MARCELO MIRANDA
FOLHAPRESS
Do encontro fortuito de dois casais europeus numa viagem de férias pela Itália vem a sequência desconcertante de vergonhas alheias, diálogos passivo-agressivos e o temor diplomático de desagradar ao outro.
A partir de trivialidades cotidianas se constrói o suspense dinamarquês “Gæsterne”, de Christian Tafdrup, numa alegoria de choques culturais e manias individuais que culmina num pesadelo niilista e violento.
O filme, lançado em 2022 sob título internacional “Speak No Evil”, gerou reações de choque por onde passou para mal e para bem.
Uma situação hipotética permite vislumbrar o produtor americano Jason Blum assistindo a “Gæsterne” e tendo a ideia de que aquele enredo lhe interessa, mas não a conclusão, brutal e amoral demais para determinados padrões dos filmes de terror realizados pela produtora Blumhouse.
A proposta de refilmagem é feita, sob a condição de manter o enredo e alterar o desfecho. Seja assim ou não, fato é que “Não Fale o Mal” chega aos cinemas dois anos depois de sua versão original contendo a mesma casca, mas com filosofias e estilo diferentes.
Menos importante do que fazer comparações superficiais é detectar a que tipo de espírito um e outro pertencem.
A agilidade com que a refilmagem foi feita transmite a ideia de uma pressa desmedida, mas ambos os filmes se distanciam em termos de objetivos e sensações a partir de um mesmo material, o que acaba por justificar a pressa. Mais que um remake, “Não Fale o Mal” soa uma resposta norte-americana a “Gæsterne”, literalmente se apropriando do objeto ao qual está reagindo.
A adaptação do roteiro e direção são assinados pelo inglês James Watkins, cujo trabalho mais conhecido é “A Mulher de Preto”, com Daniel Radcliffe, de 2012.
No lugar do torpor crescente a contaminar cada cena da versão dinamarquesa, Watkins opta por, desde o princípio, explicitar a esquisitice de Paddy, papel assumido por James McAvoy com hipnótica e expressiva desenvoltura.
Só de olhar o pôster de “Não Fale o Mal” o espectador está avisado de que aquele homem representa alguma ameaça, no que transfere a perturbação contextual de “Gæsterne”, no qual a malignidade podia estar em qualquer canto, a uma personalização do mal, agora concentrado num único tipo.
Paddy é a encarnação do bronco falsamente gentil, que seduz pela impetuosidade projetada das frustrações e condescendências do casal Ben, vivido por Scott McNairy, e Louise, papel de Mackenzie Davis.
A premissa é a do casamento em crise chacolhado pela aventura imprevisível de estar num núcleo similar aparentemente melhor formatado, com homem, mulher e criança, o que pode servir de luz a uma reconciliação.
A reforma familiar vira a chave de apreensão de “Não Fale o Mal” inclusive na maneira como um terço dos acontecimentos se afasta radicalmente de “Gæsterne”.
A guinada e seus resultados narrativos são tão díspares, ao mesmo tempo, tão escandalosos, que a sensação é de o filme de Watkins deliberadamente satirizar a matriz, num comentário invertido sobre as angústias entediantes de países nórdicos diante da constante defesa da família, tão batida pelo cinema norte-americano.
O efeito disso é a agitação estética desesperada em se fazer presente e a banalidade a dominar mais que o impacto. Poucas surpresas vêm da trama pensada para surpreender, já que a articulação é toda feita para o rearranjo um tanto conservador e previsível do conceito de família.
Se “Gæsterne” é um filme que parece ter sido gerado no inferno e lá querer ficar, “Não Fale o Mal” assume, um tanto sem expressividade, o bastião da limpeza e redenção que acredita necessários a um determinado status quo tipicamente americano.
NÃO FALE O MAL
– Avaliação Regular
– Onde Em cartaz nos cinemas
– Classificação 18 anos
– Elenco James McAvoy, Mackenzie Davis, Scott McNairy
– Produção Estados Unidos, 2024
– Direção James Watkins