Larissa Galli
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Um documentário sobre a relação histórica entre o Estado brasileiro e as populações indígenas marca a segunda noite da mostra competitiva do 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O longa Martírio, do pernambucano Vincent Carelli, será exibido pela primeira vez para o público hoje, às 21h, no Cine Brasília (106/107 sul).
Cineasta e indigenista, Vincent Carelli fundou, em 1986, o Vídeo nas Aldeias, projeto que apoia as lutas dos povos indígenas para fortalecer suas identidades e patrimônios por meio da produção audiovisual. Em 2009, o diretor lançou Corumbiara, filme sobre o massacre de índios isolados em Rondônia que inaugurou uma trilogia sobre o testemunho de Vincent em casos emblemáticos vividos em 40 anos de indigenismo no Brasil. Martírio é o segundo filme dessa trilogia, que se encerra com a realização de Adeus, Capitão, ainda em fase de desenvolvimento.
Um documentário investigativo e histórico, mas também com uma pegada pessoal e marcado pela narrativa do próprio cineasta. É assim que Vincent caracteriza seu trabalho, que mostra o retorno ao princípio da grande marcha de retomada dos territórios sagrados Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul, e o conflito desproporcional entre essas populações e o aparato do agronegócio. “De 1988 a 1999, filmei cerimônias religiosas e reuniões que discutiam, já naquela época, a retomada de suas terras”, lembra.
Sensibilizado pelos relatos de sucessivos massacres, o diretor decidiu voltar a buscar as origens do genocídio da população Guarani-Kaiowá. “O assassinato e desaparecimento do corpo do cacique Nísio, em 2011, foi a gota d’água. Eu voltei para a região para entender e construir um retrato histórico e atual do conflito”.
15 anos depois
Vincent conta que a filmagem do longa se deu em várias etapas e que a produção foi montada em conjunto com os registros das populações indígenas no final dos anos 1990. “A dificuldade de tradução dos discursos religiosos que filmei nos anos 1990 me fizeram engavetar o projeto. Naquele tempo, não tinha orçamento, filmava com a cara e a coragem”. Quinze anos depois, o cineasta retoma a produção com o apoio de Ernesto de Carvalho, nas filmagens, e Tita, na montagem.
De acordo com Vincent, na narrativa existem dois protagonistas: “Os Guarani-Kaiowá, na sua insurgência pacífica e obstinada pela retomada de uma parcela de suas terras, e o poderoso lobby ruralista do agronegócio”. Em paralelo, o diretor traça uma retrospectiva histórica desde a guerra do Paraguai até a Constituinte de 1988, e enfatiza a relação da política nacional com o processo de expropriação territorial dos povos Guarani-Kaiowá.
Para gerar reflexão
Considerando fundamental povoar o imaginário brasileiro com a temática indígena, o cineasta Vincent Carelli afirma que a mensagem de Martírio é salientar o dever de reparação que o País tem com a população indígena. “A ideia do documentário é mostrar dois mundos irreconciliáveis em conflito e que, em última instância, a responsabilidade da tragédia em curso é do Estado brasileiro, a quem cabe fazer a devida reparação”, opina. “Espero que o público se emocione e possa ter um entendimento mais amplo da relação histórica do Estado com as populações indígenas”, finaliza.
As mostras paralelas também reservam filmes feitos para gerar reflexão. O documentário paulista Estopô Balaio, de Cristiano Burlan, é exibido hoje na mostra A Política no Mundo e o Mundo da Política, às 15h, também no Cine Brasília. A produção conta a história artística do Coletivo Estopô Balaio, residente do Jardim Romano, bairro que sofre constantemente com enchentes. A obra faz uma crítica ao desenvolvimento da arte em situações de trauma social.
Cinema Voador
Já a Sessão Especial de hoje conta com a exibição de A Destruição de Bernardet, de Claudia Priscilla e Pedro Marques, às 19h. O longa mistura realidade e ficção ao contar a história do crítico Jean-Claude Bernardet, um dos grande pensadores do cinema brasileiro.
Além disso, começam também as exibições no Cinema Voador do Condomínio Sol Nascente, em Ceilândia. Maioria Absoluta, de Leon Hirszman, e O Alto da Compadecida, de Guel Arraes, abrem a mostra a partir das 18h30.
Serviço:
49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
– Até 27 de setembro.
No Cine Brasília (106/107 Sul) e em outros pontos do Distrito Federal. Ingressos para a mostra competitiva: R$ 6 (meia-entrada). Informações: 3325-7777. Programação completa disponível no site festbrasilia.com.br.
A classificação indicativa varia de acordo com o filme.