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Folhetim "Outro Lugar na Solidão"

Vamos pra Vídeo Chamada?

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 7

Redação Jornal de Brasília

09/07/2020 7h22

Por Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci
Especial para o Jornal de Brasília

Giaco acenou para a mãe, que o olhava da janela do gabinete do prefeito, enquanto abria o carro, de longe.

– Nonata, agora é a vez dela. Pode acabar o mundo, mas vou falar… Como pude enviar aquele vídeo mórbido? Meu Deus, isso é coisa que se compartilhe ao se conhecer alguém? E… como não se bastasse, Giaco, você disse alô e deixou aquela deusa esperando, sem sequer enviar um “desculpe, emergência”, todo médico entende!

Murmurando estas frases, Giaco dirigia ansioso e procurava um lugar para estacionar onde pudesse ter um pouco de privacidade. Entrou em uma rua pequena, estacionou, sacou o celular e ligou. Sentia-se meio sôfrego, e por ouvir o pulsar de seu coração com os toques da chamada, riu de si mesmo.

– Não, Giaco, esta taquicardia não é uma cardiopatia. Agora, se você deixar a Nonata escapulir, aí sim, será o caso de um desfibrilador implantável, dizia o médico a si mesmo.

– Alô?

– Nonata, querida?!

– Ele me chamou de querida! Pensou Nonata, fechando o consultório, enquanto modulava a voz para não evidenciar que sabia quem era.

– Me desculpa, por favor!

– Que isso… imagina, Giaco. Vida de médico, eu sei como é. Eu vi o vídeo…

– Não… desculpa. Isso não era jeito de fazer contato. Sabe, eu adorei ter te conhecido. É que a chegada da covid-19 aqui na minha cidade foi que nem avalanche, continuou ele, enquanto enviava um pedido para que ela transformasse a ligação em vídeo chamada.

Do outro lado, Nonata, depois de se ajeitar minimamente em seu espelhinho de bolsa, aceitou alterar para vídeo.

– Oi! A conexão pirou um pouco. Disse Nonata sorridente, fixando os fones nos ouvidos.

– É. Aqui também. Se cair, a gente tenta de novo, sem vídeo, tá? É que eu precisava te ver, gosto de olhar teu rosto. Quero te pedir desculpas pelo tratamento. Não vou te entulhar com informações do corona, das loucuras da política, nada disso. É sério!

Giaco respirou fundo e continuou:

– Eu não sou mais jovem… há tempos não sinto o que senti quando te conheci. Quero te ver de novo. É isso, sem delongas, que eu tenho mais tempo de vida para trás do que para frente.

– UAU! Disse Nonata para dentro. Eu também, respondeu ela, admirada pelas pequenas duas palavras que saíram de sua boca por si mesmas, sem passarem pelo crivo da adulta que não sabia bem o que fazer com o mundo que já havia dado por encerrado.

– Bom… Disse Giaco abrindo um sorriso gostoso, já é um bom começo!

– Já é um bom começo, completou ela, silenciando a conversa.

Não, melhor, conversando com o olhar que atravessou a tela, viajou com as ondas eletromagnéticas e, abraçou o amado.

O som do alto-falante quebrou o momento. Nonata apressou-se:

– Atenção Doutora Nonata, paciente com descolamento de placenta a caminho do centro cirúrgico.

– Estou chegando, respondeu Nonata, incrédula.

Giacomo, experiente, tranquilizou-a:

– A gente se fala de novo hoje à noite… Boa sorte! Eu sei que a futura mamãe está em excelentes mãos.

– Beijo, respondeu Nonata, que desligou e correu para a sala de parto.

Giaco ficou quieto, abrindo sorrisos internos:

Que coisa louca é a vida, pensava. A Chiara se foi há pouco tempo, mas parece que já faz um tempão. A gente pensa que está velho… e está, né?! Mas… Nem tanto!

Cenas e mais cenas deslizaram em sua mente: Chiara no vestido de noiva, acampamentos de família – com mosquitos – à beira do Araguaia:

– Parece que foi ontem!

Imagens do filme de sua vida passaram como uma flecha lenta. As da partida de Chiara, ele fez questão de pular ligando o carro.

– Foco no meu mundo de médico, porque este é o único que eu posso melhorar, pensou o Dr. Giacomo, enquanto seguia a certa velocidade para o trabalho. Só não pôde frear as preocupações. Nunca pôde. O hospital e a lama política o esperavam. O que fazer quando faltarem as máscaras, os EPIs? Aposto que vai faltar no pico de contágio, pensava ele, e a imagem do querido pai, lhe veio à mente. Sempre soube do seu lado sombrio. Mas, agora, a coisa estava descarrilhando:

– Será que ele é tarado assim com dinheiro, porque veio da Itália com uma mão na frente e outra atrás? Vai saber…

Além da parte debaixo do iceberg familiar, outra coisa o incomodava: como lidar com Suzana? Não devia ter cedido à pressão da mãe em concordar que ela trabalhasse em sua equipe. Os nós políticos, a corrupção, o nepotismo, o toma lá dá cá… isso sim era uma pandemia secular e ele sabia muito bem que nada poderia fazer contra. No caso de Suzana, havia além do poder familiar, uma obsessão por ele, desde sempre. O embaraço pessoal-profissional estava dado. Suzana era uma grande amiga de sua mãe, além de excelente profissional, daquelas que carrega o piano. Raras vezes Giaco testemunhou tanta habilidade e eficiência em gerir crises administrativas. Isso tudo sem deixar de reforçar o clichê feminino decalcado nas sociedades machistas, a coisa da doçura e fragilidade no limiar da sensualidade inocente.

– Só na sua frente. Diziam as más línguas. Porque longe da sua visão entra em cena a Margaret Thatcher tupiniquim, que faz o povo tremer!

CONTINUA NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA

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