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Folhetim "Outro Lugar na Solidão"

Quem semeia vento…

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 18

Redação Jornal de Brasília

18/08/2020 8h41

Quem semeia vento…

Quem semeia vento…

Por Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci
Especial para o Jornal de Brasília

O pequeno avião pousa no aeroporto improvisado. Ao perceber a febre, o prefeito – temendo que não lhe deixassem embarcar no voo comercial – fretou um monomotor e partiu cheio de dúvidas. Pela primeira vez aquela suposta gripe sem importância lhe causou medo.

Uma ambulância vai ao encontro da aeronave. O pai não havia pedido isso, mas por ter a idade avançada, todo e qualquer incômodo merecia cuidado. Em tempos de covid-19, então….

Ao descer e ir ao encontro do filho, o ar já não visita mais os pulmões dele como antes. Um turbilhão de pensamentos invade a mente do prefeito: “E se tiver chegado minha hora? E se eu tiver que ficar só num quarto de hospital e não puder nem me despedir? Que bom que Deus me deu esse filho, minha maior e melhor realização”.

Giacomo Modena é internado. O teste rápido acusa a presença do temido vírus e os sintomas estão todos lá. Faltam respiradores. Falta tudo. Não há tempo a perder. O pai começa a colher, da pior forma, o que plantou com o descaso, os números, estatísticas suspeitas e esquemas fraudulentos. A cor do rosto dele já não é mais a mesma…

O destino age. Uma pessoa morre. Um respirador é liberado. O prefeito é entubado. Giaco coordena a equipe, o tempo é precioso. Apesar de todas as falhas, aquele homem naquela cama foi quem o ensinou a andar. Ele não pode sair da estrada agora. Agora, não!

– Olá, gostaria de ver o Dr. Giacomo! Diga que é a Dra. Nonata, afirma a determinada médica mostrando sua Cédula de Identidade Médica, com as mãos suando de ansiedade, à entrada do hospital.

Suzana está perto dela, conversando com os familiares de quem há minutos atrás tentava vencer o coronavírus, mas não deixou de ouvir “Dr. Giacomo” e “Dra. Nonata”, vindo da boca daquela estranha, que não dá para negar que é bonita, apesar das unhas malfeitas. Ela tem um ar de estudo e jeito de quem não cuida da aparência, ou seja, uma típica profissional de saúde em tempos de pandemia.

– A melhor forma de saber como lidar com uma rival é ficar perto dela e descobrir pontos fracos, disse Suzana a si mesma, espumando de ciúmes. Afinal, o que aquela ali veio fazer no hospital? Giaco merecia coisa melhor, pensava ela.

– Oi, segurança, pode deixar que eu resolvo. Olá, sou Suzana, enfermeira-chefe do hospital e um das auxiliares mais próximas do Dr. Giacomo. Venha comigo. Não sei se ele conseguirá conversar com você, afinal, estamos com todos os leitos ocupados, a situação está insustentável…

– Olá, Suzana. Agradeço pela ajuda. Sei bem como é. Estamos assim por toda a parte. Mesmo se ele estiver ocupado, vou tentar pelo menos que ele me veja. Já será o suficiente para mim. Sei que ele vai gostar, respondeu Nonata notando, e não gostando, da beleza de Suzana.

– Claro, doutora, sem problemas. De repente, acaba até nos ajudando em algo… Todo apoio é sempre bem-vindo e nosso amado Dr. Giacomo merece, rebateu Suzana, com um sorriso malicioso no rosto. O páreo não seria fácil…

Andam em silêncio pelos caóticos corredores, cada uma analisando a outra, tentando aparentar que se incomodam com o que vai surgindo, mas que já se tornou rotina: Aqui e ali, macas improvisadas, gente sendo atendida fora dos quartos, rostos marcados pelo cansaço e pelas tiras das máscaras com muita horas de uso.

– Engraçado, o Dr. Giacomo não me falou nada em reunião profissional com a Sra., hoje no hospital, pelo menos não vi nada na agenda dele, se tivesse eu saberia, comentou Suzana, para ver a reação da adversária.

– Deve ter se esquecido. Como você mesma disse, está uma loucura dentro dos hospitais, replicou Nonata, sem se incomodar com aquele inquérito, que apesar de normal, começava a lhe incomodar. Aquela enfermeira parecia ter mais intimidade com Giaco do que ela gostaria de admitir…

– Ah, o pai do Dr. Giacomo está muito mal na UTI, estão todos tensos com essa situação. É para lá que vamos, revela Suzana.

– Meu Deus, que situação! Acho que cheguei na hora certa. De repente, poderei mesmo ajudar, respondeu Nonata, já com um pressentimento ruim.

Ambas se aproximam da UTI. Param e são surpreendidas com Giaco desesperado.

– Hora do óbito: 10h20. Toda a equipe ao redor, penalizada a assistir o grande médico ser derrotado pelo vírus. Na luta pela vida, nem sempre se vence. Um profissional de medicina é movido pela busca de manter o ritmo da vida, mas por mais que seja preparado, a perda de um paciente é sempre um duro golpe. Traz uma inevitável sensação de impotência. Ainda mais se for um familiar mais próximo… Giaco sabia que não deveria ser ele a cuidar do genitor, o ideal era que fosse outro médico, mas ninguém conseguiu afastá-lo. Ele fez de tudo, mas os pulmões já estavam muito comprometidos. Os anos de fumante do pai também contribuíram para a derrota que naquele leito se consolidava.

Impávidas, Nonata e Suzana a tudo assistiam. Não havia palavras para serem ditas. Ambas choram com a cena. Uma percebe o choro da outra…

– Tchau, pai. Meu herói, meu vilão favorito. Sua teimosia lhe tirou de mim….

Arrasado, Giaco, avista Nonata e vai ao seu encontro. O abraço acontece naturalmente com o acrílico do protetor facial de um chocando-se com o do outro. Perplexa, Suzana a tudo assiste sem nada poder fazer…

CONTINUA NA QUINTA-FEIRA

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