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Economia

Reforma administrativa deixa brecha para aumento de cargos de indicação política

o Ministério da Economia nega que a proposta abra uma margem para mais indicações políticas e diz que os critérios para essas nomeações serão previstos em uma lei complementar

Redação Jornal de Brasília

17/09/2020 8h21

Thiago Resende e Bernardo Caram
Brasília, DF

A proposta do governo para reformular o serviço público abre espaço para que os cargos de indicação política aumentem, de acordo com a avaliação de especialistas.

O projeto, encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao Congresso, retira da Constituição critérios para nomeações em cargos comissionados, hoje limitados a funções de chefia e assessoramento.

Em 1998, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) conseguiu aprovar uma reforma administrativa para modernizar a estrutura do Estado. Entre as mudanças, foram incluídas na Constituição restrições ao uso dessas vagas.

Por isso, atualmente apenas servidores públicos efetivos, aqueles que passaram por concursos públicos, podem assumir funções de confiança na administração pública. Em troca de um adicional no salário, eles recebem mais responsabilidades do que aqueles que se ocupam de tarefas rotineiras da carreira.

Para os cargos comissionados, a regra é dividir proporcionalmente as posições entre funcionários de carreira e indicações fora do serviço público. Esses postos têm atribuições semelhantes às funções de confiança, ou seja, geralmente envolvem o comando de uma equipe.

A PEC (proposta de emenda à Constituição) elaborada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) flexibiliza os critérios de ocupação desses postos, incluindo, para além de funções gerenciais, atividades técnicas.

O STF (Supremo Tribunal Federal), com base na redação atual Constituição, tem reafirmado que funcionários comissionados não podem exercer atividades burocráticas, técnicas ou operacionais. Os julgamentos tratam principalmente de processos relacionados à administração pública em estados.

Segundo o presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público), Manoel Murrieta, a mudança proposta por Guedes retira as condições para um funcionamento independente da máquina pública.

“A proposta flexibiliza as regras e dependemos de autonomia para um serviço de qualidade”, afirma Murrieta.

Procurado, o Ministério da Economia nega que a proposta abra uma margem para mais indicações políticas e diz que os critérios para essas nomeações serão previstos em uma lei complementar, cujo projeto ainda não tem previsão para ser apresentado ao Congresso, e em ato do chefe de cada Poder.

Antes da reforma de 1998, a Constituição determinava apenas uma preferência para que servidores de carreira ocupassem os cargos comissionados e as funções de confiança. No texto sugerido pelo governo, essa prioridade não é citada.

Uma análise da PEC da reforma administrativa de Guedes que circula entre congressistas também critica esse trecho.

Segundo o consultor legislativo Luiz Alberto dos Santos, a versão do governo abre brecha para uma ampla ocupação desses cargos sem critérios técnicos. “Há um receio de subverter o serviço público.”

O Ministério da Economia afirma que a mudança tem como objetivo “estabelecer uma estrutura de cargos mais condizente com a necessidade do Estado”. Com a reforma, Guedes quer reduzir os gastos obrigatórios com o funcionalismo público, que estão pressionando as despesas do Orçamento.

O coordenador do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais, Eduardo Mendonça, afirma que a PEC do governo amplia o conceito dos cargos comissionados. “A nova redação é um pouco mais genérica”, diz.

Mendonça avalia que há uma banalização da inclusão de regras na Constituição. Por isso, diz acreditar que a proposta do governo pode ser positiva.

Para o advogado, deve haver maior flexibilidade para buscar pessoas mais capacitadas para funções estratégicas, desde que haja efetivo controle sobre os processos de seleção.

Essa efetividade, segundo ele, seria alcançada após regulamentação futura em lei e também com uma mudança de cultura no serviço público.

“O ideal é que se cobre que a complementação legislativa seja ágil e venha em linha com os propósitos da mudança constitucional”, disse.

Críticos à proposta, no entanto, afirmam que muitas vezes a regulamentação não é feita pelo Congresso e as regras acabam ficando em aberto, dando margem para diferentes interpretações, ou até mesmo tornando a medida inócua.

Um exemplo foi a inclusão na Constituição em 1998 da regra que permite a demissão de servidores públicos por desempenho insatisfatório. Para ser colocada em prática, a medida depende de regulamentação pelos congressistas por meio de uma lei complementar.

Mais de 20 anos depois, a lei nunca foi aprovada pelo Legislativo e o governo não pode fazer demissões de servidores por esse mecanismo, apesar da previsão na Constituição.

Em setembro, Bolsonaro enviou ao Congresso a proposta encampada por Guedes para reformular o funcionalismo público no país. Mas foi apenas a primeira etapa. Ao todo, devem ser três.

A PEC ainda precisa ser analisada pela Câmara e pelo Senado —dois turnos em cada Casa. Só então as regras previstas na proposta podem entrar em vigor.

A reforma só deve ter efeito nas contas públicas após a aprovação de medidas complementares que ainda não foram encaminhadas ao Congresso.

Inicialmente, o governo não quis prever qual seria o efeito nas contas públicas, mas, na semana passada, Guedes citou que a proposta pode gerar uma redução de despesas da ordem de R$ 300 bilhões em dez anos.

As informações são da FolhaPress

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