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Economia

Mariana Tumbiolo: “tempos de negócios limpos”

“Eu acredito que o Brasil hoje está em busca de um mercado mais transparente, mais limpo, de um modo geral…”

Rudolfo Lago

09/09/2020 9h16

Desde o seu início, de acordo com dados compilados pela Polícia Federal, a Operação Lava Jato já expediu mais de 800 mandados de busca apreensão de bens no Brasil e no exterior. Mais de 90 mandados de prisão preventiva e mais de 100 de prisão temporária. Seis pessoas foram presas em flagrante.

Diversas reputações, assim, de pessoas e de empresas caíram por terra. Para Mariana Tumbiolo, CEO da Zela Consulting (foto), ainda que hoje procedimentos da Lava Jato estejam sendo questionados, a operação, e todas demais de combate à corrupção que vieram na sua esteira, estabeleceram um novo patamar. O antigo ambiente no qual muitos admitiam ser impossível fazer negócios de outra forma foi substituído por outro em que as empresas não querem correr o risco de manchar suas reputações. E, muitas vezes, observa Mariana, esse envolvimento não se dá de forma consciente ou voluntária.

Caso, por exemplo, de concessionárias de veículos ou joalherias cujas compras de produtos acabam sendo usadas para lavagem de dinheiro. Mas é um envolvimento que pode ser evitado, com determinados mecanismos de controle. Esse é o trabalho da Zela, consultoria recentemente criada. Nesta entrevista, Marina explica esse trabalho.

A adoção do termo compliance incorporou-se definitivamente no vocabulário e no imaginário das empresas. E é neste momento que surge a Zela como empresa de consultoria. Como a Zela se insere neste novo momento e qual a sua importância nesse sentido?

A gente sempre se esforça um pouco para encontrar uma tradução específica para o termo compliance. E acaba usando o termo em inglês por falta de um vocábulo mais apropriado. A gente traduz às vezes por conformidade. O que é você estar em compliance? É você estar em conformidade com as leis e com as normas regulamentares. No caso da Zela, nós atuamos em dois âmbitos principais. Um é o compliance de prevenção à lavagem de dinheiro e o outro é a recuperação de ativos. No primeiro caso, você previne que o dinheiro eventualmente fruto de um crime de corrupção ou algum outro ilícito seja dissimulado no sistema. E a recuperação de ativos é o que a gente chama, também usado um termo em inglês de “follow the money”, é você rastrear e identificar esses ativos originalmente ilícitos que foram ocultados.

O que a Operação Lava Jato trouxe de lição para o mundo dos negócios e, nesse sentido, como se encaixa o trabalho de consultoria da Zela?

O que a gente chama de Operação Lava Jato é, na verdade, todo esse movimento nos últimos anos no Brasil de diversas investigações que focaram essencialmente no crime de corrupção e vários delitos correlatos. Para o mundo dos negócios, trouxe várias lições. Além de você não dever praticar o ilícito em si, você não pode permitir que seu negócio seja usado para fins ilícitos.

Como essa última hipótese acontece?

Vamos pensar no exemplo de um político ou dono de uma empreiteira, uma pessoa que tenha praticado um ato de corrupção e recebeu ali o que a gente chamaria de “dinheiro sujo”, um dinheiro que não é fruto do negócio lícito dele, mas é dinheiro fruto de um crime. Ele precisa de alguma manobra, alguma tática, para reinserir esse dinheiro no sistema financeiro e, assim, poder usufruir dele. Para além dos sujeitos do próprio mercado financeiro, existem várias outras instituições onde isso é possível. Eu posso mencionar aqui concessionárias de veículos, joalheiras, empresas de factoring. Todas elas têm regulamentações específicas que obrigam controles e procedimentos internos para evitar que o negócio seja usado para fins ilícitos. Muitas das empresas envolvidas na Operação Lava Jato, que tiveram suas reputações manchadas, que tiveram grandes danos financeiros, não necessariamente sabiam que estavam ali sendo usadas como ferramentas para uma pessoa que tinha praticado o crime de lavar dinheiro. E, aí, tiveram busca e apreensão, envolvimento de seus executivos porque não tinham lá dentro procedimentos de controle necessários para evitar que o crime fosse praticado dentro das empresas. A criação da Zela vem justamente desse sentimento. As empresas não querem mais atuar num mercado em que terceiros usem seus negócios para fins ilícitos. A Zela ajuda nesse sentido.

