A notícia de que cabelos brancos poderiam funcionar como um “mecanismo natural de defesa contra o câncer” tomou as redes sociais na última semana, ganhando manchetes chamativas, vídeos explicativos e vários compartilhamentos. O tema, que toca em dois dos maiores temores da população (adoecer gravemente e o envelhecimento) gerou uma onda de esperança e, mais importante, de desinformação. Mas para a Dra. Carol Gioia, nutricionista especialista em oncologia, mestre em ciências biológicas e doutoranda no A.C.Camargo Cancer Center, o que mais chamou atenção não foi o estudo, e sim a forma como ele foi interpretado por criadores de conteúdo e pelo público.
“Quando esse estudo sobre cabelos brancos começou a viralizar, muitas pessoas passaram a acreditar e muitos dos meus pacientes me enviam a notícia questionando sua veracidade. Como profissional que trabalha diariamente com pacientes oncológicos, senti a obrigação ética de esclarecer o tema para evitar interpretações equivocadas”, explica a médica que também fez um reels em seu Instagram falando resumidamente do assunto.
Segundo ela, o trabalho científico japonês é interessante para entender detalhes do comportamento celular, mas isso não muda absolutamente nada na prevenção do câncer em humanos.

O estudo que viralizou, conduzido em ratos e publicado na Nature Cell Biology, observou que as células-tronco dos melanócitos, responsáveis pela produção de pigmento, passam a consumir menos metionina quando deixam de gerar cor, o que leva ao embranquecimento dos fios. Essa mudança metabólica, no modelo animal, reduziu a disponibilidade do aminoácido no microambiente tumoral e limitou o crescimento de alguns tumores.
“O estudo observou que, em ratos, as células-tronco dos melanócitos que perdem a capacidade de produzir pigmento ,ou seja, que levam ao cabelo branco, também passam a consumir menos metionina […]. Mas isso é um achado biológico pontual, em um modelo animal, e não se traduz em proteção contra câncer em humanos”, explica Dra. Carol.
Ainda assim, alguns portais e perfis nas redes simplificaram o achado como se fosse um marco na ciência, como se quem possui cabelo branco estivesse mais protegido. Para a especialista, isso é um clássico erro de extrapolação científica. “O estudo não avaliou humanos, não mediu risco real de câncer e não demonstrou nenhum efeito clínico de proteção. […] A interpretação equivocada nasce quando um achado mecanístico, observado em um modelo animal altamente controlado, é transformado em uma conclusão populacional para humanos”, detalha.
O risco da ciência mal explicada e o Melanoma
A popularidade instantânea do tema tem origem emocional e na condição humana. “Porque toca em dois dos maiores medos da população: adoecer gravemente e perder a vitalidade com o passar do tempo (envelhecer). Qualquer informação que prometa explicar, prevenir ou controlar esses processos gera enorme engajamento emocional. Por isso a comunicação responsável é tão importante”, afirma.
Com um perfil ativo nas redes sociais e na clínica em São Paulo, onde atende pacientes oncológicos, a Dra Carol vem se tornando referência na tradução responsável da linguagem cientifica para o público leigo.
Mas nem sempre o ambiente digital colabora e acaba confundindo as pessoas com suas manchetes chamativas, que frequentemente exageram nas conclusões e têm detalhes omitidos. Isso resulta em um grande público acreditando em tendências científicas que não têm impacto na vida real e tomando decisões baseadas em premissas frágeis. “As pessoas passam a acreditar em mecanismos que não se comprovam na prática clínica. Isso pode levar a decisões inadequadas de prevenção, diagnóstico ou tratamento”, alerta.

Outro ponto que se perdeu nesse frenesi das redes é que o estudo japonês se refere ao melanoma, um tipo específico de tumor originado nos melanócitos, justamente as células envolvidas no pigmento dos fios. “Tumores de cólon, mama, pulmão, próstata ou estômago, por exemplo, não dependem de melanócitos para surgir ou proliferar. Portanto, qualquer alteração observada no metabolismo dessas células pigmentares não se aplica a outros tecidos.”
Dessa forma, mesmo dentro da oncologia, as conclusões do estudo têm limites. E enquanto muitos interpretaram os fios brancos como “escudo”, o estudo nem sequer aponta para isso. “Os carcinógenos continuam sendo determinantes na formação do câncer, independentemente da cor do cabelo ou do estado dos melanócitos. […] Nenhuma característica estética, como ter cabelo branco, neutraliza esses riscos.”
Exposição solar excessiva sem proteção, agentes químicos nocivos e histórico familiar seguem sendo os principais fatores para avaliação clínica. Por isso, ao invés de procurar significado nos fios brancos, a Dra. Carol recomenda atenção ao que, de fato, são os principais sinais de câncer de pele: “Mudança ou aparição recente em uma pinta, especialmente se cresce rápido; feridas que não cicatrizam; e história pessoal ou familiar de melanoma.”
A credibilidade da Dra. Carol não vem apenas de seu trabalho prático com pacientes, mas da formação sólida e da atualização contínua, já que além de ser nutricionista com foco em oncologia e doenças crônicas, ela também é mestre em ciências biológicas com ênfase em oncologia. Atualmente, ela ainda realiza o doutorado na Fundação Antônio Prudente – A.C.Camargo Cancer Center, onde está conduzindo um estudo clínico randomizado em pacientes com câncer colorretal
Atendendo em clínicas especializadas, consultório particular e como docente em pós-graduação, Dra Carol Gioia se estabeleceu como uma voz confiável em temas sensíveis. “Meu compromisso, como nutricionista e comunicadora, é traduzir a ciência com responsabilidade, sem sensacionalismo e sem promessas que a literatura não sustenta”, resume.
Num cenário digital em que estudos complexos se transformam em frases prontas, a atuação de especialistas como a nutricionista se torna importante para tratar ciência como deve ser, com rigor, clareza e responsabilidade.
“Cabelos brancos são um marcador natural do envelhecimento, não um sinal de proteção ou de risco para câncer. […] Fique tranquilo. Cabelo branco faz parte da vida. O que importa para a sua saúde estão nas condutas preventivas, não na cor dos fios”, conclui a especialista, que ainda faz questão de lembrar que o diagnóstico precoce salva vidas. E isso não tem absolutamente nada a ver com a cor do cabelo.