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Folhetim "Outro Lugar na Solidão"

A hora do encontro é também despedida

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 19

Redação Jornal de Brasília

20/08/2020 10h10

Por Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci
Especial para o Jornal de Brasília

O abraço entre Giaco e Nonata parecia não ter fim. Nem o “face shield” freou o beijo, nem os macacões de proteção impediram o encontro dos corpos. O que acabou naquele instante foram os sonhos de Suzana. Impressionante como anos de ilusões podem terminar repentinamente. Ela sentia isso em seu corpo. Era como se um raio a tivesse fulminado. O coração se comprimiu, ela pensou que fosse implodir, seu corpo se paralisou por completo, nem um passo conseguiu acontecer.

Téo acabara de entrar na UTI. Certas notícias viajam na velocidade da luz, e ele veio correndo, acudir o amigo. Vendo a cena do abraço e percebendo o estado emocional de Suzana, Téo foi até ela e ficou um pouco ao seu lado. Depois, passando o braço pelas costas da enfermeira e segurando seu ombro, ele a trouxe um pouco mais para perto de si. Suzana sentiu sua intenção e se deixou aconchegar. Discretamente, ele falou algo em seu ouvido:

– Su, vamos pro meu consultório? Lá você não precisa fazer tanto esforço pra ser forte.

Suzana mirou Téo com um olhar de profunda tristeza, como se fosse ela a sofrer o golpe da morte de um ser amado.

Mal entraram no consultório, ela se desmanchou como um castelo de cartas. Téo a abraçou. O que começou como um choro discreto, logo desaguou em cascatas.

– Chore muito, mas muito mesmo, Suzana. Acho que há anos você precisa fazer isso.

– Eu quis esse homem a vida toda! Fiz tudo por ele!!!

Téo manteve silêncio. Ele a segurava em seus braços com a força de quem segura uma pessoa resgatada de um desastre, sem forças para ficar em pé. Ele deixou passar um bom tempo até que ela se acalmasse e pudesse ouvir.

– Desculpe, Su, mas não posso deixar passar. Não seria seu amigo. O Giaco sempre foi honesto contigo, nunca te deu qualquer abertura nem te usou nos momentos de carência. Você é que não quis entender. Se você der conta de ser honesta com você mesma, aí sim, a maçaneta da porta de saída dessa história estará nas suas mãos!

– Eu sei… É que eu achava que…

– Que tal “desachar”? Você merece viver, amar e ser amada. Agora eu vou te contar uma coisa inusitada: existem outros homens no mundo! É… Pasme!

Suzana deu um risinho, lavou o rosto e retomou o trabalho.

Téo também, agora com a memória do corpo de Suzana em seus braços, seu perfume de lírios brancos, a suavidade da pele em seus lábios, depois do discreto beijo na face ao se despedirem.

À noite, ligou para o amigo, perguntando como tinha sido o enterro do prefeito em tempos de covid-19.

– Estéril. Só fomos nós, minha mãe e eu, vestidos de astronautas e distantes do caixão. Eu exigi assim. Quando a pandemia acabar, a gente faz algo digno. É o desejo de minha mãe. Eu, por mim, não faria mais nada. De qualquer forma, né, Téo, as despedidas acontecem no coração da gente. Agora, dona Layla, você já deve imaginar, não vai perder a oportunidade de ser carpideira em grande estilo, com vestido de luto, óculos escuros, tudo combinando, de marca… Lá estou eu te alugando de novo, desculpe!

– Ô Giaco, assim você me ofende! A gente é amigo! Eu também já perdi meu pai. Sei como está se sentindo! Você é que não sabe, mas quando eu era estudante, trabalhei em um serviço de

atendimento ao cliente. Sou um excelente ouvinte!

Giaco deu um risinho.

– Téo, o hospital não seria a mesma coisa sem a sua energia, esse otimismo contagiante…

– Quando eu era pequeno, em Tamarindos, só ouvia coisas depreciativas, do tipo:

– O quê? Quer ser médico? Se enxerga, negrinho. Vai ser é auxiliar de pedreiro que tá bom! Só ouvia coisas assim. Quem me encorajou o tempo todo foi a minha mãe. Ela era de um otimismo, era um rochedo! Eu embarquei na dela. Passei no vestibular, ouvi coisas horríveis, por ser de cotas, mas segui adiante.

– Acho que você é que virou um rochedo, Téo.

–Tenho meus altos e baixos. Mas, sigo em frente. A memória dela é uma espécie de amuleto para tempos de crise.

– É, Téo, a vida é assim: altos e baixos. Te confesso que a morte do meu pai me deu um tranco maior do que eu podia ter imaginado. Você sabe das minhas diferenças com ele, o mundo da política… A gente discutia muito. Agora, só tenho a imagem dele na UTI, o enterro… Parece que só restou saudade, saudade de tempos que ficaram na infância, quando ele era apenas meu pai – não o prefeito – e eu, apenas seu filho, não o médico brigão pelo sistema de saúde público.

– Pelo menos você tem essas lembranças. Eu perdi meu pai quando era moleque. Apendicite supurada com peritonite mal diagnosticada, é mole?

– Caramba, Téo! Como vocês deram conta?

– Aceitando a vida como ela é, sem perder o rumo, que no nosso caso sempre foi ficarmos unidos e sair da pobreza. Nossa mãe foi o norte. Cara, conversando agora é que ficou escancarado o tamanho da saudade do pessoal. Eu não visito a família por causa do isolamento social e desses plantões sem fim, né? Minha mãe é do grupo de risco. Assim que puder, vou lá, de astronauta, mas vou!

– Agora quem vai procurar meu norte sou eu! Vou tomar um banho e encontrar Nonata. Ela está no hotel me esperando. Téo, valeu, irmão. A gente se fala!

– Tamo juntos!

CONTINUA NA PRÓXIMA TERÇA-FEIRA

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