O que a empresa pode fazer nesse sentido?

A empresa quer evitar que seu negócio seja ali usado por um político, por uma pessoa que praticou um crime, limpar o dinheiro, lavar o dinheiro sujo, o que ela faz? Ela vai treinar o funcionário. Ela adota procedimentos de controle para mostrar ao mercado, para mostrar aos investidores, aos consumidores, essencialmente para fazer esse papel de guardiã do sistema financeiro.

E como a Zela auxilia nisso?

A Zela não é um escritório de advocacia e não presta consultoria jurídica. A Zela junta profissionais de diversas áreas. Nós temos hoje como consultores três pessoas que foram do quadro do Conselho de Controle da Atividade Financeira (Coafi), que é responsável por essa supervisão dos setores, economistas, jornalistas, advogados. Por que essa diversidade? Porque a gente percebeu que essa prevenção à lavagem de dinheiro é um problema muito mais amplo que requer habilidades e formações diferentes. Com essa equipe de consultores multidisciplinares, nós buscamos ajudar as empresas a identificar qual é o risco dela, onde ela poderia ser eventualmente usada por uma pessoa má intencionada, por uma pessoa que praticou um ato ilícito e como ela poderia prevenir isso. Então, nossos consultores trabalham lado a lado com as empresas justamente nesse sentido: como evitar que a empresa seja usada para fins ilícitos, o que eu posso fazer para que isso não aconteça.

Muitos dos empresários que acabaram se envolvendo no escândalo da Lava Jato argumentaram que não havia outra possibilidade muitas vezes de se fechar negócios. Esse é um momento ultrapassado? A Lava Jato passa a estabelecer um novo patamar?

Eu acredito que sim. Eu acredito que o Brasil hoje está em busca de um mercado mais transparente, mais limpo, de um modo geral. É claro que pessoas mal intencionadas, pessoas que queiram cometer crimes, infelizmente vão existir sempre. E essas pessoas precisam de uma estrutura propícia, não apenas para a prática do crime, mas para usufruir dos proveitos. Ainda que elas continuem existindo, e não somente no Brasil, mas no mundo todo, pessoas cometendo ilícitos contra a administração pública, contra o sistema financeiro nacional, essa preocupação, essa nova onda do mercado, de empresas não deixarem mais sua reputação ser manchada por terceiros, vai muito ao encontro desse movimento, vai ajudar a filtrar práticas ilícitas e, de maneira geral, caminhar para um mercado mais limpo. Dando um exemplo bem concreto: uma concessionária de veículos não vai querer que uma pessoa investigada, um político, compre lá um veículo em espécie ou no nome de um laranja, porque ela sabe que o risco disso será muito grande. Se o político não pode fazer isso, não pode fazer essa aquisição, a possibilidade dele lavar o dinheiro diminui.

E a Zela, como consultoria, trabalha para a empresa ter a segurança desse ambiente?

Exatamente. Nós trabalhamos lado a lado dos clientes para entender os negócios deles. O controle que uma concessionária ou uma joalheria vai ter é completamente diferente do controle de uma instituição financeira. Então, nós fazemos, em cada caso, a análise de risco, que é sentar com o cliente e identificar, no tipo de negócio dele, quais são os riscos. E essa matriz de risco vai orientar os procedimentos e os controles internos do cliente. Entender bem onde está o gargalo, onde estão os riscos, sem, porém, engessar o negócio.

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