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Cinema

Ewan McGregor deixa o sabre de luz e aprende a costurar para nova série

Produção sobre a vida do estilista Halston chega à Netflix

Redação Jornal de Brasília

17/05/2021 9h35

Quando Ewan McGregor, 50, era só um garotinho em uma sonolenta cidade da Escócia na década de 1970, a mais ou menos 5.000 km daquela “town house” na rua 63 Leste, em Manhattan, Roy Halston Frowick vivia seguindo uma dieta que combinava batatas cozidas a caviar beluga, vodca Stolichnaya gelada, garotos de aluguel e montanhas de cocaína empilhadas em cinzeiros de prata Elsa Peretti.

“Nunca tinha ouvido falar dele”, disse McGregor, de barba, falando por Zoom de sua casa em Los Angeles. “Não sabia coisa alguma sobre Halston”.

Mas o ator terminou escalado para interpretar aquele sujeito, conhecido por apenas um nome e que um dia perdeu o direito a usar aquele nome, e que serviu como peça central de uma era descontrolada e trágica da vida em Nova York —o homem que se tornaria o primeiro estilista de moda americano a virar celebridade.?

E McGregor, 50, se viu possuído por Halston a tal ponto que, na minissérie de Ryan Murphy que chega à Netflix, ele às vezes pensava que era mesmo o estilista, o sujeito que criou o famoso chapéu usado por Jacqueline Kennedy na posse de seu marido como presidente.

“Isso acontecia apenas por breves momentos”, disse McGregor, “nos quais eu sentia que, opa, era ele que estava aqui. Eram momentos em que eu soltava um palavrão falando baixinho, revirava os olhos ou fazia alguma coisa que sentia ser dele”.

O papel era complicado porque ele teve de interpretar alguém que interpretava um papel. Como Gatsby, Halston, que cresceu em Indiana, inventou a si mesmo. Alisou os cabelos, usava uma massa espessa de bronzeador Guerlain, estava sempre de óculos escuros, usava uma blusa preta de golas alta e falava com sotaque europeu.

Ele fofocava e ria com seu assistente Tom Fallon quando os dois caminhavam juntos para o trabalho na Bergdorf’s, no começo da sua carreira, onde eram chapeleiros que trabalhavam com modelos feitos sob medida. Mas tão logo eles cruzavam as portas giratórias da loja, sua voz e seu semblante mudavam: “Halh-ston tinha chegado”, relembra Fallon em um documentário.

Não importa o quanto o estilista tenha ficado famoso, não importa o quanto ele parecesse pretensioso e bem postado, Halston jamais deixou para trás a sensação de ser um outsider. Na série, “H”, como ele era conhecido, descreve seu círculo de amigos íntimos como “parecidos com navios perdidos no mar… um bando de ‘queers’, de ‘freaks’ e de meninas que ainda não amadureceram”.

Matt Tyrnauer, que realizou um documentário sobre a discoteca Studio 54, comparou Halston a Cole Porter, também vindo de Indiana. “Dois rapazes de Indiana que conquistaram Manhattan e definiram o ‘cafe society’ em suas respectivas gerações”, ele disse. “Os dois escancarados em suas preferências sexuais e os dois emblemáticos da necessidade dos gays de fugir e de realizar seus sonhos cosmopolitas”.

A série de Murphy acompanha o relacionamento volátil entre Halston e Victor Hugo, um garoto de programa que se tornou seu companheiro por muito tempo, e Peretti, que foi sua modelo e desenhava joias, e passou muito tempo futilmente apaixonada por ele.

McGregor, que tem 1,80 metro de altura, se alongou para se transformar em Halston, cujo ego imenso e porte majestoso o faziam parecer mais alto do que seu 1,88 metro —com alguma ajuda especializada do figurinista e do diretor de câmera da série.

“Sempre me incomodou não ter as mãos dele, porque ele tinha dedos longos, belos e elegantes, e eu não”, diz o ator. “Quando faço as cenas em que estou ajustando moldes, com alfinetes, me irritava um pouco não poder ‘interpretar’ suas mãos”.

