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Coluna do Aquiles

Um trabalho soberbo

Arquivo Geral

22/11/2017 21h26

Era uma vez seis vocalistas: três mulheres e três homens. Que respiram música. E cantam. Muito. Sempre atentas às voltas do mundo, suas vozes clamam para serem escutadas – vocalista adora cantar junto. Sempre. É que eles não aguentam ficar muito tempo sem ouvir as vozes abertas à sonoridade que amam. Muito.

E foi aí que num dia do verão de 2014, céu de límpido azul, eles se apresentaram na Mostra Festa da Língua – Cultores e Cantares da Língua Portuguesa, no Rio de Janeiro. Louvando a chance, vibraram como se fosse um gol brasileiro numa final de Copa do Mundo.

Os seis vocalistas já davam pista de seu pioneirismo: nossos heróis haviam ensaiado àquela altura quatro cânticos de candomblé na língua yorubá. É aqui que a história ganha um novo herói: o babalaô Pai Marcos de Jagum.

Mas ainda há um segundo herói: o brasileiro filho de alemães Tilo Ploeger. Doidinho pela nossa cultura, com ênfase no candomblé (ele dividiu com Pai Marcos a autoria do livro Os Oráculos de Ifá), o cara deu de querer que o OuroBa registrasse os cânticos num CD. E o OruBa deu de ensaiar. Muito.

Aí Pai Marcos trouxe para a roda nada menos do que 44 cânticos de candomblé na língua yorubá (alguns subdivididos em três movimentos), distribuídos em 17 faixas. “Quanto mais trabalho, melhor!”, disse em uníssono o OruBa (não se assuste, leitor, vocalista que se preza costuma ser meio tarado por ensaio, mesmo).

E aí coube a eles gravar um CD, bancado e produzido por Ploeger, que é a gênese de uma das vertentes da cultura afro-brasileira, um dos pilares da religiosidade de grande parte do nosso povo. Meses depois nascia um álbum com sons de brasilidade explícita.

Com o apoio do percussionista Zero, Dalmo Medeiros, Kika Tristão, Marianna Leporace, Symô e Vicente Nucci – vocalistas, arranjadores e instrumentistas talentosos –, mais a maestrina que liderou os ensaios e mixou o CD, Célia Vaz, dividiram solos, instrumentos e arranjos. Alguns desses últimos ficaram a cargo de maestros de fora do OuruBa, como um de Paulo Malaguti Pauleira, um de Vicente Ribeiro e três de Fernando Leporace. Na capa, sobreposto à belíssima foto de Louise Botkay, apenas o nome do grupo: OuroBa. Floria um som que, ao mesmo tempo em que é fiel ao yorubá, apresenta adaptações suingadas e sofisticadas dos cânticos. Cânticos esses que até hoje inspiram compositores brasileiros.

O CD abre com “Cânticos de Exu”, assim apresentado por Pai Marcos no encarte: “Porteiro de Orun, mensageiro, guardião da lei, senhor dos caminhos, a boca que tudo come e os olhos que tudo veem.” Da mesma maneira, ele qualifica cada entidade: Ogum, Oxóssi, Xangô, Ossanhê, Logun Edé, Oxumaré, Oyá, Nanã, Yemanjá, Omolu, Oxum, Ewá, Obá, Ibeji e Oxalá, e mais Alabê, o escolhido pelos orixás para bater o tambor e entoar os cânticos.

Moral da história: o OuroBa realizou um trabalho soberbo que traduz e ilumina o sincretismo religioso do Brasil.

Aí eles se abraçaram e seguiram cantando felizes vida afora.

Aquiles Rique Reis, integrante do MPB4

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