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Economia

Grupo envolvido nos apagões lidera disputa em leilão de gás natural

Governo leiloa 7 campos. Venda atrai fundo americano que gere operadora pivô da pane elétrica

Redação Jornal de Brasília

06/01/2021 14h15

foto : Divulgação/Ministério de Minas e energia

Cezar Camilo
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A Petrobras acelerou o processo de desinvestimento no segmento de gás natural no fim de 2020 e comemorou mais um passo em direção à saída do mercado. Em dezembro, aprovou uma nova oferta pelo Polo Urucu — são sete campos petrolíferos na região da Bacia dos Solimões, dois destes sem nada extraído até hoje.

Duas empresas já apresentaram ofertas: 3R Petroleum e Eneva. A primeira entrou com US$ 1 bilhão frente aos US$ 600 milhões da rival. A disparidade de propostas envolve a gestão de uma das partes, a Starboard, um fundo de executivos americanos que detém 52,3% dos ativos da 3R. O grupo também está relacionado à primeira crise elétrica do governo Bolsonaro.

Em novembro, a Starboard, que controla a empresa Gimini – a operadora da Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE) –, foi responsável pela maior crise do setor elétrico de 2020. Segundo laudo da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o apagão ocorrido no estado do Amapá foi ocasionado pela falta de manutenção na subestação. O relatório da agência reguladora constatou que a Starboard não teve dinheiro para recuperar os ativos da empresa.

A 3R Petroleum, concorrente direta, fez a maior oferta pela compra do polo. Para ir adiante com seu lance bilionário, a 3R colocou condicionantes, como renegociação das tarifas de venda de gás no Amazonas. Suas garantias são compostas principalmente por intenções e compromissos de fundos de investimento ligados à Starboard, gestora de private equity (investimentos em empresas consolidadas) que é a atual acionista majoritária da empresa extrativista.

Porém, a capacidade financeira da 3R para fazer aquisições bilionárias foi questionada pela área técnica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A ata da comissão apontou a necessidade de cautela no teor técnico da abertura de capital do empreendimento, e ressaltou “a ausência de informações financeiras para fins de registro que reflitam a real situação patrimonial da empresa” .
Recurso

Em outubro, a 3R recorreu do veto à estreia na Bolsa de Valores. Na decisão da diretoria, a CVM ressaltou que o fato de a companhia, que já desenvolve suas atividades no setor de exploração e produção de petróleo e gás natural, adquirir ativos pré-operacionais não tem o condão de lhe retirar a condição de sociedade operacional – ainda que a Reorganização acarrete mudanças significativas na sua estrutura. “Por todo o exposto, o Colegiado entendeu, por unanimidade, pelo provimento do recurso, sem prejuízo da formulação de futuras exigências pelas áreas técnicas no âmbito dos respectivos processos de registro”.

Muitos investimentos na Amazônia

A diretoria da Petrobras decidiu manter a 3R/Starboard para a próxima disputa, prevista para a segunda quinzena de janeiro. “A Petrobras informa ainda que leva em consideração na análise das ofertas todas os componentes de valor e demais condições refletidas nas propostas, incluindo pagamentos firmes, pagamentos contingentes e outras condições contratuais relevantes, de tal forma que os valores veiculados na mídia não proporcionam uma base suficiente para comparação das ofertas recebidas”, disse em comunicado.

Com as novas concessões, empresas que disputam os poços exploratórios preparam novas perfurações para 2022. Só no ano passado, uma das concorrentes no leilão do Polo Urucu, a Eneva, furou três poços no Amazonas e garantiu mais dois para 2021. A empresa acredita que é possível ir além com a compra de Urucu, mas depende de uma oferta muito maior para ganhar do seu concorrente, uma diferença de US$ 400 milhões.

Desde junho, a Petrobras arrasta a venda do polo. A região inclui campos produtores de petróleo leve, além do gás natural que atende ao antigo sistema isolado de Manaus. São 660 quilômetros de gasoduto – chamado Urucu-Coari-Manaus – cortando rios e florestas até a capital.

No total, sete campos estão no emaranhado, todos na Bacia do Solimões, que atendem às usinas termelétricas do Amazonas: os campos de Araracanga, Arara Azul, Carapanaúba, Cupiúba, Leste do Urucu, Rio Urucu e Sudoeste Urucu. Estão em área remota, mas possuem aeroporto, centro médico e bases de apoio logístico, todos colocados à venda.

Entre 2015 e 2019, apenas três poços pioneiros foram perfurados no estado do Amazonas – ele é hoje o terceiro maior produtor de gás no país. A Eneva atua na região desde 2008. É uma operadora de projetos de exploração e produção, além de geração e comercialização de energia elétrica. Nasceu dos investimentos em produção de gás integrado com usinas termelétricas no Maranhão, na Bacia do Parnaíba.

No último encontro com a Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP), a empresa arrematou sete blocos exploratórios no Amazonas, Mato Grosso do Sul e Goiás, além do campo de Juruá, no Solimões – Juruá não foi desenvolvido e não possui infraestrutura. A empresa também investe no campo de Azulão, na Bacia do Amazonas, para produção de gás, liquefação e atendimento à térmica Jaguatirica II, em Roraima. Projeto que vai atender ao sistema isolado de Boa Vista que entra em operação em 2021.

Preocupação com estragos na floresta

“Para as companhias que fazem ofertas nesses leilões, fica o lucro da exploração, mas para os moradores da Amazônia fica só o medo de vazamentos, destruição ambiental e invasões”, afirma o diretor da 350.org na América Latina, Ilan Zugman. A organização não governamental promoveu uma manifestação, no Rio de Janeiro, em frente ao hotel Sheraton da Avenida Niemeyer, com líderes indígenas, pescadores e ambientalistas pelo fim da extração de petróleo e gás na Amazônia.

A ação, no dia 4 de dezembro, foi realizada no mesmo horário em que, do lado de dentro do hotel, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) promoveu a sessão pública de anúncio das propostas pelos blocos exploratórios disponíveis.

“As empresas participantes deste leilão e a própria ANP estão agravando a injustiça climática, ao colocar comunidades tradicionais em risco e concentrar dinheiro nas mãos de poucos, já que nem mesmo os ganhos econômicos chegam aos moradores da região”, disse o diretor da 350.org.

Retomada

A decisão do governo visa suprir o esgotamento das reservas já descobertas, com queda de 47% no estado do Amazonas. Os leilões marcam uma possível retomada da atividade petrolífera no norte do país.

“Novas descobertas de jazidas de gás natural podem contribuir para uma matriz energética mais limpa na região, que ainda depende de térmicas a óleo”, disse o diretor-geral interino da ANP, Raphael Moura, no evento dentro do hotel.

“A Amazônia representa a vida para os Povos Indígenas e para o planeta, mas o petróleo pode trazer a morte de animais, florestas e pessoas. Estamos unidos para lutar e vencer essa ameaça”, afirma Ninawá Huni Kui, presidente da Federação do Povo Huni Kui do Estado do Acre, presente à manifestação no Rio.

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