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Literatura

Elena Ferrante descreve sua jornada como leitora e escritora

De uma forma clara, Ferrante revela suas principais influências, as lutas da juventude e a formação intelectual

Redação Jornal de Brasília

03/01/2023 9h49

Foto: Reprodução

Não é novidade o fascínio que a escritora italiana Elena Ferrante desperta em uma legião de leitores pelo mundo com sua ficção que apresenta um senso rigoroso de tempo e espaço, sem lugar para nostalgia ou sentimentalismo. Autora de obras como a Tetralogia Napolitana, publicada aqui pela Intrínseca, ela já vendeu milhares de exemplares no planeta. 

Tampouco é recente a notícia de que Elena Ferrante não passa de um pseudônimo de alguém misterioso que prefere o anonimato. Diversas especulações já foram levantadas para revelar sua verdadeira identidade, mas nada foi definido. Mas, ao preferir que a obra supere a persona, ela dá o devido valor à sua escrita, o que torna cada lançamento um fato extraordinário.

É o que acontece agora com a chegada de As Margens e o Ditado, livro que certamente vai testar a fidelidade de seus leitores ao apostar na não ficção – trata-se da reunião de quatro ensaios em que Elena fala sobre a própria jornada como leitora e escritora e oferece um raro olhar sobre as origens de seus caminhos literários. O livro, que tem novamente a chancela da Intrínseca, chega nesta semana às livrarias.

São três palestras e um ensaio. As primeiras têm uma origem pré-pandemia, quando Ferrante foi convidada a escrever três textos que seriam lidos ao público em Bolonha, Itália. A proposta era desafiadora, pois ela poderia tratar de qualquer assunto que pudesse interessar a uma ampla audiência e as matérias deveriam ser escritas para serem transmitidas oralmente A covid, porém, modificou drasticamente a rotina do planeta, obrigando as pessoas a ficar em casa. Com isso, o evento foi logicamente cancelado.

Ferrante, no entanto, já havia escrito os textos, que foram proferidos tardiamente, no fim de 2021, e com a atriz Manuela Mandracchia interpretando o pseudônimo da autora – lembre-se que não se sabe nada sobre ela, nem mesmo se realmente é uma mulher. É por isso que o ensaio, composto para o encerramento da Conferência sobre Dante, também foi lido por outra pessoa, a estudiosa e crítica Tiziana de Rogatis. Ambas apresentações podem ser apreciadas em vídeos na internet.

Influências

As palestras e o ensaio são uma pequena joia. De uma forma clara, Ferrante revela suas principais influências, as lutas da juventude e a formação intelectual. Ponto de partida para atingir o ápice desse livro: sua reflexão sobre como a tradição literária excluiu sistematicamente a voz das mulheres ao longo dos séculos. 

“Eu lia muito, e tudo o que me agradava quase nunca era escrito por mulheres. Das páginas, parecia sair uma voz masculina, e aquela voz me ocupava, eu tentava imitá-la de todas as maneiras”, conta, na palestra A Caneta e a Pena (leia mais no trecho abaixo). A partir daí, Ferrante se recorda da poderosa influência que recebeu de outras autoras (como Virginia Woolf, Emily Dickinson e Gertrude Stein) para propor uma fusão do talento feminino.

Como bem observou Molly Young, no jornal The New York Times, Ferrante concebe o escritor, com um aceno para Virginia Woolf, como uma “pluralidade hipersensível toda concentrada na mão que tem a caneta”, e menos uma entidade corporificada do que uma enxurrada de “pura sensibilidade que se alimenta do alfabeto”.

Essa noção começou a ser esboçada quando ela era ainda adolescente e colecionava cadernos com seus escritos. “Eu pensava: tudo o que estimula casualmente o nascimento de uma narrativa está lá fora, esbarra em nós e vice-versa, nos confunde, se confunde”, observa, na palestra Água-Marinha. “A escrita tinha, essencialmente, olhos: o tremor da folha amarela, as partes reluzentes da cafeteira, o anular da minha mãe com a água-marinha que emanava uma luz celeste.”

Após a descoberta de sua potencialidade como escritora, veio a terrível constatação de suas falhas: “Em poucos anos, passei a ter a impressão de não saber mais escrever. Nenhuma página estava à altura dos livros que me agradavam”. Diante de uma batalha inglória, Ferrante testa seus limites (como na questão da narração em primeira pessoa), até chegar a uma lição definitiva: renda-se à sua ambição de reproduzir, na gramática e na sintaxe, o “turbilhão de detritos” que constitui a realidade

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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