Olha, meu bem, o mundo da moda brasileira acaba de ganhar um novo capítulo daquela série que ninguém aguenta mais assistir: marca gigante acusada de passar a tesoura na criatividade de grife independente. A personagem da vez é Gabriela Helito, fundadora e diretora criativa da marca paulistana Le Shay, conhecida por corsets estruturados, vestidos de festa volumosos, tapeçaria exclusiva e alfaiataria com cara de peça única, vendida em loja própria nos Jardins e em multimarcas chiques pelo Brasil. 
De um lado, uma etiqueta autoral que trabalha com modelagens marcantes, texturas, laços, babados, tapeçaria de fibra reciclada e preços na casa dos mil e poucos reais por peça.  Do outro, a Farm, gigante do varejo carioca que virou sinônimo de estampa colorida, vestido boho e look de praia instagramável. Quando essas duas orbitas se cruzam do jeito errado, a fofoca não é pequena.
Em um vídeo publicado no TikTok e replicado em perfis de moda no Instagram, Gabriela aparece mostrando lado a lado tops e vestidos da Le Shay e modelos lançados pela Farm. Ela pausa, aponta, compara decotes, volumes, amarres, o tipo de tapeçaria e a construção das peças e sugere que não se trata de “inspiração”, e sim de reprodução muito próxima do que ela vinha desenvolvendo na marca. 
Na sequência, a designer conta que, cerca de um ano antes desses lançamentos da Farm aparecerem, várias pessoas do time de desenvolvimento de produto da marca carioca começaram a seguir a Le Shay nas redes sociais. O recado é claríssimo para quem assiste: ela enxerga uma linha bem direta entre o interesse súbito desses profissionais e a coincidência criativa que surgiu depois nas araras da gigante. 
O tom do vídeo é de desabafo, mas também de dossiê. Não é aquele “ai, achei parecido”, é quase apresentação de PowerPoint: print, foto, comparação visual, relato de bastidor. A sensação é de que Gabriela resolveu parar de engolir seco e colocar tudo na mesa, costura por costura.
Quem é a Le Shay nessa história
Para entender o tamanho da bronca, vale olhar o que a própria marca vende como DNA. No site oficial, a Le Shay se apresenta como um ateliê focado em textura, técnica e design autoral, com tapeçaria de desenvolvimento exclusivo, alfaiataria tradicional, corsets estruturados e vestidos com volumes bem arquitetados. 
Os preços e a proposta deixam claro que se trata de uma grife de nicho, com produção menor, conceito forte e cuidado de ateliê. Ou seja, aquele tipo de marca que rala anos para construir uma identidade visual própria e, quando finalmente começa a aparecer, corre o risco de ver a estética ser engolida por uma gigante do varejo com loja em shopping e investimento pesado em marketing.
É exatamente esse o sentimento que o vídeo da Gabriela passa: o de uma criadora vendo a assinatura que ela lapidou ser despejada em escala industrial por outra empresa.
Se fosse a primeira vez que a Farm aparecesse em acusação de plágio, talvez a crise ficasse meio controlada. Mas o histórico não ajuda em nada.
Em 2020, a estilista Ligia Parreira, da marca Devassas.com, denunciou que uma fantasia de pipoca da Farm tinha estampa praticamente idêntica à que ela desenvolvia há anos, com a palavra “pipoca” em listras diagonais, usada em mochilas, vestidos e fantasias de Carnaval. O caso saiu na coluna de moda do Metrópoles e gerou revolta entre criadores independentes. 
Mais recentemente, em 2023, uma designer norte-americana acusou a marca carioca de copiar uma estampa de sua autoria. A repercussão foi tão grande que a própria Farm publicou nota se retratando e afirmando que removeria a estampa denunciada, num gesto raro de reconhecimento de que havia, no mínimo, um problema sério ali. 
Ou seja, quando Gabriela Helito entra em cena apontando semelhanças entre Le Shay e Farm, ela não fala num vácuo. Ela se apoia em um histórico que já deixou muita gente com o pé atrás em relação à forma como a gigante lida com referências.
A indignação que explode do vídeo da Gabriela não é só sobre vestidos e tops. É sobre um sistema inteiro em que grandes varejistas bebem da fonte das marcas independentes, transformam aquilo em produto de massa e ainda se vendem como criativas, solares, cheias de brasilidade.
Quando uma criadora de ateliê, com CNPJ próprio, endereço na Alameda Lorena e peças feitas em tapeçaria exclusiva, precisa ir às redes para dizer “isso aqui é meu trabalho e não é referência genérica”, o recado não é só para a Farm. É para todo o mercado que continua tratando o “pegar emprestado” como parte natural do jogo. 
E a plateia online já entendeu o roteiro. Nos comentários dos perfis que repercutiram a denúncia, dá para ver consumidor dizendo que sempre desconfiou, stylist comentando que já viu “coincidências demais”, e gente pedindo boicote e posicionamento claro da gigante carioca. 
Até o momento em que este texto é escrito, o que se cobra da Farm é o básico do básico: explicação pública e respeito às criadoras envolvidas. O silêncio, numa era em que tudo viraliza em poucos segundos, soa menos como prudência e mais como cálculo frio de marca que espera a tempestade passar.
Do ponto de vista de imagem, a conta é cruel. A Farm não vende só roupa. Vende discurso de brasilidade, afeto, natureza, colaboração, “somos todas criativas”. Quando surgem acusações em série de que essa criatividade estaria sendo alimentada por trabalho alheio, ainda por cima de marcas pequenas, o encanto vira fumaça.
Gabriela Helito fez o que muita gente tem medo de fazer. Ligou a câmera, abriu o guarda-roupa da própria marca, colocou as peças na frente da lente e disse, com todas as letras, que se sente copiada. Não é mimimi, é sobrevivência de negócio.
Enquanto a Farm não assume o microfone e explica sua versão, o vestido mais comentado da temporada não está na arara. Está no tribunal da internet, onde o look pode até ser lindo, mas nada brilha mais do que a palavra plágio.