Amadas, estou fazendo as minhas malas para uma viagem rápida para Áustria, quando minhas amigas da academia me enviam um print do Twitter (atual X), quando a foto da deputada Júlia Zanatta, sentada num trono feito de cartuchos e fuzis, legendada como “Game of Santa Catarina”, caiu na timeline, muita gente achou que era montagem. Não era. A imagem foi publicada pela própria parlamentar, conhecida pela defesa ferrenha da pauta armamentista e por destinar verbas a clubes de tiro em Santa Catarina.
A cena já era polêmica sozinha, mas ganhou outro peso quando Oruam, um dos nomes mais quentes do trap nacional, resolveu comentar. O rapper repostou o clique e mandou a letra: “Se eu postar umas foto dessa é apologia ao crime.” Meus amores, em uma linha ele resumiu o clima no país: quando o jovem preto da favela fala de arma em música, é caso de polícia; quando a autoridade branca posa em trono de fuzil, vira marketing político e cosplay de série gringa. 
Não é de hoje que Oruam virou o menino-propaganda dessa cruzada moral. O nome dele batiza o famigerado projeto de lei “anti-Oruam”, que tenta barrar com dinheiro público artistas acusados de fazer “apologia ao crime” , uma onda que começou em São Paulo e já inspirou versões em outras cidades, sempre mirando funk, rap e trap.  Na prática, a lei mira a estética e a narrativa da periferia, enquanto fecha os olhos para outros gêneros que romantizam violência, corrupção e arma na mão sem serem carimbados como ameaça à família brasileira.
Do outro lado desse ringue simbólico está Júlia Zanatta, deputada federal do PL de Santa Catarina, aliada do bolsonarismo e defensora assumida do armamento como “símbolo de liberdade” discurso que ela reforça em discursos, lives, fotos em estandes de tiro e agora neste trono de munições digno de série medieval.  Na legenda, a brincadeira com Game of Thrones; na imagem, várias armas longas apontadas para cima atrás da parlamentar com coroa de flores na cabeça, como se violência fosse apenas um figurino estiloso.

É aí que o comentário de Oruam acerta em cheio. Se um artista periférico sobe no palco com camisa estampando o rosto do pai preso, canta a realidade da quebrada e fala de facção, vem logo rótulo de “apologia” e projeto de lei com o nome dele. Quando uma deputada posa rodeada de fuzis para marcar território numa disputa interna pelo Senado, a conversa vira “liberdade de expressão”, “tradição” e “direito à legítima defesa”. Meus anjos, não é só sobre uma foto feia: é sobre quem tem o privilégio de brincar com o imaginário da violência e de transformar bala em adereço de campanha. 
A publicação de Oruam não é só shade; é denúncia. Ele aponta o abismo entre a forma como o Estado enxerga a cultura da periferia e como trata seus próprios representantes quando flertam com o mesmo imaginário. Se é pra discutir “apologia ao crime”, a pergunta que fica, em alto e bom som, é a que o próprio rapper lançou: quem pode sentar no trono de fuzis sem ser enquadrado e quem é arrastado pro banco dos réus só por cantar o que vive?