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Economia

Economia e Banco Central divergem sobre contabilidade, e TCU é acionado

Mesmo após a formação de um grupo de trabalho e diversas reuniões, não houve consenso e uma decisão está sendo preparada pelo TCU

Redação Jornal de Brasília

23/11/2020 12h57

Foto: Divulgação/TCU

Fábio Pupo e Larissa Garcia
Brasília, DF

O Ministério da Economia e o Banco Central se desentenderam após chegarem a interpretações divergentes sobre o orçamento da autarquia e a transferência de recursos ao Tesouro Nacional.

Mesmo após a formação de um grupo de trabalho e diversas reuniões, não houve consenso entre os técnicos e uma decisão está sendo preparada pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

As discussões se aceleraram no fim de outubro, quando a área técnica do TCU decidiu ficar ao lado do ministério.

Depois disso, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, acionou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para acelerar a aprovação da autonomia da autoridade monetária.

Tecnicamente, as divergências entre ministério e BC estão em como tratar as receitas próprias da autarquia e na forma de apurar o resultado para depois transferi-lo ao Tesouro.

No centro do debate, estão as receitas primárias diretamente arrecadadas pelo BC. Fazem parte dessa rubrica, por exemplo, multas aplicadas a bancos e certas taxas cobradas pelo uso do Sisbacen (o sistema que reúne informações financeiras).

A autarquia computa esses recursos em seu balanço, assim como receitas financeiras (por exemplo, com rendimentos da carteira de títulos do BC). Feito isso, um único resultado é apurado e transferido ao Tesouro.

O ministério vê no procedimento uma mistura indevida entre receitas primárias e financeiras e entende haver uma série de problemas contábeis a partir do procedimento, com risco até de duplicidade na contagem de recursos da União (primeiro na rubrica de receitas primárias do BC e, depois, no repasse ao Tesouro).

A SOF (Secretaria de Orçamento Federal), vinculada ao ministério, entende que a receita primária obtida pelo BC é da União e que deveria decidir diretamente como usar o dinheiro na administração do Orçamento (direcionando mais recursos para obras, por exemplo).

Mas a autoridade monetária argumenta que esse recurso não existe porque o dinheiro é repassado ao Tesouro em forma de receita financeira. Por isso, não resta opção legal ao ministério senão destinar os recursos vindos do BC ao pagamento da dívida.

Envolvidos relatam que as discussões travaram pela aridez do assunto e por uma briga de poder e de egos entre técnicos da autarquia e do ministério.

Também embaralha a discussão a própria dualidade do BC, que executa suas atividades usando um orçamento próprio para suas atividades típicas (o Orçamento da Autoridade Monetária, ou OAM) e os recursos do OGU (Orçamento Geral da União) para despesas primárias.

Essa característica dupla tem aval da legislação, mas uma série de omissões na lei abrem espaço para uma série de interpretações divergentes entre BC e o restante do governo. Isso aumenta a possibilidade de conflitos como o observado agora.

Acirra os ânimos, segundo os próprios envolvidos, o avanço do projeto de lei de autonomia do BC.

Enquanto a autoridade monetária tenta fazer a proposta avançar, vê o governo ir na direção contrária a seus interesses ao demandar da autarquia mudanças contábeis.

Parte dos envolvidos nas discussões afirma, no entanto, que o projeto de autonomia não livraria o BC das discussões. Mesmo com a eventual aprovação da proposta, as divergências devem continuar por haver uma série de leis que ainda limitariam as finanças do BC, inclusive submetendo a autarquia a órgãos de controle.

Diante do esgotamento do trabalho dos técnicos e ausência de consenso, o TCU começou a encontrar uma solução.

A Folha teve acesso ao relatório preliminar da equipe técnica do TCU, que concorda com a visão expressa pelo ministério. O texto sugere que o BC deve separar suas receitas primárias para repassá-las ao governo.

Além disso, o TCU aponta como essencial o incremento da governança nos números da autoridade monetária. O tribunal vê elevado grau de discricionariedade por parte do BC na condução de seu orçamento.

“A manutenção deste privilégio [orçamento próprio] deve ser acompanhada de correspondente governança e transparência na gestão dos recursos, que, apesar de não possuírem origem tributária, sao igualmente recursos públicos”, afirma o relatório.

“Este impulso a ser promovido na governança e transparência deve atingir todo o espectro do OAM”, afirma o TCU.

A recomendação sendo preparada pelo TCU é mais um capítulo da tentativa de aprimoramento na relação entre o BC e o Tesouro, que já foi alvo de diversos outros questionamentos do órgão de controle e de especialistas.

“Existe uma indefinição entre as atividades que o BC executa enquanto autoridade monetária ou não [em esfera administrativa]. A separação do orçamento ajudaria no encaminhamento dessas questões”, diz Juliana Damasceno, especialista em finanças públicas e professora da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Na relação financeira, a mais recente mudança na relação ocorreu em maio de 2019, quando uma lei alterou a sistemática de repasses entre BC e Tesouro.

Com a nova legislação, o BC não é mais obrigado a repassar o lucro com operações cambiais.

Para isso, foi criada a reserva de resultados, na qual são contabilizadas essas quantias. Quando a autarquia tem prejuízo, o montante é usado para cobrir a diferença.

A regra permite também que valores desse resultado sejam repassados à União para custeio da dívida pública quando “severas restrições nas condições de liquidez afetarem de forma significativa o seu refinanciamento”.

Foi o que ocorreu em agosto deste ano, quando a autoridade monetária repassou R$ 325 bilhões à União.

Novos repasses podem ser feitos para abastecer o caixa do governo e aliviar as condições de refinanciamento da dívida pública.

As informações são da Folhapress

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