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Música

Musicistas e frequentadores falam da saudade do Clube do Choro

O Clube do Choro mantinha espetáculos aos finais de semana, com uma média de público de 200 a 350 pessoas

Agência UniCeub

31/10/2020 21h00

Malu Alencastro
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

Meuuuuu coraçãaaaooooooo não sei porquê… bate feliz, quando te vêeeeeeeeee… E os meus olhos ficam sorrindo e pelas ruas vãoooo te seguindo… Mas mesmo assimmmm……. Aplausos… Naquela mesa está faltando eleeeee… e a saudade dele está doendo mim. E como! Pandeiros, bandolins, violões, cavaquinhos, flautas e vozes ecoando ao som de CarinhosoNaquela Mesa, entre outros clássicos do chorinho, faziam parte da vida de quem se reunia diariamente em frente à lanchonete entre os intervalos das aulas. Mas, e agora? As ruas de Pixinguinha ficaram vazias. O coração em isolamento social. E a mesa de Nelson Gonçalves, então… está doendo em todos aqueles que não frequentam mais o Clube do Choro, casa de espetáculo fundada em 1977, que possui uma escola de música desde 1998. Pela primeira vez, o chorinho do lugar, se tornou  silêncio.

Entre ritmos refeitos, músicos, alunos e frequentadores do Clube do Choro de Brasília e da Escola de Choro Raphael Rabello não veem a hora de retomar o compasso

O Clube do Choro mantinha espetáculos aos finais de semana, com uma média de público de 200 a 350 pessoas, e, nas quintas e sextas, com uma plateia  de 150 a 200 pessoas. Os ingressos custam R$40 a inteira e R$20 a meia. O lugar, que é um dos principais espaços da música do Distrito Federal, inspira  cada vez mais pessoas a aprenderem a tocar. Há cursos de 25 instrumentos. Em 2020, estão matriculados mil alunos.

Seja como for, encanta quem pisa ali. Sérgio Morais, de 42 anos de idade, frequentador do Clube do Choro desde 1996, e professor de  flauta há 20 anos na Escola de Choro Raphael Rabello, entende que a música agrega as pessoas e se faz presente em nossas vidas desde a infância. “A música está presente na vida da humanidade como um todo. Desde as cantigas que ouvimos dos pais para nos embalar no sono, até momentos de  lazer e relaxamento”. O clube proporciona o encontro dos estudantes com grandes artistas do gênero, como relata Sérgio. “O encontro que temos com grandes nomes é muito importante, pois a partir daí a gente tira bastante aprendizado, podendo entender como o artista estuda para fazer determinada coisa.”

Um pátio largo, um palquinho ao fundo, lanchonete, mesas brancas, cadeiras azuis, parede com desenhos de instrumentos e outra com fotos de grandes músicos (Chico Buarque, Tom Jobim, Ernesto Nazareth…), pode dar uma ideia do que é esse ambiente para quem nunca foi lá.  Rodas de choro abertas ao público eram realizadas mensalmente, sempre no primeiro sábado de cada mês, no pátio do Clube do Choro.

A percussionista Fernanda Vitória, que tanto se apresenta em rodas, como é aluna da escola no lugar, lembra da primeira roda que participou. “Eu fiquei nervosa, mas na hora foi superfluido. Meu professor, Júnior Viégas, estava lá para auxiliar. O mais doido foi que pude sentir um ar familiar, sabe? Um monte de gente diferente, com os instrumentos em harmonia. Tinha criança, muita música boa e um almoço top no final”. As feijoadas aos sábados também ficaram na lembrança. A canção que Fernanda interpretou, junto de colegas, ao final da roda, foi do grande mestre Pixinguinha.“Carinhoso era a música, e carinho é o que tenho por esse lugar”.

Estudante de pandeiro há seis anos, Thais Marra relata que a música fez com que ela se sentisse mais leve. “Eu percebo como a música fez a minha vida melhorar em diversos aspectos. Eu estou mais calma. Contribuiu muito para a minha qualidade de vida e  para o meu crescimento pessoal. A música transcende!”.

 Lugar de aprendizado

O professor de flauta explica que as aulas de teoria e prática musical tornaram-se virtuais. “Estou dando as aulas on-line com adesão máxima dos alunos, o que é muito motivador.”

No entanto, a distância mudou uma rotina de contato que eles consideram muito importante. Entre o intervalo de uma aula e outra, por exemplo, as pessoas se encontravam na lanchonete, cada uma com seu instrumento. Assim era o cotidiano de um dos locais mais musicais da cidade antes da pandemia.

