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Kátia Flávia
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“Se eu posto, é crime?”: Oruam detona foto de deputada em ‘trono’ de fuzis e escancara dois pesos e duas medidas

Rapper que virou alvo da “lei anti-Oruam” reage à imagem de Júlia Zanatta cercada de armas, questiona tratamento dado à cultura da favela e reacende o debate sobre quem pode falar de violência no Brasil sem ser criminalizado

Kátia Flávia

14/11/2025 18h00

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Rapper Oruam ironiza foto de Julia Zanatta em “trono de fuzis”.(Fotos: reprodução/redes sociais)

Amadas, estou fazendo as minhas malas para uma viagem rápida para Áustria, quando minhas amigas da academia me enviam um print do Twitter (atual X), quando a foto da deputada Júlia Zanatta, sentada num trono feito de cartuchos e fuzis, legendada como “Game of Santa Catarina”, caiu na timeline, muita gente achou que era montagem. Não era. A imagem foi publicada pela própria parlamentar, conhecida pela defesa ferrenha da pauta armamentista e por destinar verbas a clubes de tiro em Santa Catarina.

A cena já era polêmica sozinha, mas ganhou outro peso quando Oruam, um dos nomes mais quentes do trap nacional, resolveu comentar. O rapper repostou o clique e mandou a letra: “Se eu postar umas foto dessa é apologia ao crime.” Meus amores, em uma linha ele resumiu o clima no país: quando o jovem preto da favela fala de arma em música, é caso de polícia; quando a autoridade branca posa em trono de fuzil, vira marketing político e cosplay de série gringa. 

Não é de hoje que Oruam virou o menino-propaganda dessa cruzada moral. O nome dele batiza o famigerado projeto de lei “anti-Oruam”, que tenta barrar com dinheiro público artistas acusados de fazer “apologia ao crime” , uma onda que começou em São Paulo e já inspirou versões em outras cidades, sempre mirando funk, rap e trap.  Na prática, a lei mira a estética e a narrativa da periferia, enquanto fecha os olhos para outros gêneros que romantizam violência, corrupção e arma na mão sem serem carimbados como ameaça à família brasileira.

Do outro lado desse ringue simbólico está Júlia Zanatta, deputada federal do PL de Santa Catarina, aliada do bolsonarismo e defensora assumida do armamento como “símbolo de liberdade” discurso que ela reforça em discursos, lives, fotos em estandes de tiro e agora neste trono de munições digno de série medieval.  Na legenda, a brincadeira com Game of Thrones; na imagem, várias armas longas apontadas para cima atrás da parlamentar com coroa de flores na cabeça, como se violência fosse apenas um figurino estiloso.

Júlia Zanatta propôs uma emenda ao Projeto de Lei Antifacção pra criminalizar a apologia de facções criminosas músicas e videoclipes. (Foto: Reprodução)

É aí que o comentário de Oruam acerta em cheio. Se um artista periférico sobe no palco com camisa estampando o rosto do pai preso, canta a realidade da quebrada e fala de facção, vem logo rótulo de “apologia” e projeto de lei com o nome dele. Quando uma deputada posa rodeada de fuzis para marcar território numa disputa interna pelo Senado, a conversa vira “liberdade de expressão”, “tradição” e “direito à legítima defesa”. Meus anjos, não é só sobre uma foto feia: é sobre quem tem o privilégio de brincar com o imaginário da violência e de transformar bala em adereço de campanha. 

A publicação de Oruam não é só shade; é denúncia. Ele aponta o abismo entre a forma como o Estado enxerga a cultura da periferia e como trata seus próprios representantes quando flertam com o mesmo imaginário. Se é pra discutir “apologia ao crime”, a pergunta que fica, em alto e bom som, é a que o próprio rapper lançou: quem pode sentar no trono de fuzis sem ser enquadrado e quem é arrastado pro banco dos réus só por cantar o que vive?

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