McGregor agora está em uma galáxia muito, muito distante, gravando sua série de TV sobre Obi-Wan Kenobi para a Disney, mas Halston continua a assombrá-lo. “Amei interpretá-lo. Foi divertido demais”.

Não tão divertido quanto ser o verdadeiro Halston, já que McGregor fumava cigarros de chá verde em vez de Trues, cafungava Inositol, um produto açucarado parecido com uma vitamina, em lugar do pó mágico boliviano e, devido às restrições da Covid, teve de recriar a febre da discoteca com apena 48 figurantes, nas cenas do Studio 54.

“A parte de mim que foi fumante pensava que, ótimo, posso voltar a fumar agora que estou interpretando Halston”, ele diz, com um sorriso travesso. Mas “os cigarros de chá verde são horrorosos”.

“UM NOVO PATAMAR DE COOL”

Quando as pessoas que conheceram Halston em seu apogeu souberam que McGregor tinha sido escalado para o papel, ergueram suas sobrancelhas perfeitamente delineadas. Não foram capazes de imaginar o homem-menino meio brusco que gosta de andar de moto e portar sabres de luz na pele do estilista, um sujeito que tinha certa mania de grandeza enquanto ajustava seus caftãs tingidos em padrão hippie, encantava matronas da sociedade com vestidos de Ultrasuede e despachava aviões de Manhattan para Montauk para carregar seu almoço de frutos do mar.

Mas ao assistir as primeiras cenas rodadas na série, todos sentiram estar diante do verdadeiro Halston. “Aquele sujeito escocês conseguiu”, disse André Leon Talley, crítico de moda e autor de “The Chiffon Trenches”. “A maneira pela qual ele rodopia com o cigarro pendurado entre dois dedos e diz “Bah-len-ciah-aaa-gah parece quase um musical, com o B flutuando no ar. É perfeito”.

“Eu chorei”, disse Talley, que trabalhava na revista Interview, de Andy Warhol, na época, e era frequentador regular do Studio 54 e da elegante casa de Halston, e observador da cena dionisíaca. “A história mostra a ascensão do sonho americano e a ruína do sonho americano.

Ele era como Cary Grant, um dos maiores talentos, lá no alto em companhia de Saint Laurent. Criou roupas para Jackie Kennedy, Lee Radziwill, Lauren Bacall. Depois, voou perto demais do sol, como no mito de Ícaro. Sexo, drogas e promiscuidade o arruinaram, aquela Sodoma e Gomorra na sacada e no porão do Studio 54. O garoto de programa venezuelano foi a causa de sua queda”.

Ele estava se referindo a Victor Hugo, que, como Halston, se inventou e se deu um nome novo, fazendo um trocadilho sobre determinada porção de sua anatomia. “Pode acreditar: ele não lia literatura francesa”, disse Talley. “Era um aproveitador que se agarrava a alguém como um parasita, como uma craca se agarra ao casco de um navio”.

Em certa cena, Halston leva a sunga de Hugo a um perfumista como inspiração para seu primeiro perfume (com um vidro desenhado por Peretti).

Algumas pessoas, como Warhol e Anjelica Huston, curtiam, a bravura de Hugo, que se definia como “assessor de arte” de Halston e decorava as vitrines da loja do estilista ecleticamente, transformando-as em cena de crime ou em cenário de parto de um manequim.

“Eu o achava divertido demais”, disse Huston, que era uma das “Halstonettes”, o nome pelo qual o séquito de modelos que acompanhava o estilista era conhecido. “Havia um lado borbulhante naquele período, como as borbulhas do champanhe. Todos nós estimulávamos uns aos outros. Halston colocava aquelas roupas de Grace Kelly em garotas negras, criando toda uma fantasia. Era um novo patamar de cool”.

