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Literatura

Figura da ‘feminista estraga-prazeres’ guia livro de Sarah Ahmed que chega ao Brasil

O livro “Viver uma Vida Feminista”, publicado originalmente há cinco anos no Reino Unido, chega ao Brasil agora em edição da Ubu

FolhaPress

20/05/2022 12h18

Atualizada 27/05/2022 16h45

A escritora e pesquisadora Sara Ahmed, autora de ‘Viver uma Vida Feminista’, da Ubu – Divulgação

O que nos leva ao feminismo é o que nos despedaça. Essa é uma das ideias iniciais de Sara Ahmed, escritora anglo-australiana para quem é justamente essa proximidade com o ser que permite que o feminismo ajude as mulheres a se reerguerem, a juntarem os caquinhos, seus pedaços estilhaçados pelo patriarcado.

Autora de “Viver uma Vida Feminista”, livro publicado originalmente há cinco anos no Reino Unido e que chega ao Brasil agora em edição da Ubu, Ahmed quer trazer o feminismo para dentro de casa e, por isso, investiga a relação da sociedade com aquelas que chama de “feministas estraga-prazeres”.

“Se apontar que violência, poder ou injustiça causa infelicidade, feministas estraga-prazeres estão dispostas a causar infelicidade”, resume. Ahmed argumenta que, ao questionar o status quo, o feminismo ganhou uma carga negativa, de ser contrário à felicidade. Logo, se tornar feminista é estragar os prazeres dos outros; é atrapalhar os esforços dos outros.

Sendo assim, a felicidade de uma menina deveria estar relacionada a usar roupas “de menina”, brincar com brinquedos “de menina” e futuramente se casar e construir uma família com um menino -sob a desculpa de que isso tornaria a sua vida mais “fácil”. Mas é só isso que ela pode querer?

“Quando a felicidade se torna o nosso objetivo ou o que temos que causar nas pessoas, passa a ser algo muito restritivo. Às vezes me refiro à ‘alegria de estragar-prazeres’ como uma experiência enérgica que adquirimos quando vivemos uma vida feminista”, comenta.

Foto/Reprodução

Além do feminismo, a acadêmica, filha de um paquistanês muçulmano com uma britânica branca, centra seus estudos em teoria crítica da raça e pós-colonialismo. Na divisão étnica e racial britânica, Ahmed está na categoria “brown”, que engloba também pessoas de diversas ascendências, como os indianos.

Logo nas primeiras páginas do livro, ela divide com o público uma decisão política, a de não usar o trabalho de nenhum homem branco como referência para a pesquisa -ela lembra só um conto macabro dos irmãos Grimm.

“Quando digo homem branco me refiro a uma instituição”, escreve. Seu livro dá protagonismo àqueles e àquelas que contribuíram para a genealogia intelectual do feminismo e do antirracismo. “Minha política de citações me deu mais espaço para me ocupar das feministas que vieram antes mim. A citação é a memória feminista”, afirma.

Em 2022, cinco anos depois da publicação original do livro, a autora se preocupa com a escalada da extrema direita pelo mundo. “No Reino Unido, a supremacia branca e a transfobia fazem parte do mainstream. Liberdade de expressão está sendo usada como ferramenta para legitimar visões que violentam tantas pessoas, negros, imigrantes, queer, pessoas não binárias”, diz.

Ahmed também critica a forma como o feminismo é entendido como algo que o Ocidente deu ao mundo. Isso se manifesta na forma como costumam supor que ela foi influenciada por sua família materna, de origem britânica, branca e cristã, a ser feminista. Na verdade, é graças à sua tia Gulzar Bano, poeta e ativista muçulmana.

“Com ela, aprendi que feminismo é sobre nos abrir para o que podemos ser, feminismo é uma forma de se enxergar e se comprometer a desafiar a violência e a injustiça”, conta. Na universidade, ela se encantou pelas produções de intelectuais negras e de outras identificações étnicas e raciais. “Audre Lorde e Gloria Anzaldúa inflamaram minha imaginação ao unirem poesia e teoria crítica como uma forma de dar sentido às suas vidas e lutas.”

Quando o governo britânico instituiu que centros de pesquisa precisariam contar com profissionais de diversidade, lá estava Sara Ahmed exercendo essa função. No livro, a feminista define o seu trabalho como o de uma “encanadora profissional”. Ela descobria como e onde as coisas ficavam presas. A diferença é que Ahmed não tinha poder para desentupir “canos”. Sua tarefa era tão somente redigir relatórios, deixar um “rastro de papel”.

Em 2016, a falta de pragmatismo diante de assuntos urgentes fez com que ela pedisse demissão da Goldsmiths, da Universidade de Londres. A escritora era diretora do centro de pesquisa feminista da instituição. “Renunciei em protesto contra o fracasso em resolver o problema do assédio sexual”, anunciou em seu blog, chamado Feminist Kill Joys.

Segundo Ahmed, houve inquéritos para investigar alguns casos, mas não houve nenhum reconhecimento público da extensão do problema. À época, a imprensa britânica noticiou que acusações semelhantes foram feitas pela primeira vez nos anos 1990, mas ignoradas pela universidade.

“Quando falo sobre o problema do assédio sexual, não estou falando de um indivíduo desonesto, ou dois, nem mesmo de uma instituição desonesta. Estamos falando sobre como o assédio sexual se torna normalizado e generalizado -como parte da cultura acadêmica”, escreveu.

Agora, como pesquisadora independente, Ahmed continua conversando com profissionais que trabalham com diversidade. A sensação de que estão apenas arranhando a superfície de um problema é um denominador comum, mas ainda assim é algo.

“Podemos mostrar que as organizações não estão fazendo o que dizem que fazem. Podemos usar suas próprias declarações de compromisso para pressionar a fazer mais e melhor”, sugere.

Depois da publicação de “Viver uma Vida Feminista” no Reino Unido, Ahmed se dedicou a uma pesquisa sobre os custos de reclamar -“Complaint!” foi lançado no ano passado no país-, o que a deixou mais otimista. “Podemos dividir os custos da reclamação”, diz. “Podemos apoiar uns aos outros. Podemos nos tornar mais inventivos trabalhando juntos.”

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