” disse um deles.

Sem dúvida nenhuma, Elza Soares é, eternamente, uma das grandes referências da música brasileira e, assim como clamou, pôde cantar até o fim.

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