Tom Ford, que se descreve como um “twinkie” no Studio 54 na época em que Halston frequentava o lugar com Liza Minnelli, Liz Taylor, Bianca Jagger e Warhol, também ficou impressionado com o trabalho de McGregor na série.

Quando Ford tinha 18 anos, um namorado o levou a uma festa na casa de Halston, e ele saiu inspirado. “Era minimalista”, disse Ford, “mas sensual e sexy”. Quatro décadas mais tarde, ele comprou a casa, e agora a está restaurando ao modo Halston, reproduzindo a mobília cinzenta de Paul Rudolph nos três pavimentos inferiores e transformando o pavimento mais alto em uma réplica do escritório vermelho cereja que o estilista mantinha na Olympic Tower.

“Eu queria muito que aquelas paredes pudessem falar, ou se transformar em telas de vídeo”, disse Ford. “Eu gostaria de ter visto as coisas que aconteciam naquela casa”. Ele disse que há uma velha foto que mostra Victor Hugo urinando, em um banheiro que agora será usado por seu filho, Jack.

“Não acho que seria apropriado pendurar aquela foto por sobre o vaso sanitário de Jack”, disse Ford, com humor seco. Valerie Steele, diretora e curadora chefe do museu do Fashion Institute of Technology, disse acreditar que os excessos de Halston tenham solapado seu sucesso no panteão da moda.

“Acho que de alguma forma fomos iludidos pelo caos das cenas no Studio 54 e terminamos por não prezar tanto quanto deveríamos o trabalho de Halston”, ela disse. “Em minha opinião, ele foi um dos grandes estilistas”. (De fato, seu trabalho estará exposto nas duas partes da exposição do Costume Institute do Museu Metropolitano de Arte sobre moda americana, que está para ser aberta.)

Há mais histórias maravilhosas sobre Halston do que a série poderia incluir. A atriz Ali McGraw me contou sobre ter comprado um guarda-roupa inteiro de criações do estilista para promover o filme “Love Story” em Paris e Londres. Ela se lembra de estar se arrumando para um evento de gala que teria a presença da rainha, e de não conseguir que seu vestido Halston preto se encaixasse direito.

“Por mais que eu procurasse ajeitar, meu seio ficava de fora”, ela recorda, dizendo que isso a deixou “sem ação”. Sentindo cada vez mais pânico, e com o carro e motorista à espera, ela decidiu usar a única outra roupa que tinha com ela, calças de cetim preto (que não foram aprovadas pelos jornais sensacionalistas britânicos). Seu então marido, Bob Evans, ficou zangado e ligou para Halston. De volta a Nova York, McGraw foi convocada ao “salon”. Flanqueado por dois assistentes, ele a instruiu a colocar o vestido e “virá-lo para o lado certo”.

“E estava perfeito, é claro”, disse McGraw. “Foi embaraçoso. Eu mandei um buquê com dezenas de tulipas vermelhas e amarelas para ele, com um cartão que dizia, naturalmente, ‘amar é nunca ter de pedir perdão’”.

Huston me contou sobre ir à casa de Halston para um jantar quando estava visitando Nova York, seis meses depois de ter se mudado para Hollywood. Ela estava usando um vestido que imitava um modelo de Halston, comprado em uma loja da Sunset Boulevard. “Assim que abri a porta, ele disse ‘oh, meu Deus’, e mandou um de seus garotos apanhar um rolo de tecido lá em cima. Ele me embrulhou com o tecido e foi assim que jantei”, ela disse. “Fiquei muito envergonhada”.

ROSNADOS PARA CALVIN

McGregor se preparou para o papel tomando chá com Minelli, que era a melhor amiga de Halston, e assistindo ao programa “Project Runway”: obsessivamente. Ele também trabalhou com a figurinista da série, Jeriana San Juan, para aprender a cortar, moldar e ajustar tecidos.

Porque Halston exigia que suas modelos não usassem roupas de baixo, prender os tecidos com alfinetes não deixava de apresentar alguns perigos. “Comprei uma máquina de costura”, disse o ator. “Aprendi a costurar um pouco, e comprei um manequim de costureiro. Comprei tecidos. Comprei alguns livros”.

