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Karol Conká sacia sede dos haters em filme que busca a sua redenção

De certa forma, “A Vida Depois do Tombo” tem o objetivo de humanizar a rapper e a apresentar como uma personagem muito mais complexa

Redação Jornal de Brasília

29/04/2021 13h24

Foto: Reprodução

Lucas Brêda
São Paulo, SP

Há cerca de meses, Karol Conká bateu um recorde que ela nunca imaginou que bateria na vida. Saiu do Big Brother Brasil com uma rejeição de 99,17%, a maior de todas as edições do programa pelo mundo, desde que ele começou a ser feito. O que a rapper também não sabia é que, saindo daquele BBB, entraria noutro logo em seguida.

“A Vida Depois do Tombo”, documentário dividido em quatro partes feito pela Globoplay, acompanha Conká por quase todo o primeiro mês dela depois de sair do confinamento. Impressiona a agilidade da produção, que levantou o filme do zero em dois meses e chega ao streaming da Globo antes mesmo de esta edição do BBB acabar.

De certa forma, “A Vida Depois do Tombo” tem o objetivo de humanizar a rapper e a apresentar como uma personagem muito mais complexa do que o que foi visto dentro da casa. No entanto, acaba também saciando a sede dos haters e de grande parte do público que passou a ver a cantora como uma vilã, a mulher mais odiada do país por algum tempo.

Conká aparece rodeada por telas imensas, sendo exposta a vídeos dos momentos em que foi abusiva dentro da casa. Ela também responde a perguntas e admite, por exemplo, que inventou que Carla Díaz estaria dando em cima de Arcrebiano, participante com quem Conká se envolveu romanticamente no programa.

Ela também pede desculpas a Lucas Koka Penteado, possivelmente no momento mais emocionante do documentário. O ex-ator de “Malhação” foi quem mais sofreu na mão da rapper, que o chegou a expulsar da mesa de um almoço, na cena mais chocante de toda a sua passagem pelo reality.

Lucas deveria se encontrar com ela em cena, mas, como todos os outros participantes com quem ela teve desavenças, não topou participar da série. Em vez disso, enviou um vídeo admitindo que não estava pronto para ver Conká. A exceção foi Lumena Aleluia, participante que foi a grande parceira da rapper no programa, e com quem pede desculpas e admite erros.

Mais do que ressaltar um pedido de desculpas –algo que Conká já havia feito no Mais Você, no Fantástico e no Domingão do Faustão–, expor a cantora vendo todas as atrocidades que cometeu parece tão psicologicamente torturante quanto o que ela fez com os companheiros de confinamento.

Até porque, devido à pressa na feitura da série, não é como se Conká tivesse tido tempo para processar devidamente tudo o que aconteceu –ou acontece– no que ela definiu como uma “tragédia”.

Na noite de quarta, antes do lançamento do documentário, a cantora disse no programa Saia Justa, da GNT, que estava fazendo terapia e descobrindo como os fantasmas do passado a estão atormentando. Também disse que o filme ainda a mostraria numa posição de negação e arrogância, afinal, ela não mudaria a cabeça da noite para o dia após sair do confinamento.

Com isso, “A Vida Depois do Tombo” corre o risco de reforçar o ódio contra a cantora. Tanto porque o público pode não considerar suas desculpas instantâneas como sinceras o suficiente, e também pelo curto tempo entre o pico de rejeição e a tentativa apressada de redenção.

O esforço de humanização é bem-sucedido quando mostra o acolhimento da cantora pela mãe e pelo filho, que foram covardemente alvos de ataques –inclusive racistas. Conká também fala sobre o racismo que sofreu desde criança e das armas que usava para se defender das agressões, o que há anos permeia suas letras e sua performance artística.

A série também trata da relação conflituosa dela com o pai alcoólatra, que morreu quando ela tinha 14 anos. “Meu pai nunca me viu cantar no palco. Morreu quando eu tinha 14 anos. Lucas me lembrou muito ele. O Lucas não tem nada a ver com isso. Quando ele ficava agressivo, quando ele bebia, quando ele falava coisas desconexas, quando ele aparecia com o semblante mais doce no outro dia pedindo ‘desculpa, família’, ‘bom dia, família’.”

“A Vida Depois do Tombo” ainda vai atrás das confusões que foram reveladas nas redes sociais enquanto ela estava no programa. Resgata tuítes debochados dos produtores de suas principais músicas, com destaque para o DJ Zegon, do Tropkillaz, e Nave, renomado produtor de rap que hoje trabalha, entre outras pessoas, com Emicida.

Nave produziu “Batuk Freak”, primeiro e principal disco da carreira da cantora, de 2013, que uniu as rimas dela com samples de música brasileira e a levou à MTV, ao game “Fifa” e à Europa. Hoje, eles não se falam, uma briga que acabou na Justiça.

Já Zegon, com o parceiro Laudz no Tropkillaz, produziu “Tombei”, hit de 2014 que é até hoje o maior da carreira de Conká, além de músicas como “Maracutaia” e “É o Poder”. A dupla de produtores estava trabalhando na feitura do segundo disco dela, mas, por volta de 2017, eles também brigaram.

Naturalmente, os produtores não autorizaram que a série tocasse as músicas, o que acabou empobrecendo o documentário. É muito mais difícil entender o talento e o apelo artístico de Conká sem ouvir praticamente nenhuma de suas principais canções.

Outra desavença destrinchada na série é com a rapper Flora Matos, acusada por Conká de a ter agredido com uma garrafada e ter falsificado um flyer com uma foto dela. Uma ex-produtora de Matos diz que ela, na verdade, sempre apoiou outras mulheres do rap, e que a pôs no cartaz como uma forma de dar visibilidade a ela –na época, Matos já tinha uma carreira mais sólida que a curitibana.

Entre brigas e histórias de superação, o depoimento do meio do rap que mais interessa a Conká é o de Eliane Dias, empresária dos Racionais MCs. Ela ressalta como o momento de rejeição parece ter aberto a porta para os ataques racistas e misóginos que a rapper já sofria desde muito antes de se tornar cantora. Dias também diz que não teria problemas em contratar Conká para se apresentar num evento que ela venha a produzir.

“A Vida Depois do Tombo” funciona quase como uma extensão do próprio BBB, trazendo uma espécie de espetacularização do sofrimento causado pela rejeição em massa, capitalizando em cima do que já é uma das mais marcantes histórias contemporâneas de cancelamento –palavra tão desgastada que hoje pode se referir tanto a linchamento quanto a boicotes ou simples críticas.

Evidentemente, Conká chocou a todos com os abusos que cometeu no programa, e foi vítima, com mais ou menos intensidade, de tudo isso, com um agravante racista que deixa tudo ainda mais complexo. Nem por isso, ela deixa de ser um dos grandes nomes da história do nosso rap, referência para uma geração de MCs e, junto com as pioneiras Negra Li e Dina Di, uma das principais mulheres do gênero no Brasil.

A reconstrução de sua carreira passa pela humildade de aparar arestas, pela criação de novas –e boas– músicas e, principalmente, por um tempo de respiro para que não só o público como a própria Conká possa contemplar o furacão que foi sua passagem pelo BBB. É improvável que a busca por uma redenção instantânea –e, em certa medida, desastrada– de “A Vida Depois do Tombo” seja suficiente para a reposicionar com o grande público. É preciso tempo.

A VIDA DEPOIS DO TOMBO
Onde: No serviço de streaming Globoplay

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