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Folhetim "Outro Lugar na Solidão"

O pilar central

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 15

Redação Jornal de Brasília

06/08/2020 7h49

Por Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci
Especial para o Jornal de Brasília

Giaco passou pelo pilar. Curioso isto, naquela manhã. Desde a morte de Chiara, ele se recusava a passar por aquele caminho. A memória do carro destruído, o corpo ensanguentado, o recado no celular, o luto. Como um poço, tudo aquilo foi encapsulado no avesso de sua mente. Evitar aquele lugar era condição indispensável para que a repressão do vivido fosse completa. Desse a volta que desse, por toda a cidade, mas por lá, não! Agora, lá estava ele, passando pelo pilar central, sentindo imediatamente seu corpo soar o alarme: taquicardia, boca seca, respiração curta, suores frios.

Uma raiva o fez iniciar um monólogo:

– O que você está fazendo aqui? Quer explodir de vez, seu louco?

Trêmulo, dirigiu até o acostamento, ligou o pisca-alerta, desligou o motor e fechou os olhos. Começou a fazer exercícios de respiração, acalmando-se. Um furacão de cenas o invadiu, fazendo brotar lágrimas no homem construído para ser o amparo dos outros. Inesperadamente, ele se permitiu destrancar represas. Pensou:

– Cara, você está à beira de um “burnt out”! Não sai daquele hospital, não dorme, não come. Está querendo ir ao encontro de Chiara?

Um rosto apareceu diante dele: Nonata! Surpreso, freou seus pensamentos. Era em Chiara que deveria pensar… Limpou o suor do rosto, pegou o celular, procurando as mensagens dela.

– Caramba… ela enviou um monte de mensagens, e você nem respondeu!

Deu partida no carro, e rumou para o aeroporto. No trajeto, ligou para Téo:

– Já está no hospital?

– Acabei de chegar, Giaco. Algo novo no plantão?

– Além do caos nosso de cada dia? Não. Tem outra coisa que quero te dizer!

– Pode falar.

– Téo, estou indo para o aeroporto. Vou ver a Nonata, custe o que custar.

– UAU!

– Vai ser um bate e volta. Sabe, estou precisando…

– Giaco, não se justifique! De jeito nenhum!!! Nunca vi um médico tão dedicado, até demais, se me permite ser franco. Parece que o Dr. Giaco substituiu o homem. Entende? O que digo pro pessoal? Você sabe, se não voltar a tempo, vão pensar que está com covid!

– Não se preocupe.

– Preocupado? Estou feliz por você. Eu reparei como você espichava o olho para ela no congresso. Pode ir que eu seguro a barra.

Giaco desembarcou do avião, revigorado pelo cochilo durante o voo. Andando a passos rápidos e trocando a máscara, ele entrou no táxi, dando o endereço do hospital de Nonata.

– Tem muito trânsito até lá?

– Uma meia hora.

– Posso lhe dar algumas máscaras de presente? Sabe como é… sou médico, não perco a mania!

– Ô, doutor. Obrigada! A grana tá curta. Ainda não consegui botar a barreira de acrílico.

– Deixo-as aqui, no banco de trás.

Giaco pensou em Nonata:

– Agora é tudo ou nada, Giaco. Ou ela me descarta de vez… ou gosta de vez!!!

Digitou uma mensagem:

– Bom dia, Nonata. Enviei algo para o seu trabalho. Será entregue em meia hora. Poderia ir para a porta principal?

– Giaco! Que surpresa boa. Estou em casa hoje. Mas, sem problemas, moro na esquina. Vou para lá.

– Isso é que é gostar de ser médica!!!

– Quando se mora em cidade grande, qualquer minuto conta!!!

Giaco tirou a máscara, e desceu do táxi sem prestar atenção nos barulhos urbanos, sirenes e buzinas. O esmurrar de seu coração o fazia sentir que tomara a decisão certa. Olhava a hora quando ouviu:

– Giaco?

Ele se virou, viu Nonata e seu sorriso acolhedor.

– Oi. Eu vim…

Uma enfermeira apressada para seu turno viu sua chefe e falou:

– Doutora, mas nem na folga a senhora se afasta daqui???

Ela acenou de volta, fazendo cara de sem graça. Encarou Giaco:

– Vamos para um lugar mais calmo?

Nonata abriu a porta de sua casa.

Os dois entraram em um pequeno apartamento, abarrotado de livros de medicina, até sobre a mesa e o sofá. Peças e tapetes étnicos davam charme ao lugar.

– Depois que enviuvei, trabalhei em vários lugares, assistência em terremotos, inundações. Gostei da vida itinerante, tenho pouco.

Mantendo distância, Giaco mirou seus olhos:

– Nonata, este é o pior momento para um encontro. É claro que eu faço testes com frequência, sempre negativos, tomo todos os cuidados…

– Eu também…

– No meio dessa loucura, algumas coisas ficaram claras. Parece óbvio… mas esse caos suga até o óbvio!

– Que é…

– O que começou naquele dia, no congresso. Não quero quebrar aquela magia, se é que já não…

Com delicadeza de pluma, ela se aproximou e deslizou suas mãos pelos braços de Giaco.

Silêncio. Respirações. Olhares.

– Giaco. Está tudo certo. Não fosse sermos médicos, e sabermos de cor as recomendações de sexo seguro na pandemia, eu já teria voado em seu pescoço. Imagino que você também!

Ambos riram.

– E banho? Banho pode, Nonata. O sal de ácido graxo mata…

– Ah… médicos e jargões…

Riram novamente.

Ligando apenas as arandelas junto ao armário de espelho, ela começou a encher a banheira. Acionou a playlist, que começava com The man I love, de Billie Holliday e foi buscar um drink.

Giaco observava Nonata e pensava:

– Já perdi uma mulher incrível. Não vou perder esta chance de felicidade agora!

Voltou da cozinha com duas taças e um bom vinho.

Enquanto ela se despia, não sem certo pudor, Giaco acariciou suas costas:

– Não quero mais me separar de você por muito tempo.

– Nem eu.

CONTINUA NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA

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