McGregor tentou costurar um par de calças para ele. “Olhei as calças que tenho”, disse. “Eu as virei do avesso, e fiquei tentando entender como eram estruturadas”. McGregor fez o primeiro bolso e ficou impressionado com seu trabalho. Mas quando colocou o segundo bolso, percebeu que um deles estava por dentro e o outro por fora do tecido.

“Eram calças cool. Tinham algo de japonês. Muito atuais, foi o que pensei”. Mas ele usou uma lã azul tão pesada que as calças causavam coceira demais para que as usasse.

Diferentemente de seu personagem, que usava “trench coats” de dupla face em vermelho, bege e preto, calças vermelhas e cardigãs de cashmere, o ator se veste de um jeito casual mas cool, na vida cotidiana

“Ewan tem muito senso de moda, ele tem estilo”, diz o cineasta Baz Luhrmann, que dirigiu McGregor em “Moulin Rouge”, em 2001, um período no qual o ator estava em sua fase “mais selvagem”.

Quando peço para que ele descreva o que está vestindo em nossa conversa por Zoom, McGregor tira o suéter azul para verificar a etiqueta da camiseta, e mostra o alto de suas cuecas Calvin Klein, por sobre a cintura da calça.

Foi um momento engraçado, por conta do desprezo de Halston pelo rival mais jovem que disputava o mercado com ele. Em uma cena da série, Halston define Calvin Klein como “um charlatão”, e rosna dizendo “tudo que ele faz tem um jeito meio Long Island”. Em outra cena, ele joga um copo cheio de uísque na tela da televisão quando Brooke Shields ronrona e pergunta “vocês querem saber o que existe entre meus Calvins e eu?”

McGregor ri quando faço esse comentário de moda repentino. “Estou usando uma camiseta listrada Buck Mason, de corte reto”, ele disse. “E chinelos da huckberry.com. Um site maravilhoso. As calças não sei onde comprei, mas são de amarrar. Não têm bolso e são feitas de lona”.

Suas duas filhas mais velhas –ele tem quatro filhas com a ex-mulher, a designer de produção Eve Mavrakis– estão seguindo suas pegadas em termos de estilo. Clara, 25, e Esther, 19, posaram juntas para um anúncio da Fendi em 2018. Clara é modelo da grife Wilhelmina.

“São lindas, não são?”, pergunta McGregor. “Pude visitá-las quando fizeram uma sessão de fotos juntas em Nova York. Depois de tantos anos de tê-las acompanhando suas viagens, foi “cool” ser o visitante no mundo delas. “Eu saí para comprar sanduíches para elas. Não havia comida no local”.

A vida caseira de McGregor atraiu a atenção da imprensa alguns anos atrás, quando ele e Mavrakis se separaram depois de 22 anos de casamento.

O ator agora está namorando Mary Elizabeth Winstead, que foi sua companheira de elenco na temporada três de “Fargo”. O papel dele como os dois irmãos Stussy lhe valeu um Globo de Ouro em 2018.

Clara e Esther expressaram sua tristeza com a separação na mídia social. Clara também escreveu um post no Instagram em 2019 sobre precisar de reabilitação por conta do vício no antidepressivo Xanax; isso se transformou em um projeto de filme, que o pai dela produzirá, de acordo com a revista The Hollywood Reporter.

Pergunto a McGregor se sua experiência de vício influenciou seu retrato de Halston. “Estou sóbrio há muito tempo, e me interesso pelo assunto”, ele disse. “Faz parte de minha vida em termos de sobriedade, e por ter enfrentado problemas de vício”.

Os problemas dele com o álcool foram agravados por drogas? “Eram os anos 90”, ele diz com um sorriso seco. “Muitas coisas rolaram”. McGregor disse que estava se sentindo tão “miserável”, por volta de 2001, que largou o álcool e também o cigarro. Os cigarros lhe fazem mais falta.

