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Coluna do Aquiles

Alucinados compassos

Arquivo Geral

07/09/2016 7h07

Atualizada 08/09/2016 18h13

Desde que lançaram o seu primeiro CD, em 2006, os integrantes do quarteto instrumental À Deriva já flertavam com experiências sonoras que os punham, de fato, à deriva, sem permitir que bússola alguma lhes dissesse como e o que tocar.

Diante de um oceano de opções, seus integrantes Guilherme Marques, Daniel Muller, Rui Barossi e Beto Sporleder deixaram a nau seguir à toa. Como se importasse mais a eles o contraponto do que o ponto; o contratempo, não o tempo.

Em 2008 eu recebi À Deriva II, o então segundo CD do grupo, sobre o qual, dentre outras observações, escrevi: “A diversidade das composições – o álbum traz 10 músicas inéditas criadas individualmente ou em parceria entre os do À Deriva –, lhes dá a oportunidade de demonstrar o quanto suas almas e mentes estão abertas ao imprevisto que leva à busca do inusual”. Lembro-me ainda de ter sentido o trabalho dos moços como algo cujo som resultou em “um instrumental levado às últimas consequências”.

Pois bem, tenho agora em mãos O muro rever o muro (À Deriva Discos), atual e sexto CD do quarteto. Nele, Daniel, Guilherme, Rui e Beto expõem de forma radical e consistente o experimentalismo que já acalentavam quando cortejavam as franjas de inovações sonoras.

Para desembarcar, feito náufragos imprevisíveis, numa terra em que nem tudo é o que parece ser, eles se juntaram à companhia teatral Les Commediens Tropicales, para unidos – a fome com a vontade de comer – criarem o espetáculo Guerra sem batalha ou Agora, e por um tempo muito longo, não haverá vencedores neste mundo apenas vencidos.

O saldo deste novo trabalho é um À Deriva evoluído em direção à música que parecia buscar desde sempre: uma sucessão de sons experimentais buscados no subconsciente musical dos quatro instrumentistas. Percebidas as liberdades musicais do grupo, o ouvinte é levado a um enredo delirante, no qual a música e o teatro compartilham suas essências.

Mesmo que, após alguns compassos de sutil beleza, voltem as amalgamações sonoras que o À Deriva amadrinhou para chamar de suas, o que se ouve é um instrumental contemporâneo. Lá vão eles, parecendo, mas só apenas parecendo, estar subjugados “esquisitices”, que podem fazer com que o náufrago tente amagar a nau em que navega. Os camaradas têm prumo e rumo.

Bom ver que o À Deriva não se perdeu durante o caminho que parece ser o que mais lhes apraz. Ao contrário, evoluiu.

No prólogo do CD, ouve-se vozes e ruídos aleatórios, ritmados e arritmos. Vem o piano. Sob ele, vozes ininteligíveis e versos concretistas são ditos e reditos. Sax, bateria e baixo, em forte levada pop, anunciam outro texto: “A primeira configuração da esperança é o medo (…)”. Após este, outros, intensos e fortes. Enquanto isso, outros sons criam proposital desordem. Sonoridade que, em meio aos versos, se fazem atonais.

Atonalismos experimentais traduzem a música que o À Deriva cria e toca, e são por eles interpretados em compassos alucinadamente apaixonantes.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4

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