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Folhetim "Outro Lugar na Solidão"

Fora do programa

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 17

Redação Jornal de Brasília

13/08/2020 8h11

Atualizada 12/08/2020 21h17

Por Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci
Especial para o Jornal de Brasília

A porta abriu com o girar da chave. Giaco entrou cansado. A suite espaçosa o esperava. Os pais já dormiam. Deitou-se na cama com roupa e tudo. Sentia-se um estranho naquele recinto. A vida parece perder o sentido longe das macas, dos sorrisos e lágrimas de um hospital.

Olhou para o teto e imagens de sua vida desfilaram como num sonho de olhos abertos. O dia que pediu ao pai um kit médico para brincar. O pai sempre correndo, sempre sem tempo, mas sempre lá, a ligação entre eles era única. As conversas na mesa da cozinha, descascando laranjas, tomando um café, são inesquecíveis.

O mosaico de imagens continuava seu cortejo. O primeiro jaleco. A primeira vida que salvou e assim descobriu seu propósito. O primeiro paciente que morreu. O casamento com uma mulher de fora de seu meio profissional. Apesar disso, Chiara se entranhou nele. A morte dela de forma tão inusitada. O pai que parou tudo e ficou com ele. Os problemas trazidos pela covid-19 e as estranhas medidas do prefeito. O corpo de Nonata que pretende ir, muito em breve, visitá-lo na cidade em que vive…

Já de manhã, Giaco acorda com o barulho do celular acusando o recebimento de mensagens. Levanta-se abruptamente, vê uma mensagem carinhosa de Nonata e notícias do Dr. Téo Silva sobre aumento de mortes por covid e de mais desmandos do prefeito, que apareceu de surpresa no hospital.

– Prefeito, pode me dar um minutinho? Pergunta Suzana querendo aproveitar a oportunidade para testá-lo.

– Depois, depois, estou com a imprensa lá fora, precisamos mostrar que essa gripezinha está sob controle. Além disso, embarco mais tarde para Brasília, participarei de uma reunião de prefeitos, respondeu o alcaide, que esconde um desconforto ao respirar.

– Ah, avise meu filho que eles também realizarão um fórum de secretários de saúde. Pressionaremos o Congresso e o governo federal a liberar mais recursos para nós. Preciso mandar o Afonso Chess e um médico. A reunião será amanhã, disse Giacomo Modena.

Suzana manda uma mensagem a Giaco. Ele responde dizendo que não tem como viajar e que ela avise ao Téo Silva para acompanhar o Chess.

– Oi, prefeito, o Dr. Téo vai me acompanhar, Giaco não pôde vir, explica Chess ao encontrar o prefeito no aeroporto.

O prefeito não dá muita atenção. Está preocupado em contratar uma garota de programa de luxo, da mesma agência que usa todas as vezes que vai a Brasília.

– Sei, mas quanto? Ok! Isso, serviço completo como sempre! Vou ficar no apartamento da moça! Beleza! O prefeito finaliza, ansioso, a ligação.

Já no voo, Chess que sempre simpatizou com Téo, e que já havia conversado algumas vezes com ele sobre possíveis irregularidades da prefeitura, resolve arriscar:

– Téo, como sei que estudaste na UnB e que tens amigos na área de saúde, que tal juntarmos forças e checarmos as compras irregulares, e outras ações do prefeito que é suspeito de esquemas de subnotificação e manipulação de dados? Creio que ainda há tempo de fazer algo…

– Puxa, Chess, eu ia te propor o mesmo! Já me antecipei e falei com alguns colegas que, coincidentemente, trabalham em uma ONG que quer negociar com o prefeito. Acho que vamos descobrir muita coisa, revelou o jovem médico.

À saída do portão de embarque, uma loura belíssima espera pelo prefeito com uma placa “Dr. Giacomo Modena”. Chess e Téo assistem a tudo sem demonstrar surpresa…

– Dr. Modena, tudo bem? Fez boa viagem? Sou Stephanie. Qual nosso itinerário? Pergunta, com um sorriso malicioso, a contratada da vez.

– Stephanie. Lindo nome, te cai bem. Você vai me acompanhar. Terei agenda com colegas prefeitos, em alguns ministérios, com uma ONG e, depois, vou ficar contigo. Vamos? Dispara Giacomo Modena, com a cara de um garoto que adquiriu um carrinho novo.

Pegando um táxi, Chess e Téo embalam uma conversa animada. O taxista não olha para Téo, prefere só se dirigir a Chess. Téo percebe e não perde a oportunidade:

– Sou de família pobre do DF. Entrei na UnB por cotas. Fui o único negro de minha turma de formatura. Quando digo que sou médico, muitos riem. Alguns preferem nem me dirigir a fala. As mortes de George Floyd e de João Pedro apenas mostram o que vivemos desde sempre. O racismo se mostra nos lugares que menos se espera, fala encarando o taxista, incomodado a essa hora.

Mais tarde, o prefeito é levado à casa de Stephanie. Um início de febre começa a perturbá-lo. A noite passa entre prazeres e incômodos que se intensificam. De madrugada, Stephanie começa a tossir…

Pela manhã, Stephanie visivelmente abatida deixa Giacomo no aeroporto. O prefeito embarca. Cumprimenta Chess e Téo, que o encaram com um olhar de recriminação, afinal, descobriram mais do que esperavam… Ele senta-se, e como o desconforto aumenta, manda rápido um torpedo para Giaco:

– Filho, tive uma noite difícil, estou respirando com dificuldade, talvez uma gripezinha pode ter me pego. Podes me buscar no aeroporto?

Giaco, no hospital, recebe preocupado a mensagem do pai. E antes que possa fazer algo, recebe outra mensagem:

– Oi, chego amanhã. Tem uma banheira disponível para mim? Nonata.

CONTINUA NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA

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