“Na época, eu achava que o vício era cool e me tornava cool, fazia que me sentisse durão, valente”, ele diz. “Mas isso não tem coisa alguma a ver com quem eu sou. Eu não era aquela pessoa”. Ele disse que sua ex-mulher o ajudou, e que outras pessoas conversaram com ele sobre seu comportamento.

“Eu não estava escapando impune, como achei que estivesse”, ele diz, acrescentando que “era como ter alguém vivendo dentro de você e determinado a destruí-lo, na verdade. É isso que aquela coisa quer”.

Na série, é a personagem de Liza, interpretada por Krysta Rodriguez, que tenta convencer Halston a se internar com ela na Clínica Betty Ford, dizendo, gentilmente, que “a única coisa que você não sabe fazer é parar”.

O ator teve de reviver tudo aquilo ao acompanhar a espiral de Halston. (A série, dirigida por Daniel Minahan, se baseia na biografia “Simply Halston”, de Steven Gaines.) Quando a secretária de McGregor, Sassy Johnson, lhe diz que ele cheirou duas semanas de cocaína em um dia só, ele grita com ela e a manda reabastecer o cinzeiro. “Reabasteça, Sassy!”, ele exclama.

Ao perder o controle, o estilista começa a atacar as pessoas mais próximas dele, e percebe que não pode oscilar entre o topo do mercado (Bergdorf) e o fundo (J.C. Penney). Por fim, sua empresa é adquirida pela holding do grupo Playtex, o que o levou a comentar, na vida real, que “o pessoal do Planeta Tampon [absorvente higiênico] desembarcou no Planeta Halston”. (A marca Halston mais tarde passou por muitos controladores, entre os quais um período que viu o envolvimento de Harvey Weinstein e Sarah Jessica Parker.)

McGregor é conhecido por ser caloroso, alegre e amistoso no estúdio. Mas diz que consegue compreender os rompantes de Halston contra o pessoal corporativo –“a disputa constante entre arte e comércio”-, quando o estilista foi pressionado, e seduzido pela ganância, a lançar uma série de produtos que diluíram sua marca.

“Alguém me disse certa vez que eu precisava gritar uma linha de diálogo que eu não estava gritando. Um produtor me disse”, o ator recorda. “Para começar, fiquei absolutamente chocado por um produtor me dar instruções de atuação no estúdio e por isso perguntei a ele, calmamente, qual era o motivo da instrução.

Ele respondeu que era porque eles achavam que o momento ficaria bom no trailer do filme. Respondi que tudo bem e, na tomada seguinte, eu disse o diálogo tão baixo que era quase impossível ouvir”. Em seguida, ele estourou com o produtor: “Não estou aqui para criar trailers. Não é essa minha função”.

McGregor não tem problemas com as cenas ousadas de sexo em “Halston”. Ele sempre aceitou cenas íntimas na tela com homens e mulheres, e não costuma rejeitar cenas de nudez. Mas disse que as coisas ficaram um pouco tediosas por um bom tempo, porque jornalistas só lhe perguntavam sobre sobriedade e sobre nudez, em entrevistas que ele define como “lixo para tabloides”, acompanhando a definição com um palavrão.

Esses momentos chegaram a um pico em 2005, quando a revista Esquire se referiu ao seu pênis como “raiz de homem”, “sabre de luz”, “salsicha escocesa” e “anaconda”, e tudo isso na mesma reportagem. “Bem, isso é lamentável”, diz McGregor. “Minha vida contém muito mais do que isso. Mas aguentei o tranco. Agora isso já não acontece com tanta frequência”.

Porque eles filmaram, durante o pico da Covid em Manhattan, as cenas de sexo eram precedidas por uso generalizado de álcool desinfetante, e enxaguante bucal cuspido em um balde. A série também tinha uma coordenadora de cenas íntimas, o que McGregor acredita seja um desdobramento especialmente importante para as atrizes jovens.

