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Inspirado na vida do Bozo mais polêmico do Brasil, Bingo chega às telonas

Arquivo Geral

24/08/2017 7h00

Atualizada 23/08/2017 22h52

Foto: Divulgação

Eric Zambon
eric.zambon@jornaldebrasilia.com.br

Bingo – A Alegria das Manhãs diz muito mais sobre o Brasil do que a respeito de seu protagonista. A história é livremente inspirada na vida do ator Arlindo Barreto, o primeiro intérprete da versão brasileira do palhaço Bozo, nos anos 1980, mas, ao inventar nomes e localidades, se permite ironizar o entretenimento brasileiro e o próprio meio artístico.

O filme marca a estreia como diretor de Daniel Rezende, conhecido por seu trabalho de montagem em Cidade de Deus. Tendo colaborado com grandes nomes do calibre de Fernando Meirelles, era de se esperar um desempenho razoável. O novato, porém, demonstrou personalidade ao mirar ainda mais alto e buscar referências em figuras renomadas como Darren Aronofsky e Alejandro Iñárritu.

As semelhanças de enredo e até em sequências de filmagem, como o bom uso de planos-sequência durante a obra, remetem bastante a Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), do mexicano Iñarritu, e ajudam a dar maturidade para a produção. O ponto fraco é o roteiro previsível de Luiz Bolognesi, compensado pelo carisma de Vladimir Brichta ao viver o protagonista Augusto Mendes, o Bingo.

Brichta foi a segunda opção para o papel do palhaço, pensado inicialmente para Wagner Moura. Como o astro de Narcos e Tropa de Elite teve conflitos de agenda, indicou o colega para tomar seu lugar. O resultado é muito satisfatório e um marco na carreira do ator, acostumados a papéis menos complexos em novelas e minisséries globais.

Controvérsia e paradoxos

Bingo segue o clichê do artista triste, mas ao contrário de O Palhaço, de Selton Mello, por exemplo, tem, na origem de seus problemas, doses de abandono parental, abuso de drogas, alcoolismo e soberba. A temática extremamente adulta de seus conflitos contrasta com sua imagem de amigo da criançada, e tudo isso é muito bem mostrado em tela.

A controvérsia e os paradoxos dão o tom de toda a obra. Em dado momento, um palhaço vivido pelo falecido Domingos Montagner, em sua provável última aparição no cinema, aconselha o personagem de Brichta sobre como melhorar na sua arte. “O palhaço faz tudo ao contrário. Se pedem para sentar, ele levanta. Se pedem para levantar, ele senta”, resume. A própria produção leva essa dica a sério, desde o figurino até detalhes do enredo. As madeixas azuladas e viradas para baixo de Bingo, por exemplo, são o oposto dos cabelos bem vermelhos e apontados para cima do Bozo original.

Toda essa atenção aos detalhes ainda é polvilhada de momentos engraçados, catalisados pelo bom timing comico de Brichta. O ator sabe os instantes de suas gags e, ao alternar entre calmo, irritado, drogado e sóbrio, provoca risos de angústia, devido à situação decadente que vive seu personagem.

Crise de identidade e sátira à TV

A fama é outro ponto controverso para o protagonista. No início do filme, ele sonha em atingir um público maior, mas só estrela filmes adultos dos anos 1980, as chamadas pornochanchadas. A caminho de uma audiência para novela das oito, ele ouve a respeito do programa do Bingo – um sucesso nos EUA “nos últimos dez anos”, como um produtor avisa – e se interessa em tentar o papel.

O problema é a existência de um contrato de sigilo quanto à identidade real do palhaço, então ninguém pode saber, de fato, quem ele é. A fama e o glamour vão todos para seu personagem, que chega a conquistar uma atriz famosa logo depois de o ator ter sido rejeitado. Sua relação com a diretora vivida por Leandra Leal pontua bem essa questão.

O visual kitsch dos anos 1980, cheio de cores, e a necessidade de sexualização da mulher para gerar audiência estão bem ilustrados na obra e servem como crítica pontual às emissoras. Definitivamente, temos um candidato a representar o Brasil no Oscar.

Saiba mais

  • O próprio Arlindo Barreto, que já admitiu em entrevistas ter sofrido com drogas durante seu período como intérprete do palhaço Bozo, foi um dos instrutores de Vladimir Brichta para o papel.
  • Segundo o diretor Daniel Rezende, Barreto só aceitaria se envolver no projeto caso o filme mostrasse, ao fim, sua conversão a evangélico, após anos de abusos de substâncias.
  • Entre o surgimento no programa original (de 1980 a 1991), refilmagens e especiais de TV, 14 atores viveram o Bozo no País.

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