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Coluna do Aquiles

Manifesto histórico

Arquivo Geral

04/10/2017 18h51

Mônica Vasconcelos, brasileira residente em Londres há mais de duas décadas, mantém acesa sua verve de cantora, ofício que exerceu ainda em terras brasileiras. Hoje, intérprete plena de emoção e memória, ela lança The São Paulo Tapes – Brazilian Resistance Songs (independente), CD no qual interpreta canções que foram autênticos hinos contra o arbítrio da ditadura – há que sempre relembrar para nunca esquecer o quão violentos e inconstitucionais foram os dias em que o sol e o céu cobriram-se de cinza(s).

Por isso, The São Paulo Songs tem, para além das músicas selecionadas, cantadas e tocadas com rigor profissional, um valor a mais.

Com voz correta – afinada, com pouco vibrato e reverber usado com parcimônia, Mônica dá sua visão sobre a música de resistência, cujo alento contribuiu para a volta à democracia.

Ela não só pesquisou e selecionou o repertório, como convidou o tradutor e professor de literatura brasileira David Treece para fazer versões das letras para o inglês e para assinar os textos explicativos que oferecem significado e contexto histórico ao publico de língua inglesa. Ajuntados num álbum, o projeto de Mônica Vasconcelos tem o vigor de um manifesto histórico.

O lendário roqueiro inglês Robert Wyatt, produtor do CD, contou com o paulistano Ife Tolentino (violão), o londrino Liam Noble (piano), o uruguaio Andrés Lafone (baixo elétrico), o israelense Yaron Stavi (baixo acústico), o gaúcho Marius Rodrigues (bateria) e arranjos de Ife Tolentino e Dean Brodrick. O time e Mônica abrem o CD com “Agnus Sei” (João Bosco e Aldir Blanc). Junto com o baixo acústico com arco e a bateria com vassourinhas, a intro conta com os vocalizes dela. O andamento acelera. O piano tem destaque. Volta a levada mais lenta, logo retomando a mais ligeira. Num falso final, um ralentando. Volta o canto. Um solo de piano tem a companhia da voz dobrada de Mônica. Novo ralentando conduz ao final. Não sem antes ela bradar: “Responderei, não!”

“Angélica” (Miltinho e Chico Buarque) tem belo arranjo. O piano inicia. A voz de MV é terna. O piano com acordes, o baixo com nota em pedal e o violão dedilhado levam a mudanças de tom. No final, resta o piano repetindo notas soltas. Meus Deus!

“Aos Nossos Filhos” (Ivan Lins e Vitor Martins) começa com o violão e a batera no prato. Uma das melhores interpretações de Mônica, posto que sua voz encontrou na melodia de Ivan o jeito de demonstrar a agonia e a beleza dos versos.

(“Interlude II”, tema do pianista Lian Noble, é um instrumental porreta. Só que… arre, égua!, que diacho faz um instrumental em meio a um conjunto de palavras significativas?).

Gravado por uma londrina de coração, “London, London” fecha o CD. Sem mágoas nem luto, a canção de exílio de Caetano Veloso revela a dor e a força de quem partiu “num rabo de foguete”; mas voltou cantando: “Mas sei que uma dor assim pungente/ Não há de ser inutilmente…”

Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

PS. Perdemos uma de nossas grandes cantoras. Descanse em paz, Célia.

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