“Imagine que você tem 22 anos, acaba de ser escalada para uma série, e chegou ao set”, ele disse. “O ator principal é sempre 25 anos mais velho que você, e você de repente se vê com um ator principal homem e um diretor homem. Todo mundo se sente embaraçado em um momento desses. E o argumento é sempre ‘vamos ver o que acontece’. Mas a pobre garota de 22 anos talvez não queira ver o que acontece”.

Com a presença da coordenadora de cenas íntimas, ele disse, “a pessoa é perguntada se aceita que o ator toque em seu traseiro, ou seu peito, ou se ela aceita um beijo de língua”.

No ano passado, houve críticas negativas à interpretação cafona de James Corden em outra produção de Ryan Murphy, “The Prom”, e algumas pessoas condenaram o trabalho dele como quase homofóbico. E com certeza, em mãos menos habilidosas, o retrato de Halston –que tinha uma mistura intrigante de qualidades masculinas e femininas– poderia facilmente ter saído dos trilhos.

Imaginei se McGregor se preocupava com a afirmação de que atores heterossexuais não deveriam fazer papéis gays. “Não tive a experiência de precisar esconder minha sexualidade a fim de conquistar certos papéis, e respeito as pessoas que passaram por isso”, disse McGregor.

“É uma discussão que sempre vou ter comigo mesmo, e também com o diretor e os produtores, antes de decidir fazer alguma coisa. Não é que eu não me importe. Ou que eu pense que isso é tolice. Compreendo o problema, e sei do que estão falando. Espero que as pessoas não se ofendam”.

Em 1999, quando ele começou a interpretar Obi-Wan na trilogia que conta o início da história de “Star Wars”, McGregor se preparou para a transformação de queridinho do cinema independente em astro de filmes de grande orçamento. Mas, como ele diz, “os três filmes tiveram uma recepção bem menos que calorosa.

As pessoas não gostaram muito deles, na época. Foi difícil para mim, ter decidido fazer algo tão grande, me envolver no projeto, enfrentar dificuldades em parte do meu trabalho nele, e aí o público não gostar muito do resultado. Não foi a experiência que eu achei que seria, acredito”.

Ele lembra que sua primeira visita aos sets e ao departamento de adereços foi conduzida por George Lucas. “Fiquei muito impressionado. Eu era jovem, e só tinha feito ‘Trainspotting’. Eu me via como um ator urbano, das ruas, um cara com os pés no chão, e lá estava eu sendo convidado a participar de uma das maiores franquias cinematográficas do planeta”.

Caminhando pelo estúdio com Lucas, ele acompanhou a montagem de um submarino para o filme. “Fiquei olhando, entusiasmado, e perguntei se o submarino seria capaz de mergulhar. E George me olhou, riu, e disse que ‘não é um submarino de verdade, você sabe’”.

O ator não gostou muito de filmar diante de uma tela verde, e falou abertamente sobre sua falta de entusiasmo por um trabalho que envolvia principalmente aprender a fazer cara de Jedi e a brandir um sabre de luz. “Não há muito que buscar na cena em termos emocionais, e por isso ela se torna um trabalho muito duro”, ele disse.

McGregor estava falando no Zoom do quarto de sua filha Anouk, 10. Ele foi até a penteadeira dela e pegou um boneco de Obi-Wan.

“Sou eu”, ele disse, melancolicamente. “Jamais brincaram com isso. Nunca saiu do lugar. Nunca foi tocado. Não sei qual é a experiência para elas, de ter um pai que interpretou Obi-Wan Kenobi. Acho que deve ser bem entediante, na escola, e coisas assim. Não acho que elas tenham assistido aos filmes. Não se interessam muito por eles”.

“Acho que as coisas são complicadas, para as crianças cujos pais são famosos, são atores, qualquer coisa assim. Deve ser muito cool e muito entediante ao mesmo tempo”.

