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Música

Lobão aposenta discurso político e faz seu melhor show dos últimos anos

Músico, que já havia cantado ‘Dilma Bandida’, fez apresentação de peso e sem citar candidatos no sábado (13)

FolhaPress

15/08/2022 17h28

Foto: Gabriel Cabral/Folhapress

BRUNO CAVALCANTI
SÃO PAULO, SP

Celebrando quatro décadas de carreira fonográfica, desde que despontou no mercado com a edição do LP “Cena de Cinema”, de 1982, Lobão estreou na noite de sábado (13) a turnê “O Magma do Rock”, dividida com uma dupla de músicos The Volcanos. E não seria exagero afirmar que, em pelo menos uma década, este é o melhor show do compositor, que vinha de uma sucessão de espetáculos que tinham como alicerce basicamente seu posicionamento político.

Desde que surgiu na mídia, há 40 anos, como um cantor e compositor capaz de fazer hits com a mesma força poética e radiofônica de seus colegas de geração, Lobão sempre alinhou o barulho de suas polêmicas e brigas com o peso de grandes canções que entraram para o imaginário popular.

O cantor emplacou hits como “Me Chama”, “Rádio Blá”, “Noite e Dia” e “Vida Bandida”, todas desfiladas no roteiro que irmanou sucessos, covers e lados B pouco ouvidos ao longo das últimas duas décadas em que esteve à margem do mercado fonográfico, enquanto brigava com a polícia, com os metaleiros que lhe jogaram latas na segunda edição do Rock in Rio, e com colegas como Caetano Veloso, Chico Buarque e Herbert Vianna.

Os lados B vieram, essencialmente, de álbuns como “Noite”, de 1998, “A Vida é Doce”, de 1999, e “Canções Dentro da Noite Escura”, de 2005, tão bons quanto pouco ouvidos pelo público, que ensaiou um reencontro com o músico em 2007, quando aderiu à série fonográfica “Acústico MTV”. Crítico do formato, o cantor não só queimou a língua como também fez um dos melhores projetos da série, angariando uma indicação ao Grammy Latino.

O cantor sacou temas obscuros como “Sozinha Minha”, “O Samba da Caixa Preta”, “Mais uma Vez” e “A Gente vai se Amar”, com a mesma confiança que tomou para si temas de bandas como Engenheiros do Hawaii, com”Toda Forma de Poder”, Legião Urbana, com “Eu Sei”, e Beatles, ao som de “Help!” Muito desta confiança se deu também pelo fato de o músico, um dos melhores de sua geração, se garantir na guitarra e dar espaço para o som pesado do baixo de Guto Passos e da bateria de Armando Cardoso.

O trio produziu um som sujo de garagem, que valorizou desde temas mais brandos, como “O Trem Azul”, quanto obras interpretadas na inspiração do rock sinfônico, como “Cais”, ambas pérolas do histórico álbum “Clube da Esquina”, de 1972.

O fato é que, ao longo das últimas duas décadas, a música foi ficando em segundo plano na carreira do cantor, que se tornou figura midiática como frasista, ativista e crítico político dos governos de Lula e Dilma Rousseff, ambos do PT, com ataques virulentos que atingiram até colegas como Maria Gadú e Mano Brown.

Seu apoio maciço ao impeachment de Dilma e à candidatura à Presidência da República de Jair Bolsonaro, então do PSL, renderam ao artista um período de quase inércia artística, com shows cancelados e turnês pouco inspiradas. Embora tenha retirado seu apoio ao governo de Jair Bolsonaro logo no primeiro ano, o cantor já era persona non grata no campo da esquerda, e se tornou mal visto pela extrema-direita.

Aos 60 anos de idade e com uma serenidade inédita em suas entrevistas e declarações públicas, o músico subiu ao palco do Teatro Bradesco com um discurso manso e sem ataques diretos a Lula ou a Bolsonaro, que lideram as pesquisas de intenção de voto na corrida presidencial. O cantor guardou o discurso político para transformar “O Rock Errou”, a canção que deu título a seu álbum de 1986, numa espécie de mea culpa, com falas contra o fundamentalismo religioso. Mas parou aí.

Muito diferente do músico que trocou os versos do clássico “Vida Bandida” para “Dilma Bandida”, mas também bem longe do cantor que, durante uma transmissão do programa “Domingão do Faustão”, da Rede Globo, fez campanha para o então candidato Lula quebrando as regras definidas pelo Tribunal Eleitoral.

Ao contrário, Lobão assumiu uma persona então apagada, e que ressurgiu na pandemia durante a produção de seu ótimo projeto “Canções de Quarentena”: o de grande músico. No palco do Teatro Bradesco, Lobão não apenas mostrou que sua voz ganhou novo viço ao interpretar clássicos como “Revanche”, em homenagem à amiga Elza Soares, como voltou a se comprovar um dos melhores músicos do país ao emular, munido apenas de uma viola elétrica, uma sinfonia rock-caipira ao som de “Disparada”, em alusão ao som tropicalista dos Mutantes.

Do número de abertura, “Canos Silenciosos”, ao encerramento antes do BIS, ao som de “Rádio Blá”, o músico acenou para o público, mostrando que não se privaria de usar de seu arsenal de hits. E assim foi, desde os sucessos populares, como Decadenve Avéc Elegance”, “Vou te Levar” e “Por Tudo o que For”, até títulos conhecidos pelos fãs mais aguerridos, como “El Disdichado II”, “A Queda” e “A Gente vai se Amar”, o músico fez muita gente feliz.

Embora tenha ignorado o repertório de “O Rigor e a Misericórdia”, um de seus melhores álbuns, lançado em 2016, o cantor ainda revirou o baú para buscar “Das Tripas Coração”, “O Jogo não Valeu” e “Ronaldo foi pra Guerra”, mas nada teve tanto efeito quanto a infalível “Corações Psicodélicos”, que provou que seu arsenal continua infalível, o que não o redime de interpretações mais banais, como a de “O Tempo não Para”.

Com “O Magma do Rock”, Lobão mostrou que ainda é capaz de se mostrar um dos nomes mais importantes do rock brasileiro, fazendo jus ao barulho que produz, principalmente quando concentra o discurso político nas canções que sempre falaram por si próprias.

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