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Folhetim "Outro Lugar na Solidão"

SS

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 14

Redação Jornal de Brasília

04/08/2020 12h31

Por Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci
Especial para o Jornal de Brasília

Layla ligou para a nora, voz mansa:

– Oi, Chiara! Vamos jantar juntas? Sua companhia é agradável. Será um prazer dividir um vinho contigo.

– Precisamos conversar, mesmo! Pode me esperar.

Layla desistiu do salão. Chamou um táxi. Adiantou os detalhes com seu Chef de cozinha:

– Quero um jantar requintado, carnes nobres e o melhor vinho de nossa adega.

9h. Dona Layla recebeu Chiara sorrindo e empunhando duas taças de fino cristal. Brindaram.

Chiara não reconhecia sua adicção, pegou trêmula o recipiente e bebeu. Sua consciência latejava e a questionava desde as 2h da tarde: Jamil era pai de Giaco?

Layla não deu chances para o debate e, dissimuladamente, falou de arquitetura, viagens, bons vinhos. A cada novo tema, enchia a taça de Chiara.

Quando a nora entrou no assunto que a consumia, o plano já estava traçado na cabeça da sogra: Seu segredo jamais seria revelado, e as ordens já haviam sido dadas a Jamil por mensagens:

“Pegue seu carro preto e seja discreto. Vou fazer ‘essazinha’ sair daqui trocando as pernas de tão bêbada. Siga-a. Dê seu jeito!”

Chiara, embriagada , encorajou-se e fez as perguntas que não queriam se calar:

– Você e o Jamil são amantes? Giaco é filho dele? Como você pôde fazer isso?

– Chega! ordenou Layla

– Agora não é um bom momento para falarmos. Amanhã, com calma, te responderei o que quiser.

Enfurecida, Chiara tomou o último gole, pegou a bolsa e mirou Layla, dizendo:

– Isso não ficará assim! Vou ao hospital ter com Giaco. Essa sujeira acaba hoje, de um jeito ou de outro.

Cínica, Layla respondeu:

– Acaba sim, de um jeito ou de outro.

Chiara caminhou, trôpega, pelo jardim. Antes de alcançar seu carro prateado ligou para o marido, que não atendeu. Então, ela deixou um recado na secretária eletrônica:

– Oi. Preciso falar contigo. É urgente!

Saiu da casa, pegou uma avenida deserta. Observou um veículo que a acompanhava, de perto, na mesma faixa. Era um Opala SS preto com vidros escuros, por isso Chiara não viu seu condutor.

No primeiro cruzamento, assustou-se. Sentiu-se empurrada. Olhou pelo retrovisor. Um par de faróis redondos estavam encostados em sua traseira.

Com medo de um sequestro relâmpago, arrancou. Deixou o sinal vermelho para trás. Mas, não sua companhia.

Acelerava e ouvia um ronco furioso. Sentia a vibração na cabine, no painel. Decidiu pegar a rodovia. Acreditou que em uma estrada mais aberta o motor V6 do SUV a salvaria. 120km/h. Um erro de cálculo a fez ocupar o mesmo espaço do pilar central do viaduto. Uma batida seca. Fatal.

Jamil seguiu veloz. Três minutos depois, encostou o carro na garagem, fechou o portão, deu uma olhada rápida procurando alguma avaria e cobriu o SS com uma lona, sem ver que o cromado do para-choque de ferro do Opala havia se fundido com a tinta prata do carro de Chiara.

Jogada à própria sorte na estrada, colada ao concreto frio, Chiara respirou pela última vez, afogada no próprio sangue.

O telefone de Layla rompeu o silêncio da madrugada:

– Mãe, sou eu, Giaco, aconteceu uma desgraça!

– O que houve?

– Chiara me mandou uma mensagem estranha e agora o carro dela está destruído. Ela está morta!

Em dez minutos, Layla desceu de um táxi no local do acidente. Giaco chorava, sentado na calçada, em choque.

A mãe abraçou o filho e, calculista, diante de tamanho desterro, observou a cena do acidente pensando:

– Parece que ninguém viu nada.

Nesse momento, aproximou-se um jovem bem vestido:

– Boa noite, sou o delegado João Victor Cravin, responsável pelo caso. Posso fazer umas perguntas pra senhora?

– Claro. Layla concordou, com boca árida.

– A vítima estava em sua casa antes do acidente?

– Sim, jantamos juntas, bebemos um pouco de vinho. Aliás, eu bebi um pouco das quase três garrafas que Chiara consumiu. Mas também, um vinho tão bom pra quem gostava de beber como ela não foi sacrifício nenhum, né?!

Com um olhar, Giaco reprovou o veneno emanado pelo comentário de sua mãe.

JVC, como era conhecido, chamou Ricardo Xavier, um policial que aparentava ser mais velho, e disse:

– Xavier, por favor, peça um exame de alcoolemia da vítima.

Xavier tirou um caderninho de anotações do bolso da jaqueta e se aproximou do rabecão. Antes de falar com os peritos, observou que os rastros de pneus aparentavam ser bem mais largos que os do carro esmagado no pilar. Discreto, anotou.

Ele viu quando o legista puxou o braço de Chiara para fora da urna e enfiou uma agulha perto de um discreto coração, em formato de “G”, que ela tinha tatuado. Afastou-se e ligou a lanterna para olhar uma lâmina metálica colada no para-choque do SUV, que estava sendo preparado para o reboque. Recolheu o metal, o colocou em um envelope. Entrou na viatura. Sacou o bloco do bolso e o preencheu novamente.

No dia seguinte, Giaco fez um discurso no funeral de Chiara. Um lamento pessoal sobre saudade e medo da solidão que terminou assim:

– Estou fadado a envelhecer sozinho. Perdi uma mulher incrível, não me despedi, só pensei em trabalho e não dei o valor e o carinho que ela sempre mereceu. É muito triste chegar ao fim da vida sem uma esperança para amar e ser amado. Minha felicidade se foi, para sempre.

CONTINUA NA QUINTA-FEIRA

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