A despeito de sua “experiência de altos e baixos” com os filmes, ele entrou em contato com a Disney e disse que, se eles um dia imaginassem fazer uma série derivada protagonizada por seu personagem, ele aceitaria um convite.

E agora McGregor parece entusiasmado com a série que está fazendo para a Disney. Acha que a diretora, Deborah Chow, que dirigiu episódios de “The Mandalorian”, é brilhante. E está disposto a conviver com os superfãs de Star Wars nas convenções.

Mas ele sentirá falta do lado sombrio da Rua 63 Leste. “Foi triste saber que eu teria de deixá-lo partir”, disse McGregor sobre Halston. Mas ele ficou com o “trench coat” preto.

CONFIRME OU NEGUE

Seu ícone de estilo é Steve McQueen em uma moto Trumph.
Fico meio entediado com isso ser um ícone. Na hora de fazer uma sessão de fotos, alguém sempre aparece com uma foto de Steve. Posso garantir. E alguém diz que “achamos que seria legal fazer algo assim”. Antes mesmo de olhar, sei que vou ver Steve McQueen montado na moto. Sempre é. Deus sabe que ele era cool e que ficava ótimo sobre uma moto, mas, caramba.

Obi-Wan é melhor em lançar sombras do que Halston.
Ninguém lança sombras melhor do que Halston.

Como Halston, você curte caviar.
Gostava. Lembro-me de quando era moço, caviar fazia que eu me sentisse bem sucedido e elegante, quando eu estava no aeroporto de Heathrow para embarcar rumo a algum lugar. No aeroporto, vendiam latinhas de caviar, e as acomodavam em uma pequena caixa de isopor com gelo, e você podia embarcar com elas no avião. Eu gostava de me acomodar no avião com minha latinha de caviar, e comer enquanto voava para meu próximo projeto.

No concurso do “fica melhor em quem”, sua blusa preta de gola alta como Halston fica melhor que a blusa preta de gola alta de Jennifer Lawrence como Elizabeth Holmes.
Acho que sim. Gostaria de aproveitar essa oportunidade para agradecer Sandra Bullock, porque, em “Oito Mulheres e um Segredo”, ela sempre está com o cabelo dentro da gola. Mary, eu e minhas filhas chamamos essa ideia de “estilo Sandra Bullock”. Nas cenas externas de rua passadas no começo da década de 60, como Halston, sempre uso meu cabelo comprido para dentro da gola.

Foi sua ideia tirar as calças em “Velvet Goldmine”.
Sim, confirmado.

Você tem um galpão para guardar as motos que usou para viajar 79 mil quilômetros com seu amigo Charley Boorman.
Tenho um belo galpão que construí em minha propriedade, para guardar minhas coisas. Mudei-me para os Estados Unidos em 2008, e aluguei um pequeno hangar no aeroporto de Santa Monica, para guardar minhas motos e meus carros. Agora eles estão aqui. Tenho provavelmente 10 ou 12 motocicletas e seis carros. Tenho algumas velhas Moto Guzzis do começo da década de 1970, e algumas motos da década de 80, e também algumas modernas. Também gosto de Fuscas, e por isso tenho alguns Fuscas velhos.

A empreitada mais difícil de Halston foi aconselhar Elizabeth Taylor sobre sua vida amorosa.
Isso era parte de seu sucesso, que ele fosse uma grande amiga para todas aquelas damas.

Você estudou teatro com Daniel Craig.
Acho que ele estava um ou dois anos adiante de mim. Lembro-me claramente de quando era um jovem aluno de primeiro ano e o vi no corredor, com sua jaqueta de motociclista e seus longos cabelos loiros. Era um personagem imponente.

Seu tio foi piloto das forças rebeldes nos três filmes originais da série “Star Wars”.
Confirmado. Ele interpretou Wedge Antilles.

Darth Maul é um vilão mais bacana que Darth Vader.
Não, com certeza não. Ele gostaria de acreditar que sim.

Tradução de Paulo Migliacci / Folha Press

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