E os alunos? Qual a  visão deles sobre essa situação de estar distante de um local que estavam com frequência? Thais Marra entende a beleza do chorinho e sente falta de ir ao clube. “Por conta da pandemia, eu sou impedida de estar no Clube do Choro e, para mim, isso é complicado, pois ali eu conseguia fazer trocas, criar novas amizades e interagir.”

Para os frequentadores do clube e também para os alunos da escola de choro entrevistados, música é calma na alma. É se conectar ou, até mesmo, se reconectar consigo ou com o próximo. George Costa, de 34 anos, que se apresenta com seu grupo Choro Livre, no clube, desde 2013, e também é professor de violão na escola, entende que a música é uma missão  de vida. “Eu acredito que seja uma missão pessoal pois a música é a maneira mais clara que eu encontro de me expressar e é aonde eu consigo canalizar minhas impressões do mundo”.

Sete cordas

Nascido no meio musical, com avô trompetista, pai violonista, Fernando César, que é também irmão do bandolinista Hamilton de Holanda, começou a se interessar pela música em 1981, ainda com 10 anos de idade. Fernando, que além de ser professor de violão seis e sete cordas na escola, já subiu ao palco do clube “inúmeras” vezes, recorda que se apresentou pela primeira vez em setembro de 1981, com o pai e o irmão, e que o ambiente tinha outra configuração.“O clube era totalmente diferente do que é hoje. Era uma casa de encontro de chorões.” Para ele, tocar neste ambiente de cultura musical brasileira é sinônimo de felicidade. “O Clube do Choro é a minha casa. Toda vez que eu toco lá é uma alegria imensa, é poder perceber minha história enraizada.”

Assim como em qualquer profissão é necessário foco, empenho e disciplina, na música não é diferente. Um músico compõe, escreve arranjos e, muitas vezes, conduz um grupo de coral. Todos os artistas que tocam chorinho são chamados de chorões. Mas não tem nada de triste nisso. Pelo contrário.  Para ser  chorão, é necessário domínio instrumental, junto de improvisos e felicidade com o que está fazendo.

Formação

A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello é essencial para quem pretende seguir nessa estrada da vida, pois ali os músicos  conseguem aprimorar a técnica e desenvolver carreiras. Taariq Padilha, de 17 anos, se formou em harmônica pela escola em julho de 2019. Ele ainda não teve a oportunidade de tocar em outros cantos do país, mas  percebe a importância que foi ele ter estudado nesta escola de grande credibilidade. “Eu tenho muita gratidão pelos professores! Ali é como se fosse minha casa.”

Há quem já era formado em música, mas teve a oportunidade de passar pela Escola de Choro para inovar, como é  caso de Will Mourão. “Já era formado em Música pela Universidade de Brasília (UnB) quando entrei lá. Para mim foi uma realização pessoal ter essa formação”. Will é bandolinista e já tocou em outras cidades brasileiras, mas teve a chance de, também, tocar fora do país. “Tive a oportunidade de montar um trio de choro na Suécia e fazer alguns shows por lá. Foi uma experiência sensacional, principalmente por eu ser o único brasileiro do grupo”, rememora.

 A grande trajetória

O objetivo da escola e do clube é manter viva a trajetória de gênios do choro e, com certeza, dar maior visibilidade à música brasileira. São 22 anos desde o nascimento desse lugar de  referência para os músicos. Criada pelo bandolinista, compositor, jornalista, radialista e produtor cultural brasileiro, Reco do Bandolim, em 29 de abril de 1998, a Escola de Choro é de notabilidade para os amantes dessa arte. Reco entende que esse ambiente musicalmente respeitado foi um grande feito. “Eu considero sim, tanto a escola, quanto o clube, uma realização em minha vida.”

O incentivador do choro na capital do Brasil ainda lembra que ouviu o ritmo  pela primeira vez com 18 anos e a partir daí se interessou fortemente com esse gênero e ao chegar na cidade se deparou com a falta da alfabetização musical, em relação ao choro. “Voltei para Brasília após as férias e percebi que ninguém sabia o que era o choro. Ninguém sabia quem era Pixinguinha, na Capital da República. Isso pode ser considerado quase um crime de lesa a pátria”, relata.

Desde sua criação, Brasília mantém um vínculo estreito com o choro. Este gênero, além de ser considerado o gênero musical que mais expressa, de forma autêntica, a música instrumental brasileira, é conhecido por ter sido o pontapé inicial para a criação da MPB. Reco reconhece que é complexo definir uma história cultural tão profunda para o Brasil, mas compreende que a globalização contribui enormemente para a segurança nacional cultural. “Por que você chega na Espanha e vai ver o flamenco e observa uma graça enorme na dança e na música? Isso é o bacana. Então essas características são importantíssimas. Esse é o papel da música do Clube do Choro e  da Escola de Choro Raphael Rabello.”

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